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Migrantes deportados dos Estados Unidos sem proteção na fronteira mexicana

Deportado pelos Estados Unidos dorme debaixo da ponte fronteiriça sobre o rio Tijuana, em El Bordo, o ponto mais ao norte do México, ao lado da fronteira. Foto: Daniela Pastrana/IPS
Deportado pelos Estados Unidos dorme debaixo da ponte fronteiriça sobre o rio Tijuana, em El Bordo, o ponto mais ao norte do México, ao lado da fronteira. Foto: Daniela Pastrana/IPS

 

Tijuana, México, 25/8/2014 – As partes debaixo das pontes do canal do rio Tijuana, na parte mais ao norte do México, estão transformadas em enormes banheiros. Muitas pessoas dormem em habitáculos de papelão e telas, em buracos feitos na terra, esgoto, pontes e ladeiras do canal, ao longo dos dois quilômetros entre o leste da cidade e a barreira fronteiriça com os Estados Unidos.

O mau cheiro é terrível. Às 7 horas da manhã os consumidores de heroína, que aqui é comprada por US$ 2, agradecem o açúcar de alguns chocolates. “Esta é a cidade de El Bordo”, diz um deles à IPS, com as mãos estendidas e um sorriso torto. É a cidade dos sem nada. O lar debaixo da ponte fronteiriça de dezenas de indigentes e migrantes deportados que decidiram esperar melhores tempos para cruzar a fronteira selada, e que sobrevivem limpando automóveis, carregando pacotes no mercado, trabalhando como pedreiros, reciclando lixo ou pedindo dinheiro nas ruas da cidade fronteiriça de Tijuana.

“A população que mora em El Bordo é uma mostra das condições extremas que podem enfrentar os deportados mais vulneráveis no México”, diz o estudo Estimativa e Caracterização da População Residente em El Bordo do Canal do Rio Tijuana. Elaborado pelo Colégio da Fronteira Norte (Colef), o documento contabilizou entre 700 e mil pessoas vivendo neste lugar durante agosto e setembro de 2013.

O informe acrescenta que os moradores de El Bordo são majoritariamente homens, de aproximadamente 40 anos, deportados nos últimos quatro anos, viciados (alguns começaram a consumir drogas neste lugar) e sem nenhum documento de identidade. O estudo afirma, ainda, que mais da metade fala inglês, e inclusive têm níveis de escolaridade semelhantes aos dos residentes de Tijuana, e apenas 6% pensa em voltar para seu lugar de origem, apesar de a maioria ter filhos.

“Esses resultados mostram que as deportações dos Estados Unidos para o México estão causando separações familiares e, especificamente, a separação dos pais do ambiente doméstico, o que provoca a ruptura de projetos individuais e familiares, acabando com a possibilidade de integração ao país de residência dos demais membros da família”, afirma o estudo, coordenado por Laura Velasco, pesquisadora do Departamento de Estudos Culturais do Colef.

A 2.780 quilômetros da cidade do México, Tijuana é a última ponta ao norte do país. Pertence à península do Estado da Baixa Califórnia e faz fronteira com San Diego, nos Estados Unidos. Em 2012, esta cidade recebeu 59.845 das 409.849 pessoas deportadas pelo governo norte-americano. Isto é, cerca de sete deportados por hora. Desde seu início em 2009, o governo do presidente Barack Obama já superou os dois milhões de deportações e se converteu na administração que mais expulsou pessoas em situação ilegal.

Com 1,7 milhão de habitantes, Tijuana ocupa o primeiro lugar em porcentagem de narcodependentes de todo o país. É base de cartéis do tráfico de drogas, agora enfraquecidos, e considerada uma das cidades mais violentas do México. Durante décadas foi a principal porta de entrada de migrantes para os Estados Unidos.

