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Mãos palestinas cultivam para Israel no Vale do Jordão

Ayman e-Deis, perto de sua casa demolida. Foto: Pierre Klochendler/IPS
Ayman e-Deis, perto de sua casa demolida. Foto: Pierre Klochendler/IPS

 

Vale do Jordão, Cisjordânia, 15/1/2014 – O colono judeu Gadi Blumenfeld distribui facões para 15 trabalhadores palestinos no Vale do Jordão e lhes ensina a tirar as espinhas das folhas das palmeiras. “Talvez me ataquem pelas costas, mas graças à agricultura mantemos a área livre de terroristas”, afirmou. O destino desta árida faixa de terra, lar de 56 mil palestinos e sete mil colonos judeus, é tão incerto quanto a chuva.

Segundo o rascunho de um acordo elaborado pelos Estados Unidos para a “solução dos dois Estados”, se poria fim à construção de colônias judias na área. Mas, em troca, a presença militar israelense se estenderia por mais dez anos, dependendo da capacidade do futuro Estado palestino de proteger a si mesmo e de garantir a segurança de Israel.

Enquanto isso, Blumenfeld está orgulhoso de suas tâmaras. “São fruto de nossos cérebros e nossas mãos”, disse, se referindo, obviamente, às mentes israelenses e às mãos palestinas. Em 2013, foram produzidas 400 toneladas de tâmara Medjoul de cinco mil árvores, que plantou em 400 mil metros quadrados desde que se instalou na colônia de Patsa’el, há quatro décadas. “Fizemos florescer o deserto, um milagre”, ressaltou.

Como Blumenfeld, o proprietário de terras palestino Ameen al Masri, cujas plantações estão a poucos quilômetros de distância, está orgulhoso de suas tâmaras. “São a mãe de todas as tâmaras do vale”, afirmou. Sua propriedade, garantiu, “é a área de cultivos comerciais fora de temporada mais fértil da Palestina”. Al Masri possui a mesma extensão de terra arável que Blumenfeld. Contudo, “por esse paraíso na Terra, temos que pagar um alto preço. Os assentamentos e as bases militares controlam nossa terra”, lamentou.

Depois que Israel assumiu o controle do Vale do Jordão na Guerra dos Seis Dias, em 1967, grandes extensões de terras foram expropriadas de agricultores palestinos e destinadas à construção de colônias judias e à instalação de acampamentos militares. O Vale do Jordão, um segmento do Grande Vale do Rift, inclui 28,3% de terra da Cisjordânia, e é o maior território palestino sob completa ocupação e administração israelense, classificado como Área C desde a década de 1990. Só as zonas edificadas, que são 13% do Vale, estão sob controle palestino, conhecidas como Área A.

Israel administra todas as passagens entre esse território e a Cisjordânia, bem como as passagens de fronteira através do rio Jordão, a fronteira internacional entre Cisjordânia e Jordânia. A ponte de Allenby é a única passagem aberta aos palestinos cisjordanos.

“O Vale do Jordão é uma área de amortização estratégica entre o Estado palestino e a Jordânia. Deve ficar sob soberania israelense porque impede que os jihadistas (combatentes islâmicos), a Al Qaeda e os salafistas (integristas) entrem em Israel”, afirmou David el Haiiani, chefe do Conselho Regional do Vale do Jordão, onde estão representados 12 assentamentos judeus.

Em 29 de dezembro, dias antes de o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, visitar a região para promover seu acordo, o governo israelense apresentou um projeto de lei que se for aprovado pelo Knesset (parlamento unicameral), anexará as colônias judias do vale do Jordão e criará estradas para ligá-las com Israel.

Os palestinos rechaçam qualquer presença israelense, militar ou civil, no vale. “Se for acertada uma presença militar de dez anos aqui, (o primeiro-ministro israelense) Benjamin Netanyahu encontrará no nono ano uma desculpa para prolongá-la por outros 10”, afirmou Masri.

Blumenfeld também tem uma plantação em uma zona militar fechada, situada entre uma cerca eletrônica e o rio Jordão. “Os trabalhadores palestinos não têm autorização para entrar”, contou. Embora Israel tenha assinado um tratado de paz com a Jordânia em 1994, a cerca está rodeada por minas terrestres. No final da década de 1960, o terreno era considerado por Israel um reduto da resistência diante das guerrilhas palestinas. Agora a zona está habitada por lobos e javalis, e repleta de guaritas militares, postos avançados e trincheiras abandonadas.

“Não viemos aqui por razões ideológicas, mas para cultivar e garantir a área. Somos agricultores, não políticos”, ressaltou Blumenfeld. “Sou um homem pacífico, um agricultor”, disse por sua vez, Masri. “Mas os agricultores também lutam por sua terra”, acrescentou. Muitos dos palestinos que vivem aqui são pastores seminômades ou camponeses. A maioria é muito pobre e não tem terra própria.

“Se não trabalhar para os colonos, não há trabalho”, explicou um palestino que colhe pimenta verde em Patsa’el. Cerca de seis mil palestinos trabalham nos assentamentos judeus. O pastor Ayman eDeis não tem casa. Sua casinha e a cerca onde tinha suas ovelhas foram demolidas em duas ocasiões, bem antes do inverno boreal. “As autoridades israelenses não vão dar uma autorização em toda sua vida”, lamentou, parado ao lado dos escombros de sua antiga moradia.

Israel se justifica dizendo que não emite mais permissões porque considera o Vale uma zona sensível para sua segurança. Na área militar fechada se constrói uma reserva de água destinada a aumentar a capacidade de irrigação de quatro tanques e 12 poços artesianos israelenses. Os colonos obtêm água potável do fundo do aquífero da Cisjordânia, do rio Jordão e das cheias repentinas.

Mas os agricultores palestinos devem espera a chuva, e só podem utilizar o manancial de Ein Shibli e quatro poços artesianos autorizados. Podem cavar só até 400 metros na parte pouco profunda do aquífero, onde a água é salina.

Mas em 2013 os colonos produziram 11 mil toneladas de tâmaras, a maioria destinada à exportação. E os palestinos só puderam produzir duas mil toneladas, em sua maior parte para os mercados locais e israelenses. “O maior negócio do mundo hoje é a ocupação”, opinou Masri com ironia.

Um documento do Banco Mundial estima que se os palestinos pudessem explorar os minerais do Mar Morto no sul do Vale do Jordão, sua economia cresceria para mais de US$ 918 milhões ao ano. Um acesso maior a terras e água acrescentaria outros US$ 704 milhões anuais à economia. O Vale do Jordão se converteria no celeiro da Palestina.

“Não quero um Estado no papel, onde Israel controle nossos recursos e nossas fronteiras”, afirmou Mahmoud Daraghmeh, engenheiro palestino desempregado que cultiva feijão amarelo em sua terra familiar. Isto não é liberdade. Isto não é um Estado”, afirmou.

Enquanto isso, Blumenfeld observa os melros que sobrevoam a fronteira com liberdade. “Este Vale me encanta”, afirmou. “Mas para conseguir um verdadeiro acordo de paz que o mundo inteiro garanta, para acabar com o terrorismo, porque no passado os terroristas tomaram o controle dos territórios dos quais Israel se retirou, para pôr fim ao conflito, estou disposto a pagar o preço”, acrescentou. Envolverde/IPS