Arquivo

Lei boliviana da Mãe Terra é difícil de implantar

O rio Rocha, que cruza a cidade boliviana de Cochabamba, parece um manancial quando as chuvas enchem seu leito, mas a temporada seca expõe sua grande contaminação. Foto: Franz Chávez/IPS
O rio Rocha, que cruza a cidade boliviana de Cochabamba, parece um manancial quando as chuvas enchem seu leito, mas a temporada seca expõe sua grande contaminação. Foto: Franz Chávez/IPS

 

La Paz, Bolívia, 20/5/2014 – A defesa da Mãe Terra, que o Estado plurinacional da Bolívia formalizou em uma lei específica há um ano e meio, ainda não passou das boas intenções às ações. A Lei Marco da Mãe Terra e Desenvolvimento Integral para Viver Bem, sancionada em 15 de outubro de 2012, estabelece princípios para modificar os modelos clássicos de desenvolvimento por um “integral em harmonia e equilíbrio” com a natureza, “recuperando e fortalecendo os conhecimentos locais e ancestrais”.

A lei condena a mercantilização das funções ambientais da Mãe Terra, as quais considera “dons” naturais, e obriga a prevenir e evitar danos ao ambiente, à biodiversidade, à saúde humana e aos valores culturais intangíveis. O capítulo IV estabelece um contexto institucional sobre mudança climática, que se baseia na Autoridade Plurinacional da Mãe Terra.

O diretor dessa Autoridade, Benecio Quispe, foi nomeado em 18 de fevereiro e ainda está em processo de montar sua equipe e instalar a sede. A primeira atividade externa desse órgão foi a convocação de um Primeiro Painel Nacional sobre Políticas de Mudança Climática, orientado a organizações sociais, acadêmicas, públicas e privadas, e a integrantes dos três níveis de governo – central, departamental e municipal. O objetivo do painel de dois dias, encerrado no dia 17, foi ajudar a conceber as políticas de mudança climática com participação de toda a comunidade.

A partir da lei marco e de sua regulamentação se poderá estabelecer o controle via satélite das regiões expostas ao desmatamento e à queima de florestas, detalhou à IPS o deputado David Cortés, do governante Movimento ao Socialismo (MAS) e integrante da Organização Global de Legisladores para o Equilíbrio Ambiental (Globe International).

O maior estudo já feito sobre a legislação ambiental, publicado pela Globe International e pelo Instituto Grantham de Pesquisa sobre Mudança Climática e Ambiente da London School of Economics, elogia a Lei Marco da Mãe Terra por seus alcances, mas alerta que “carece de objetivos quantificáveis que permitam medir sua implantação”.

O disposto pela lei avança lentamente e com dificuldade “porque os modos de produção e a política neoliberal” estão enraizados nos “empresários”, que se caracterizam por “explorar” os recursos naturais sem nenhum cuidado, disse à IPS o advogado e assessor da Câmara de Deputados, Víctor Quispe, sem parentesco com o diretor da Autoridade. Desde sua promulgação aumentou a consciência ambiental, assegurou Cortés, destacando os esforços das autoridades para criar hábitos de cuidado com a água.

Segundo dados oficiais, a cobertura de água potável atinge 78,9% do território. Dois milhões de habitantes, dos 10,5 milhões que tem o país, carecem desse bem essencial e pouco menos de quatro milhões não têm saneamento, disse no ano passado o ministro do Ambiente, José Zamora.

Enquanto essa lei exige muitas novas legislações que tornem aplicáveis seus princípios, outras iniciativas buscam soluções para problemas concretos como a água. Este foi um tema central da apresentação que Cortés fez na última reunião da Globe International, realizada nos dias 27 e 28 de fevereiro em Washington, na sede do Senado dos Estados Unidos. Na Bolívia, a mudança climática incide no derretimento de geleiras, que diminuem a provisão de água para as cidades na temporada seca, enquanto intensifica as chuvas e inundações nos meses de dezembro e janeiro, destacou Cortés.

Para preservar os recursos hídricos, o governo deu início em 2011 ao Programa Minha Água, destinado a abastecer o consumo humano e a irrigação e ajudar a garantir a soberania alimentar, reduzir a pobreza e melhorar a produtividade agrícola. Esse programa já beneficia 2.937 projetos em 98% dos 327 municípios bolivianos e tem investimento de US$ 118 milhões, informou à IPS uma fonte do Fundo Produtivo e Social, que executa a iniciativa.

Essas iniciativas dão resposta à demanda de água para consumo e irrigação, em áreas urbanas mediante sistemas de distribuição domiciliar, e nas zonas rurais com captação nas fontes e construção de minirrepresas. Mas, em Cochabamba, o rio Rocha, que cruza a cidade, se converteu em desafio para as autoridades que tentam eliminar a contaminação que deixam em suas águas cerca de 50 indústrias.

Quando as chuvas são abundantes, o Rocha se assemelha a um manancial claro, rodeado por árvores, mas na época seca se converte em uma fonte de contaminação pela abundância de nitratos e sulfatos que superam os limites permitidos, segundo a Direção de Proteção da Mãe Terra da Prefeitura de Cochabamba. Para resolver isso está sendo aplicado “um plano integral de manejo de bacias que começa nas nascentes” desse rio que percorre zonas rurais e urbanas, afirmou à IPS o diretor desse departamento, Germán Parrilla.

As tarefas incluem a retirada de resíduos sólidos jogados na água pela população, remoção de escombros com os quais alguns moradores encheram a bacia para ganhar espaços do rio e sanções para quem contaminar, segundo as 44 recomendações emitidas em 2011 pela Controladoria Geral, destacou Parrilla.

O advogado Quispe tenta conseguir que o parlamento aprove uma lei para reflorestar regiões de mineração do departamento de Potosí, para melhorar a qualidade do ar em locais onde ficaram abandonados a céu aberto resíduos da exploração de estanho, zinco e tungstênio. Mas o principal objetivo do assessor parlamentar é contribuir para limpar o rio Pilcomayo, que nasce em Potosí e percorre de norte a sul os municípios de Chuquisaca e Tarija e se adentra em seguida nos territórios dos países vizinhos Argentina e Paraguai.

Desde sua origem, o Pilcomayo arrasta restos minerais jogados por empresas que exploram jazidas próximas ao leito do rio e que matam as riquezas da piscicultura águas abaixo . “É um assunto de vida ou morte”, ressaltou o advogado, que espera que a Comissão de Desenvolvimento Econômico aprove seu projeto. A iniciativa prevê criar uma comunidade de municípios que se ocupe de um estudo de impacto ambiental, assuma medidas preventivas e realize a limpeza do rio com apoio financeiro das administrações de Potosí, Chuquisaca e Tarija. Envolverde/IPS