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Livre comércio com destino incerto

Windhoek, Namíbia, 5/9/2011 – Durante o último ano e meio, a área tripartite de livre comércio dominou a agenda econômica da África austral e oriental, mas não se sabe se impulsionará a integração regional ou aprofundará as desigualdades existentes entre seus Estados-membros. A área tripartite, que conectará as Comunidades Econômicas Regionais da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), o Mercado Comum da África Oriental e Austral (Comesa) e a Comunidade Africana Oriental (EAC), abarcará 26 países com cerca de 578 milhões de consumidores e um produto interno bruto combinado de US$ 853 bilhões.

As negociações começaram em junho na África do  Sul, e os dirigentes querem que a primeira fase do livre mercado entre a Cidade do Cabo e Cairo se torne realidade em um prazo de 36 meses. Esta fase se refere ao comércio de bens e se centra na liberalização de taxas alfandegárias, no desenvolvimento de infraestrutura, nas barreiras não alfandegárias, no movimento do empresariado e nas normas de origem.

“Provavelmente, o calendário seja pouco realista, em vista de o mandato negociador estar guiado pelos Estados-membros das diferentes Comunidades Econômicas Regionais”, alertou Ndiitah Robiati, do Fórum de Comércio Agrícola, em Windhoek. Referia-se ao lento avanço em matéria de integração econômica na SADC e na Comesa, cujos Estados-membros não implantaram acordos sobre liberalização alfandegária.

Oficialmente, o acordo tripartite de livre comércio é a panaceia para sobrepor membros de diferentes Comunidades Econômicas Regionais, e um passo importante na implantação do Tratado de Abuja (1991), que exige uma união monetária africana até 2023. Contudo, um bloco monetário único, ou mesmo uma união aduaneira, pode ser a última coisa que a África do Sul tenha em mente, pois está firmemente determinada a concretizar o acordo tripartite de livre comércio.

“A África do Sul tem a base industrial, mas enfrenta o problema de fazer seus habitantes e produtos ingressarem no continente, especialmente nos grandes mercados da África oriental”, disse Paul Kruger, pesquisador do Centro de Direito Comercial para a África Austral (Tralac). Vários economistas destacam que grandes países como África do Sul e Egito serão os mais beneficiados por esse acordo.

“No curto prazo, a maioria dos países não se beneficiará com um aumento do comércio entre os Estados-membros, conclui nossa pesquisa. Os atores dominantes se beneficiarão porque estão mais bem posicionados”, afirmou Taku Fundira, do Tralac. “Na África austral somente se beneficiarão África do Sul e Moçambique. No caso sul-africano, isto se deve ao avançado estado de sua economia e à sua base industrial, que lhe dá uma margem sobre outros países. Moçambique ainda está crescendo e implantando as políticas corretas para atrair investimentos. Os dois países se beneficiarão da liberalização dos setores agrícolas, já que são grandes produtores de açúcar”, acrescentou Fundira.

Porém, os especialistas em comércio alertam que o torpe processo de integração econômica na SADC, com uma união aduaneira cuja concretização demora e países que não implantam as disposições de um acordo de livre comércio de 2008, gera dúvidas sobre a área tripartite. “Sem dúvida, há desafios. Os problemas menores que se manifestam nas Comunidades Econômicas Regionais podem se multiplicar na área tripartite de livre comércio. No entanto, os Estados também aprenderam com base na experiência. As normas de origem, por exemplo, não deveriam ser um obstáculo mas um facilitador do comércio”, destacou Fundira.

As normas de origem são uma maneira de proteger produtos e setores industriais. Os países as usam para excluir terceiras partes de acordos preferenciais de comércio. Um exemplo seria impedir que um produto chinês reembalado na África do Sul entrasse na União Europeia no contexto do Acordo de Comércio, Desenvolvimento e Cooperação desse bloco. De maneira semelhante, segundo Fundira, os países que listam alguns produtos como delicados não deveriam ser obstáculo ao processo.

“A definição de delicado atualmente é bastante ampla. Como a maioria dos países da região produz as mesmas coisas, listar algumas poucas linhas alfandegárias como delicadas restringe imediatamente o comércio. E, assim, o processo perde todo o sentido. Nas negociações pela área tripartite, este tema é abordado com maior cautela”, afirmou o especialista.

Ainda não está claro como se conciliarão as ambições da área tripartite com as das Comunidades Econômicas Regionais. EAC e Comesa são uniões aduaneiras, enquanto a SADC anunciou, há duas semanas, que ainda pretende criar uma união aduaneira e monetária. “Será interessante ver como converge a união aduaneira da SADC com a área tripartite de livre comércio”, afirmou Kruger. “A situação atual na Comesa, que tem uma união aduaneira sem tarifa alfandegária externa comum, indica que será impossível a SADC concretizar sua ambição de uma união aduaneira”, acrescentou.

Isto pode ser bom para a África do Sul, já que lhe dá dor de cabeça o fato de pertencer à União Aduaneira da África Austral (Sacu), por meio da qual o governo sul-africano aporta fundos para outros quatro países-membros. Esse dinheiro desaparece nos orçamentos desses países, em lugar de ser gasto em infraestrutura que permita à África do Sul ampliar seus mercados. Os esforços sul-africanos estão sofrendo uma virada, passando de uma integração econômica mais profunda para uma liberalização dos mercados, disse Robiati. “Do ponto de vista técnico, provavelmente poderia prescindir de entidades como a Sacu”, ponderou.

O que alguns analistas descrevem como um novo imperialismo sul-africano é apontado por outros como uma alternativa mais realista aos ideais de unidade econômica perseguidos até agora. “A África do Sul não se permitiu ficar atrasada pelas barreiras comerciais. As empresas sul-africanas assumiram riscos e disso resultou sua recompensa”, ressaltou Robiati. Em resumo, a África do Sul tem uma visão econômica. “Fora da África do Sul não são implantadas políticas industriais. Como podem os países assinar acordos comerciais quando essencialmente não sabem o que querem?”, questionou Robiati. Envolverde/IPS