Mas os atentados de 11 de setembro de 2001 em Nova York provocaram uma mudança na política migratória e a fronteira mexicana foi selada, forçando os imigrantes ilegais a buscarem rotas cada vez mais perigosas, enquanto a segurança passou de 3.500 agentes da Patrulha Fronteiriça dos Estados Unidos, em 2005, para 21 mil no ano passado. O México tem 3.500 quilômetros de fronteira com os Estados Unidos. A Baixa Califórnia, vizinha a San Diego e Arizona, recebe um terço dos deportados e é o Estado com maior número de residentes estrangeiros.

A 177 quilômetros de Tijuana fica a capital do Estado, Mexicali, onde o calor de agosto pode matar qualquer um – chega a 50 graus centígrados – e as pessoas que não têm ar-condicionado dormem nas varandas. Mexicali tem seu “mini Bordo”: os prédios Montealbán, destruídos por um terremoto em 2010, na margem oriental do agora inexistente rio Nuevo, a alguns metros do centro histórico de Mexicali.

Ali vivem cerca de 80 pessoas, entre indigentes locais e migrantes deportados que têm algum vício. Entre as ruínas dos prédios são encontrados cadáveres, o último no dia 15 de abril, e continuamente há incêndios e operações policiais.

“Vivo aqui porque não há outro lugar. No albergue fico agoniado, há muita gente”, contou à IPS um guatemalteco de 33 anos chamado Josué, que foi deportado no dia 1º de agosto de 2013 e só tem uma coisa em mente: regressar aos Estados Unidos. Já tentou por Nogales, no Estado de Sonora, mas não pôde passar. Disseram a ele que por aqui é mais fácil e só espera que “passe o calor” para tentar novamente. “Cheguei à Califórnia aos dez anos, na Guatemala já não tenho mais nada”, afirmou.

Outro estudo do Colef sobre a caracterização das pessoas deportadas, que só faz referência às mexicanas, alerta sobre seu estado de saúde. “Existe uma alarmante diferença de sintomas emocionais entre os deportados, quase 20 vezes mais do que os apresentados pelos que regressam voluntariamente”, diz o estudo, baseado em pesquisas sobre a saúde dos deportados feitas por Letza Bojórquez, pesquisadora do Departamento de Estudos sobre População, do Colef.

Com dados da Pesquisa sobre Migração da Fronteira Norte, o estudo detectou que 40% da população migrante que sobrevive na rua apresenta problemas emocionais e 12% responde afirmativamente ao serem perguntados se alguma vez pensaram em se suicidar. Além disso, nos últimos cinco anos aumentou a separação familiar em consequência das deportações. Um dado dimensiona o fenômeno: enquanto em 2007 apenas 20% dos repatriados foram deportados sem seus familiares, em 2012 esta porcentagem subiu para 77%.

“O problema aqui é que não há nenhuma política de atenção aos deportados. Começaram a chegar centenas de deportados e não havia nenhuma instituição preparada para recebê-los”, explicou à IPS o ativista Sergio Tamai, diretor do Albergue Hotel Migrante, em Mexicali, e líder da organização Anjos Sem Fronteiras.

Entre agosto e novembro de 2013, Tamai encabeçou uma campanha de 800 pessoas na Praça Constituição, em Tijuana, para exigir programas de atenção aos migrantes, deportados e em situação de rua. O trabalho das organizações da sociedade civil e de grupos religiosos para pressionar as autoridades deu alguns frutos.

No dia 7 de agosto, o Congresso da Baixa Califórnia aprovou a Lei para a Proteção dos Direitos e Apoio aos Migrantes do Estado, que estabelece a obrigação do Sistema Estatal para o Desenvolvimento Integral da Família de proporcionar assistência social a menores e adolescentes migrantes não acompanhados, bem como a criação do Registro Estatal de Migrantes.

É o primeiro Estado a fazer isso, depois que em 2011 o Congresso mexicano aprovou a criação de uma nova Lei de Migração, que substituiu a de 1947 e que ampara juridicamente as pessoas em trânsito pelo México. Envolverde/IPS