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Mongólia se lança no arriscado negócio petroleiro

As estepes centrais da Mongólia, a parte do país onde se prospecta petróleo de xisto. Foto: Michele Tolson/IPS
As estepes centrais da Mongólia, a parte do país onde se prospecta petróleo de xisto. Foto: Michele Tolson/IPS

 

Província de Tov, Mongólia, 14/10/2013 – A Mongólia, que compra da Rússia 90% do combustível e é particularmente vulnerável às altas de preços, busca explorar seus depósitos de petróleo de xisto, estimado em pelo menos 800 bilhões de toneladas. O país firmou um acordo de cinco anos com a empresa norte-americana Genie Energy para cuidar da exploração.

O petróleo de xisto, ou querogênio, está solidificado e preso nas rochas. Para extraí-lo são usados processos como a pirólise (decomposição química por meio do calor e em ausência de oxigênio), hidrogenação ou dissolução térmica, diferente do gás de xisto, que é extraído mediante fratura hidráulica (fracking). Embora os Estados Unidos tenham algumas das maiores reservas de petróleo de xisto do mundo, estas ainda não são comercializáveis, explicou Jason Bane, diretor de comunicações da Western Resources Advocates, uma organização ambiental com sede no Estado do Colorado.

“Na Estônia se queima petróleo de xisto para obter energia como se se queimasse carvão, o que não é muito complicado. Contudo, extrair o querogênio (material fossilizado na rocha que desprende betume ao ser aquecido) é uma ideia totalmente diferente. Se produz pequenas quantidades de combustível em diferentes lugares, mas transportar isso para um processo comercial no momento é só teoria”, disse Bane à IPS. “Se fosse possível, a produção de petróleo de xisto seria incrivelmente danosa para o meio ambiente, pela contaminação aérea e pelo uso intensivo de água”, ressaltou.

Segundo especialistas, a Mongólia é especialmente vulnerável à mudança climática. Esse país da Ásia central sem saída para o mar já sofre escassez de água no deserto de Gobi, o que reduz a vazão de rios e lagos, e também desertificação propriamente dita. “A maioria das tentativas de obter combustível líquido desse recurso fracassou do ponto de vista financeiro. Tem menor densidade energética que o carvão e piores impactos ambientais. Isso será um desastre para a Mongólia”, destacou à IPS Richard Heinberg, do Post Carbon Institute.

Entretanto, Jeremy Boak, diretor do Centro para a Tecnologia e a Pesquisa do Petróleo de Xisto, da Escola de Mineração do Colorado, acredita que o procedimento esteja se desenvolvendo rapidamente e que é promissor no âmbito comercial. “Os que se opõem estão citando dados de décadas passadas”, afirmou à IPS. As organização ambientalistas costumam se referir a um informe do Escritório de Prestação de Contas do governo dos Estados Unidos que “simplesmente avaliou todos os dados históricos e concluiu que, em média, seriam usados cinco barris de água para cada barril de petróleo produzido, e que se poderia chegar até a 12”, acrescentou.

Boak argumentou que, ainda que seja experimental, a tecnologia foi testada. “A Shell tem experiência no Colorado. Agora usa-se em torno de um barril de água para cada barril de petróleo produzido”, explicou. Esse experimento foi conduzido pelo especialista em energia não convencional Harold Vinegar, cientista da Genie Energy, que antes trabalhou para a Shell. Vinegar fez testes-piloto com a tecnologia usada na extração do petróleo de xisto, mas se retirou quando a Shell interrompeu a pesquisa. Depois, uniu-se à Genie. “Não se pode equiparar os potenciais impactos ambientais com certa catástrofe ambiental, como tendem a fazer algumas organizações”, argumentou Boak.

