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Mau uso de medicamentos contra mortes maternas

Em 2011, 300 mil mulheres, quase todas em países pobres, morreram por complicações na gravidez e no parto. Foto: Patrick Burnett/IPS

 

Washington, Estados Unidos, 31/10/20121 – Na maioria dos países em desenvolvimento, onde uma mulher dá à luz é um fator que ainda determina se viverá ou morrerá, apesar da disponibilidade de medicamentos novos, baratos e eficazes. A maioria dos casos das mulheres que morrem por complicações no parto em países pobres ocorre simplesmente porque se ignora que necessitam de medicamentos, segundo a Path, uma organização internacional sem fins lucrativos centrada na saúde mundial.

“Sabemos que os remédios para a saúde materna são seguros, efetivos e essenciais para manter sãs as mulheres durante a gravidez e o parto. Também sabemos que, com frequência, estes medicamentos não chegam às mulheres nem a centros comunitários de saúde”, disse à IPS a autora principal de um novo informe da Path, Kristy Kane. “O que não sabemos é o número exato de mulheres para as quais não estão disponíveis esses remédios essenciais, isto é, mulheres com uma necessidade não atendida”, acrescentou.

Esta falta de dados leva a uma escassez de financiamento potencialmente significativa. Simplesmente se desconhece quanto dinheiro é gasto pelos países afetados e, portanto, quanto mais se precisa. “É muito difícil fazer campanha para que haja mais contribuições quando quase não se tem dados sobre quanto, quando, onde, o quão corretamente são usados esses remédios e segundo quais padrões”, disse Kane.

No ano passado, 300 mil mulheres, quase todas de países em desenvolvimento, morreram por complicações relacionadas com a gravidez e o parto. As causas mais comuns são as hemorragias pós-parto, a pré-eclampsia, e a hipertensão durante a gestação. As complicações no parto quase não existem no mundo industrializado devido a remédios efetivos e a centros de saúde de alta qualidade. Porém, como estas clínicas raramente estão disponíveis em muitos países em desenvolvimento, foram implementados outros meios médicos para abordar esta necessidade.

Durante anos, a oxitocina e o sulfato de magnésio foram usados como substâncias principais para tratar as complicações. Mas, ambos requerem temperaturas específicas para seu armazenamento, bem como profissionais formados para administrá-los, o que os torna inacessíveis e mesmo, às vezes, contraproducentes. Também existe a possibilidade de ninguém presente na hora do parto ter sido capacitado sobre como tratar corretamente a mãe.

O misoprostol, comumente usado para tratar úlceras estomacais, foi apresentado nos últimos tempos como uma solução. Tem o potencial de chegar às mulheres cujas necessidades atualmente não são atendidas devido à falta de capacidade de armazenamento ou de profissionais médicos formados. “O misoprostol demonstrou ser efetivo e seguro, sua temperatura é estável e não é preciso nenhum treinamento especial”, disse à IPS o diretor de comunicações e desenvolvimento da Family Care International, Adam Deixel.

“Isto significa que pode ser usado quando as mulheres dão à luz em suas casas ou em centros rurais de saúde, ou em lugares em que não é confiável a eletricidade com fins de armazenamento”, explicou Deixel. Este medicamento é distribuído em forma de comprimido na dose correta necessária quando está para ocorrer uma hemorragia pós-parto.

“Nos próximos anos poderão ser salvas seis milhões de vidas com estes novos produtos”, disse Jagdish Upadhyay, do Fundo de População das Nações Unidas. “Conhecemos o problema e a solução; só precisamos trabalhar mais arduamente”, afirmou à IPS. Entretanto, o misoprostol também é responsável por muitas complicações. Embora haja instruções na bula que acompanha o medicamento, nem sempre estão escritas nos idiomas locais e supõem que a usuária saiba ler.

Como ocorre com qualquer remédio novo, a comunidade médica é reticente em generalizar seu uso sem uma vigilância adequada. Também preocupa que as mulheres vejam estes comprimidos como uma solução para salvar vidas em casa e não busquem cuidados médicos apropriados para as complicações em seus partos.

“A solução clara de longo prazo é que todas as mulheres tenham acesso a melhores cuidados, a pessoal médico capacitado e a centros de alta qualidade. Mas, não podemos simplesmente destroçar as vidas dessas mulheres porque, justo agora, esses centros não estão ali. Esta é uma opção que pode salvar vidas agora mesmo”, destacou Deixel. O misoprostol é facilmente manufaturado, e países em desenvolvimento, como Gana, possuem empresas que o fabricam localmente. Isto o torna barato de transportar e vender. No entanto, frequentemente seus padrões não cumprem as regulamentações internacionais.

“Estes remédios são baratos, mas costumam ser de má qualidade”, afirmou Kennedy Chibwe, da Convenção de Farmacopeias dos Estados Unidos, a jornalistas reunidos na semana passada em Washington. “Precisamos de produtos de qualidade e manter o mesmo padrão para países ricos e pobres. Simplesmente não há desculpas para morrer por culpa de medicamentos de má qualidade”, ressaltou.

Há esperanças de que estes remédios logo cheguem a todas que necessitam. “Vimos os incríveis êxitos aos quais se pode chegar quando há apoio público e vontade política para salvar vidas como as de milhões de pessoas que recebem medicamentos em consequência do ativismo contra o HIV/aids”, observou Kane à IPS. “Não vemos a mesma quantidade de indignação e mobilização pela morte materna”, acrescentou. Envolverde/IPS