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Montanha russa climática

Berlim, Alemanha, 10/6/2011 – Os eventos meteorológicos extremos na Europa transformam o clima do continente, causando grandes danos materiais e perdas econômicas. As chuvas de maio foram as menores já registradas na Alemanha e na França, enquanto junho começou com aguaceiros que deixaram pelo menos uma pessoa morta e grandes prejuízos econômicos.

A tempestade do dia 6 alagou partes da cidade alemã de Hamburgo, transformou as ruas em rios e inundou numerosos prédios, incluindo a estação central, o que paralisou o sistema ferroviário regional. O aeroporto da cidade também ficou fechado por várias horas por causa da chuva, do vento e dos raios. Em Bonn, no centro do país, uma parede desmoronou e matou uma menina de 13 anos. Em Messernich, os raios mataram 30 cervos no zoológico. A tempestade incluiu granizo, muita atividade elétrica e forte aguaceiro. No Estado federal de Hessen caíram mais de cem litros por metro quadrado no dia 5, quase o dobro da média mensal.

Um fenômeno semelhante devastou nesse mesmo dia grandes áreas da França. No departamento de Vaucluse, o granizo destruiu inúmeras plantações de verduras e deixou uma “situação apocalíptica’, segundo André Bernard, presidente da Federação Regional de Agricultores. “A tempestade afetou dois terços dos cultivos de Vaucluse. As perdas chegam a centenas de milhões de dólares”, disse Bernard à IPS.

As tempestades desse tipo são consequência direta da mudança climática, asseguram muitos especialistas. “Temos que nos acostumar a eventos extremos, pois a mudança climática se acentua”, disse Friedrich Wilhelm Gestengarbe, diretor-adjunto do Instituto de Pesquisa do Impacto do Clima, na cidade alemã de Potsdam. “As fortes tempestades e as inundações terão o dobro ou o triplo de frequência em relação ao passado, deixando perdas superiores a US$ 11 bilhões”, afirmou Gestengarbe.

O episódio climático que mais afetou a economia da Europa foi o Sturm Kurill, em janeiro de 2007, com prejuízos econômicos estimados em US$ 3,5 bilhões. As perdas pelas tempestades se somam às da severa seca que afetou o continente na última primavera boreal. A seca deste ano foi a pior da história, segundo o Serviço Meteorológico Alemão (DWD).

“Nunca choveu tão pouco nessa época do ano desde que começaram os registros, em 1893”, disse Uwe Kirsche, porta-voz da DWD. Em algumas regiões da Alemanha, incluindo Wiesbaden no Sul, caíram, em média, 33 litros por metro quadrado na primavera. “É menos de 18% da média”, disse Kirsche. “Também foi a primavera mais quente, depois da de 1881”, ressaltou. Os agricultores tiveram de assumir as consequências das fortes tempestades e da seca. “Os campos amadureceram cedo, mas a colheita foi escassa”, lamentou.

A Prefeitura do departamento francês de Meuse adotou, no dia 25 de maio, medidas draconianas e urgentes para reduzir o consumo de água e alertou que as reservas estavam prestes a acabar. A seca afetou 54 departamentos franceses dos 96 do continente. Os agricultores asseguraram que a seca é um presságio das piores catástrofes que se avizinham.

Christian Schwalbach, agricultor do departamento de Lorraine, perto da fronteira com a Bélgica, observou os mesmos sinais climáticos do “desastroso ano de 2003”, quando foram registradas secas e temperaturas extremas nos meses de primavera e verão, matando pelo menos 20 mil pessoas. Também baixou o nível dos rios, um risco para as 44 centrais nucleares instaladas em suas margens.

O Ministério da Energia determinou, em maio, a criação de uma “unidade de vigilância’ do fluxo fluvial que “garanta a segurança do fornecimento elétrico”, disse Eric Besson, secretário da pasta. A França tem 58 usinas nucleares que geram mais de 80% do consumo elétrico do país. A lei as habilita a utilizaram a água dos rios para serem resfriadas e prevê um limite sujeito ao caudal e à temperatura da água de cada um deles.

A seca e as altas temperaturas da primavera não constituem um “problema para a segurança de nossas instalações nucleares”, insistiu Besson. “A possível escassez de água nos rios não ocorre de imediato, pode ser prevista”, acrescentou. “Os requerimentos de esfriamento das centrais são baixos quando o sistema deixa de funcionar”, disse o ministro, sugerindo que as autoridades estudavam desligar as usinas caso a situação se mantenha.

O fato demonstra a absurda dependência da França por essa fonte de energia, segundo o Observatório Nuclear, uma organização que reclama a eliminação das centrais atômicas. “Nosso governo afirma que as usinas nucleares nos protegem da mudança climática, porque, ao que parece, não emitem gases-estufa”, disse Stéphane Lhomme, coordenador geral do Observatório Nuclear. “A realidade é que a mudança climática e os eventos extremos decorrentes colocam em risco o meio ambiente e nosso fornecimento elétrico, muito dependente da energia nuclear”, disse Lhomme à IPS.

Durante os meses extremamente quentes e secos da primavera e do verão de 2003, 2005 e 2006, “a seca e o baixo caudal dos rios obrigaram o governo a desligar várias usinas nucleares”, disse Lhomme. “Em alguns casos, foi impossível retirar água para esfriar as centrais nucleares. No caso das usinas de Fessenheim e Cattenom, o governo ordenou resfriar as instalações a partir do lado de fora porque estavam tão quentes que era impossível esfriá-las por dentro”, acrescentou. Envolverde/IPS