O geocientista David Hughes, do Post Carbon Institute, tem conhecimento do trabalho de Vinegar na Shell. “O aquecimento subterrâneo para extrair o petróleo dura até três ou quatro horas”, detalhou à IPS. “O muro de congelamento (desenvolvido quando Vinegar trabalhava na Shell) é para impedir que a água subterrânea interfira no processo de aquecimento. A Shell encerrou o processo, mas declarou que esse muro é um sucesso. Terão que ser feitos muitos testes-piloto, e falamos de anos e anos”, acrescentou.

Talvez porque o processo ainda esteja em fase de testes, falta transparência. Sujgerel Dugersuren, diretora da Oyu Tolgoi Watch, uma organização ambientalista da Mongólia, não sabia do acordo com a Genie até que Macdonald Stainsby, ativista canadense contra as areias de alcatrão e o petróleo de xisto, entrou em contato com ela pouco depois do anúncio. Sujgerel marcou uma reunião para que organizações ambientalistas mongóis começassem a monitorar essas iniciativas. “Só veio uma pessoa, com a qual falei pessoalmente”, disse à IPS.

“Contudo, de todo modo, isso foi útil, porque ela representa os profissionais que fazem avaliações de impacto ambiental. Tenho muitas esperanças de que divulgue a notícia entre as empresas de avaliação”, afirmou Sujgerel. Ela e Stainsby também ficaram sabendo que outra empresa, a MAK, da Mongólia, trabalha em projetos de querogênio perto do deserto de Gobi. “Nem eu nem Sujgerel conseguimos determinar onde ficará a unidade da Genie; isso não foi divulgado. O governo não mencionou nenhum dos dois lugares (da MAK e da Genie), nem deu suas coordenadas”, pontuou Staisnby à IPS.

Eles apenas souberam que a Genie realizava prospecções na província de Tov, perto de Ulaanbaatar, quando o parlamento divulgou a informação, no final da primavera boreal. Apenas um veículo de comunicação estrangeiro informou que a Genie possuía licenças na província de Tov, perto do rio Tuul. Comunidades de pastores Tuul abaixo, perto da desembocadura no rio Orjón, falaram à IPS sobre a presença da Genie.

“Quatro ou cinco famílias novas chegaram aqui porque tiveram que deixar o lugar onde ficam as obras da Genie”, contou Dashdavaa, uma pastora de aproximadamente 60 anos. “Agora, não tem pastagem suficiente e nem água para todas essas famílias”, acrescentou. Sua vizinha, Tsetseghkorol, que viveu 40 anos junto ao rio, disse não saber muito a respeito do projeto da Genie, só que estão procurando petróleo e que, possivelmente, queiram construir uma petroleira.

O Ministério de Meio Ambiente e Desenvolvimento Verde não respondeu a nenhum dos vários pedidos de informação feitos pela IPS. A Mongólia é parte da Iniciativa para a Transparência das Indústrias Extrativistas, que divulga informação sobre licenças, impostos e royalties que estes setores pagam aos governos. A IPS contatou um porta-voz que disse ainda não ter informação sobre o acordo Mongólia-Genie. A IPS também se comunicou várias vezes com a sede central da Genie nos Estados Unidos, por telefone e e-mail, mas não recebeu nenhuma resposta oficial.

A Mongólia está ávida por investimentos. Embora seja uma das economias de mais rápido crescimento no mundo, este ano os investimentos estrangeiros caíram 42% em relação ao ano passado. O ministro da Mineração, D. Gajuyag, vê o petróleo de xisto como uma nova e positiva oportunidade de investimento.

“O governo da Mongólia sempre tentou conseguir o equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e a conservação do meio ambiente e da cultura, dos quais está justificadamente orgulhoso”, ressaltou Rebecca Watters, diretora do Mongolian Wolverine Project, que estuda o impacto da mudança climática no habitat das espécies ameaçadas. “É necessário muito mais tempo para pensar nos impactos climáticos do que em um projeto de extração de 50 anos. Espero que, de todo modo, considerem estes assuntos”, afirmou à IPS. Envolverde/IPS