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Milagre de uma economia que avança com os pés atados

Complexo industrial nordestino de Suape, no Estado de Pernambuco, em constante ampliação. Foto: Mario Osava/IPS

Rio de Janeiro Brasil, 3/1/2012 – A economia do Brasil cresceu em 2011 menos da metade dos 7,5% conseguidos no ano anterior. Mas esses resultados seriam um milagre em outro país com as condições que freiam as atividades produtivas brasileiras e prejudicam sua competitividade.

A taxa básica de juros de 11% é a maior do mundo em termos reais, e a carga tributária chega a 35% do produto interno bruto, muito superior ao restante da América Latina e mais próxima da de Estados europeus, mas sem oferecer um bem-estar social semelhante.

Além disso, a enorme burocracia contribui para travar negócios, e os custos também aumentam pela precária infraestrutura de transporte e pelo elevado preço da energia, contrariando o discurso oficial de valores módicos no sistema elétrico, no qual predomina a fonte hidráulica.

Para agravar as dificuldades na competição internacional, o real foi a moeda nacional mais valorizada frente ao dólar norte-americano nos últimos anos. Assim, caem as exportações de vários segmentos industriais e aumentam as importações.

Dirigentes empresariais alertam para um processo de “desindustrialização precoce”, devido ao desequilíbrio cambiário que tende      a acentuar-se agora que o Brasiconverte em exportador de petróleo, graças a abundantes reservas em águas profundas do Oceano Atlântico.

Luis Aubert Neto, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), disse que, em 2005, 60% das máquinas vendidas no mercado doméstico eram nacionais, e que agora apenas 40% o são. As exportações do setor caíram 27,7% entre 2008 e 2010, enquanto as importações aumentaram 14%.

Está em curso uma “guerra cambial”, dizia há pouco mais de um ano o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Alguns países desvalorizam suas moedas para ganhar competitividade, um assunto que deveria ser tratado na Organização Mundial do Comércio (OMC), sugeriu Mantega.

Diante das pressões empresariais e da evidência de que as exportações brasileiras se concentram cada dia mais em produtos primários, agrícolas e minerais, o governo vem adotando medidas protecionistas, como a exigência de 65% de componentes nacionais em veículos automotores que desejarem obter benefícios tributários.

Apesar de todas as desvantagens, o Brasil é um dos países que atraem mais investimentos estrangeiros e acaba de ser reconhecido como a sexta maior economia do mundo pelo britânico Centre for Economics and Business Research (CEBR), superando a Grã-Bretanha.

Celebrado como uma das grandes potências emergentes agrupadas no Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), o país se destaca, na verdade, por seu indicador de PIB, cujo crescimento teve média de 4% ao ano entre 2003 e 2010, período da presidência de Luiz Inácio Lula da Silva.

Trata-se de um índice próximo da média mundial, e superado por vários países sul-americanos. Contudo, pelo tamanho do mercado interno que sua população de 192 milhões de habitantes proporciona, e pelo nível de desenvolvimento já alcançado, o Brasil justifica o interesse de investidores, economistas e instâncias de poder internacional.

Em algumas regiões, como o Nordeste e o Estado de Rondônia, na Amazônia, é quase uma piada falar em desindustrialização. A realidade ali mostra o contrário: uma acelerada industrialização, embora à moda antiga, movida pelo petróleo e pela metalurgia, em lugar da eletrônica ou das novas tecnologias.

No empobrecido e árido Nordeste, a instalação de refinarias de petróleo, siderúrgicas e estaleiros – em estreita vinculação com portos projetados como complexos industriais e logísticos – impulsiona um crescimento econômico acima da média nacional.

A infraestrutura insuficiente tira competitividade, mas também funciona como fator de dinamismo, especialmente na construção. São construídos, ampliados ou reformados portos, estradas, ferrovias e pontes em todas as regiões do Brasil, que se somam a programas de moradia com facilidade de financiamento.

Tantas obras colocam em destaque a falta de mão de obra qualificada, e há consenso de que a deficiente educação constitui uma trava adicional ao desenvolvimento e à competitividade. O Brasil sempre está entre os últimos, especialmente em matemática, 65 países contemplados no Programa Internacional para a Avaliação de Alunos (Pisa, em inglês).

Em resposta a essa necessidade, os governos federal e estaduais multiplicam unidades de ensino técnico, e as empresas estão capacitando por conta própria trabalhadores locais para realizar grandes obras. A hidrelétrica Santo Antonio, no Rio Madeira, na Amazônia, é construída com mais de 80% de mão de obra local, segundo o consórcio responsável. E a central de Belo Monte, apenas iniciada no Rio Xingu, também anuncia que dois terços de seus trabalhadores são da região.

“Agora sim o ensino avança, porque há demanda”, disse Fernando Freire, presidente da Fundação Joaquim Nabuco, órgão do Ministério da Educação com sede no Recife, capital de Pernambuco, Estado do Nordeste que vive o processo mais acelerado de industrialização atual.

No entanto, os economistas destacam outro calcanhar de Aquiles brasileiro, a sua escassez de inovações tecnológicas. Embora a produção científica tenha crescido ultimamente, refletida em artigos acadêmicos publicados, quanto a patentes o país ainda está muito abaixo de outros com desenvolvimento semelhante.

Há muitos aspectos a se destacar quando se trata de falar das inconsistências da economia brasileira, especialmente em alguns setores afetados pela competição de produtos chineses. Porém, o certo é que o Brasil vive uma situação de pleno emprego.

A taxa de desemprego caiu para 5,2% em novembro, menor índice desde 2002, quando adotada a atual metodologia. Todos os indicadores apontam para uma redução das desigualdades e cessaram as migrações a partir de regiões mais pobres, como o Nordeste, para centros mais desenvolvidos, como São Paulo.

A economia cresce apesar dos fatores que funcionam como travas, e os efeitos sociais e políticos são fortemente sentidos, embora a expansão do PIB não seja tão brilhante quanto a da China e de alguns vizinhos sul-americanos, como o Peru, onde Alan García deixou este ano a Presidência com sua popularidade em baixa, apesar do crescimento do PIB.

Pelo contrário, no Brasil é elevadíssima a popularidade da presidente Dilma Rousseff e do ex-presidente Lula. É como a jabuticaba, fruta que só existe neste país e que os brasileiros costumam usar como exemplo de suas singularidades. Envolverde/IPS