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Marginalizados de Camarões querem ser ouvidos

Agricultoras da aldeia de Nshi-o-doh in Ndu, na Região do Noroeste, em Camarões. Foto: Monde Kingsley Nfor/IPS
Agricultoras da aldeia de Nshi-o-doh in Ndu, na Região do Noroeste, em Camarões. Foto: Monde Kingsley Nfor/IPS

 

Iaundé, Camarões, 10/12/2013 – Lydia Njang, viúva e mãe de cinco filhos na Região do Noroeste de Camarões, perdeu seus cultivos em três ocasiões. A primeira, quando seu marido morreu e os parentes dele herdaram a propriedade. Eles cederam outra parcela para que Njang pudesse trabalhar, mas teve que abandoná-la quando seu cunhado se casou. Finalmente, permitiram que ela cultivasse uma terceira porção de terra, que perdeu quando decidiram vendê-la.

“Fiquei com um terreno muito pequeno, de 150 metros quadrados, onde só posso plantar milho. Mas isto não é suficiente para alimentar minha família. Antes tinha fazendas em lugares muito férteis e costumava vender os excedentes das minhas colheitas, mas já não tenho direito de cultivar aqui”, contou Njang à IPS.

Mary Fosi, da Fundação Myrianthus Fosi, organização não governamental dedicada a promover o desenvolvimento sustentável em Camarões, disse à IPS que a experiência de Njang é comum nesse país da África ocidental. “Os ricos compram grandes áreas para investir, deixando os membros das comunidades pobres, em especial as mulheres, sem nada para plantar e lutando pelas pequenas parcelas de terras remanescentes”, explicou Fosi.

Embora a economia camaronesa registre crescimento de 4,9%, é claro que o ganho não é distribuído de forma equitativa. O estudo Perspectivas Econômicas da África mostra que, apesar de Camarões contar com uma grande riqueza natural, “a renda obtida com a exploração dos recursos, e do petróleo em particular, não são canalizados de modo suficiente em investimentos estruturais na infraestrutura e nos setores produtivos”.

Dos 20 milhões de pessoas que se estima vivem em Camarões, 8,1 milhões vivem em áreas rurais, das quais apenas 14% possuem eletricidade. Isso é significativamente menos do que nas áreas urbanas, onde, segundo o Banco Mundial, entre 65% e 88% da população conta com energia elétrica.

Para que os pobres se beneficiem do crescimento econômico, é necessário que participem da tomada de decisões que os afetam, disse à IPS o subdiretor do Departamento de Engenharia Rural e Melhoramento do Entorno Agrário de Camarões, Celestin Ondoa. “No passado, os principais atores, como as mulheres vulneráveis, os jovens, os indígenas e outros grupos marginalizados, foram excluídos da formulação e do planejamento dos esforços de desenvolvimento”, afirmou.

Ondoa acrescentou que “as comunidades em Camarões carecem de acesso a serviços básicos e estão marginalizadas das oportunidades sociais e econômicas. Essas populações têm que lidar com conflitos agrários, má infraestrutura, corrupção e monopolização de terras, o que é agravado pela degradação ambiental”.

Segundo Princely Njong, um dos organizadores das Audiências Públicas sobre Igualdade e Sustentabilidade, realizadas em comunidades locais, os camaroneses desejam que seja incluída uma reforma agrária em uma política de redução da pobreza. Essas audiências são parte de um projeto da Iniciativa para a Igualdade, organização internacional de pesquisa e difusão, que abre vias para que os mais pobres e excluídos se expressem e possam influenciar o diálogo mundial sobre desenvolvimento sustentável.

“As comunidades locais querem que o desenvolvimento receba apoio concreto, com a criação de postos de saúde, ruas, escolas e acesso a terras, renda agrícola e mercados”, detalhou Njong à IPS.

Atualmente, o sistema de posse de terras em Camarões dificulta que os cidadãos possam obter títulos de propriedade, pois isso implica um caro e longo processo administrativo que só os mais endinheirados podem pagar. Segundo a Lei de Terras de 1974, todos os terrenos não registrados do país são de propriedade do Estado. Isso também inclui aqueles que são cultivados ou ocupados historicamente por comunidades.

Em Camarões, “apenas cerca de 3% das áreas rurais estão registradas, em sua maioria em nome de proprietários de grandes fazendas comerciais”, segundo a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid). Camarões também sofre o problema da monopolização de terras. Centenas de milhares de hectares foram arrebatados das comunidades.

No sul do país, o governo arrendou grande parte dos terrenos florestais, cerca de 47 mil hectares, à companhia internacional United Forest Cameroon. Em 2012, aceitou devolver 14 mil hectares às comunidades locais. No Parque Nacional Korup, sudoeste do país, uma empresa agrícola com sede em Nova York, a Herakles Farms, pretende iniciar plantação de palma para produção de óleo em 73 mil hectares. E na Região do Noroeste a comunidade indígena mbororo acusa o milionário Alhadji Baba Ahmadou Danpullo de ter roubado suas terras. Os mbororos são tradicionalmente pastores nômades.

No entanto, Deborah Rogers, coordenadora global das Audiências Públicas sobre Igualdade e Sustentabilidade, ressaltou à IPS que “encontraram uma forma de levar os mais pobres e marginalizados diretamente aos debates regionais e mundiais. Isto não é uma pesquisa, mas um esforço para empoderar as pessoas, para que tenham uma voz direta e coletiva, que é muito mais forte do que a de indivíduos isolados ou do que os pensamentos dos grupos da sociedade civil”.

Na pequena aldeia de Nshi-o-doh in Ndu, na Região do Noroeste, Irene Kimbi sabe muito bem o que poderia mudar sua vida: a criação de uma cooperativa agrária. As 1.500 pessoas que vivem ali cultivam feijão, milho e batata. “Isso nos ajudaria a enfrentar as dificuldades de cultivo e de mercado, bem como a reduzir a pobreza em nossa comunidade”, disse à IPS. Envolverde/IPS