Arquivo

Lixo radioativo, não, obrigado

Kuantan, Malásia, 20/4/2011 – Prosseguem os protestos contra uma companhia de mineração australiana que constroi a maior planta de processamento de minerais com subprodutos radioativos, perto da localidade de Kuantan, centro da Malásia. A empresa Lynas enviará minerais de “terras raras” de sua mina em Port Weld, no oeste da Austrália, para sua unidade de processamento em Gebeng, um porto pesqueiro fora desta cidade malaia, 250 quilômetros ao Norte de Kuala Lumpur. “Terras raras” são minerais que contêm elementos do bloco F da tabela periódica e que até há pouco tempo eram raramente utilizados devido à dificuldade de separá-los.

Os manifestantes afirmam que a unidade produzirá grande quantidade de lixo tóxico, como o tório radioativo, que representa perigo para eles e as futuras gerações. Contudo, a Lynas e o governo da Malásia dizem que o conteúdo de tório dos dejetos será baixo, totalmente manejável e que não representará nenhum problema para a saúde porque será utilizada alta tecnologia e equipamentos de última geração para controle de emissões radioativas.

A companhia informou que armazenará os dejetos em “contêineres fortes e seguros” em uma área pouco menor que 4,8 hectares perto da unidade até que se encontre uma solução permanente. A legisladora desta cidade, Fuziah Salleh, que lidera o protesto, se nega a apoiar o armazenamento de dejetos em seu distrito ou em qualquer outro lugar deste país. “A Malásia não deve ser um lixão de dejetos radioativos. Queremos que a Austrália os leve embora”, afirmou.

Os temores sobre a radiação são infundados porque o óxido de Port Weld costuma ter baixo conteúdo de tório, diz um comunicado divulgado por Matthew James, diretor de comunicações da mineradora. “A matéria-prima é segura, não é tóxica, nem perigosa”, ressaltou. Mas Salleh questiona essa declaração: “o conteúdo de tório é alto”, assegurou, o que foi confirmado por funcionários australianos, ressaltou.

Os minerais de “terras raras” são usados em equipamentos de precisão como notebooks, televisores de tela plana, telefones celulares e mísseis. A demanda aumentou desde que a China, que controla 95% da produção, impôs, em junho de 2010, controles à exportação para conservar recursos e abastecer o mercado interno. A Lynas prevê iniciar a produção em Gebeng em setembro, após receber a última autorização governamental. A companhia espera exportar minerais raros no valor de US$ 91,3 bilhões ao ano, a partir de 2012.

A Malásia já teve uma unidade de “terras raras”, há 30 anos, no Estado de Perak, o que agrava o protesto contra a Lynas. A unidade localizada em Bukit Merah teve de fechar as portas após ocorrer um aumento de problemas congênitos e de leucemia entre recém-nascidos da área. Ainda se está limpando o tório de Bukit Merah, armazenado em barris debaixo da terra, em poços pouco profundos, o que prova os perigos do mineral no longo prazo. “A Lynas pode vir e partir, mas nós teremos que lidar com os dejetos durante muitas e muitas décadas”, disse Salleh.

Entretanto, a companhia alega que o conteúdo de tório da matéria-prima que usará é 50 vezes inferior à empregada em Bukit Merah. “Isso se deve à geologia única da mina Mount Weld”, disse James. O governo e dirigentes da Lynas tentam dissipar os temores da população, com vários encontros realizados em março e este mês para explicar e esclarecer a atividade da empresa. A população local, pescadores, agricultores, pequenos empresários, professores e funcionários, diz que está aberta aos testemunhos de especialistas sobre a segurança da unidade, mas insiste que a companhia deve levar do país o dejeto de tório.

“Os dejetos não devem ser armazenados aqui e nem em outro lugar da Malásia”, disse o pescador Yusuf Ahmad. “Por que não processam o mineral na Austrália e Armazenam lá os dejetos?”, perguntou, utilizando o argumento generalizado aqui, de que a Lynbas se instala em Gebeng porque não conseguiu obter todas as licenças de produção em seu país. “Queremos trabalho e progresso, mas não queremos lixo nuclear. Veja o que acontece no Japão”, acrescentou Yusuf, se referindo ao desastre atômico ocorrido nesse país após o terremoto e o tsunami de 11 de março.

Provavelmente, a Lynas se mudou para Kuantan devido às severas leis ambientais da Austrália e à pressão do influente Partido Verde, dois fatores dos quais a Malásia está livre, disse Salleh. Mas a empresa afirma que a unidade, cuja construção ficou em US$ 220 milhões, obteve todas as permissões para operar na Austrália e que se mudou para Kuantan a fim de aproveitar as boas condições do porto, a força de trabalho e a abundância de água, entre outros recursos.

O governo está desejoso de que a companhia inicie suas operações porque precisa de investimentos estrangeiros e promover novas indústrias que utilizem os minerais de “terras raras” que a empresa produzirá. A crescente oposição da população é uma grande dor de cabeça para o governo que se esforça para ganhar apoio. Também existe o medo de que a unidade de Gebeng tenha consequências negativas sobre o turismo, consolidado na costa oriental da Malásia, que abriga algumas das paisagens mais belas do país.

“A renda com turismo sofrerá um golpe quando se souber que uma usina que deixará dejeto de tório funciona perto do litoral”, disse Vincente Lau, que vive a 30 quilômetros da área. A população local não está convencida “do manejo seguro” do tório. Os protestos continuarão até ser encontrada uma solução permanente para o lixo tóxico. Envolverde/IPS