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Jovens latino-americanos, o elo na espiral de pobreza

Os irmãos Ángel e Guadalupe Villalobos trabalham nas proximidades da Universidade da Costa Rica, em São José, ele como barbeiro em um salão e ela distribuindo frutas comercializadas por uma microempresa que ambos abriram. Foto: Diego Arguedas Ortiz/IPS
Os irmãos Ángel e Guadalupe Villalobos trabalham nas proximidades da Universidade da Costa Rica, em São José, ele como barbeiro em um salão e ela distribuindo frutas comercializadas por uma microempresa que ambos abriram. Foto: Diego Arguedas Ortiz/IPS

 

Santiago, Chile, 11/7/2012 – Na América Latina, a juventude é o elo principal da transmissão da pobreza de uma geração para outra. Por isso, organismos, acadêmicos e os próprios jovens consideram que é imperativo melhorar a dinâmica que vincula a educação de hoje com o trabalho de amanhã.

“A juventude regional de hoje é um sujeito em si mesmo, com grande produção simbólica. É, provavelmente, o grupo etário mais rico em geração de identidades e expressões culturais”, disse à IPS Martín Hopenhayn, diretor da Divisão de Desenvolvimento Social da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal).

Segundo dados desta Comissão, com sede em Santiago, um em cada quatro habitantes da América Latina tem entre 15 e 19 anos. Isso o converte em um continente jovem, “mas não por muito tempo”, apontou Hopenhayn. A população de 0 a 15 anos baixou notavelmente na região, por isso em 20 anos haverá uma sociedade em vias de envelhecimento. “Dessa forma, é muito importante investir agora na juventude, porque em mais 20 anos vamos requerer que a parte não envelhecida da população seja muito mais produtiva”, afirmou o especialista.

Porém, o investimento em juventude é relativamente baixo na América Latina, principalmente se comparado o investimento público e privado em educação pós-secundária com a dos países emergentes do sudeste asiático, ou com a de países europeus.

Para Hopenhayn, “a juventude é o elo principal da transmissão intergerações da pobreza”. Essa transmissão dependerá de os jovens, que agora caminham para a autonomia econômica, repetirem ou não “a pobreza de renda, a precariedade trabalhista das gerações anteriores, isto é, de seus pais”, acrescentou.

Hopenhayn ressaltou que o mecanismo central para cortar esta reprodução intergerações é melhorar a dinâmica que vincula a educação de hoje com o trabalho de amanhã. Para isso, disse, “é preciso reduzir a brecha em êxitos educacionais nos jovens pobres versus os jovens não pobres”, mediante investimento focado na educação dos setores de menor renda.

Segundo dados da Cepal, dos jovens entre 20 e 24 anos entre os 20% mais pobres da população, apenas 28% concluíram a educação secundária. Enquanto entre os 20% mais ricos, cerca de 80% terminaram o curso secundário. “A educação secundária completa neste momento é o mínimo que se exige de um jovem uma vez que chegue ao mundo do trabalho e comece sua trajetória profissional ao longo da vida, tenha claras expectativas de alcançar níveis de bem-estar, mobilidade social e superação da pobreza”, destacou Hopenhayn.

Quem sabe disso são os irmãos Ángel e Guadalupe Villalobos, que criaram um pequeno negócio próprio de distribuição de frutas nas cercanias da Universidade da Costa Rica, em São José. O rapaz, de 21 anos, se formou barbeiro em dezembro de 2013 e no mês seguinte começou a trabalhar. Quando sua irmã, de 22 anos, se separou do marido, começaram a distribuir frutas nos salões de beleza da área.

“Talvez a principal limitação é que se alguém tem experiência e é velho não é contratado, e se a pessoa é jovem e vem com todo impulso, também custa a ser contratado, mas aqui (no salão) me deram boas oportunidades”, disse Ángel à IPS. Nenhum deles começou a universidade e Guadalupe tampouco terminou o secundário. Neste país de 4,8 milhões de pessoas, 22% dos jovens trabalham na economia informal, da qual os dois irmãos têm a intenção de sair.

No México, por outro lado, vivem mais de 37 milhões de pessoas com idades entre 15 e 29 anos, de uma população total de 118 milhões de habitantes. Cerca de 26% nem estudam nem trabalham e quase 45% vivem em condições de pobreza. “Me preocupa a falta de oportunidades e a perspectiva do desemprego”, disse à IPS a jovem María Fernanda Tejada, de 18 anos, que em agosto iniciará os estudos de relações internacionais na Universidade Autônoma do México, na capital do país. “Temos uma grande responsabilidade, porque somos o futuro do país”, acrescentou a jovem, a mais velha de quatro irmãos.

Em Santiago, Daniel Hurtado, de 19 anos, estuda medicina, quando o previsível era que “trabalhasse em um call center ou como empacotador em algum supermercado, na construção ou como garçom”, disse à IPS seu pai, Hugo, ele mesmo um garçom. No Chile, com 17,6 milhões de pessoas, um assalariado ganha, em média, US$ 500, e não tem com enviar os filhos para a universidade, onde o curso de medicina custa entre US$ 900 e US$ 1.200 por mês. “É muito extenuante”, contou Hugo, “mas estamos rompendo a brecha”, acrescentou o filho.

Para Hopenhayn, a educação, por seu caráter maciço e socialmente reconhecido, e por seu impacto no mundo do trabalho, é o espaço privilegiado sobre o qual intervir para cortar a reprodução intergerações da pobreza. Segundo um estudo da Cepal e do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), cerca de um terço das e dos jovens na América Latina e no Caribe vivem em situação de pobreza, o que atenta contra o exercício de seus direitos consagrados em instrumentos internacionais.

O documento, publicado em 2012, explica que a incidência da pobreza e da indigência entre os jovens de 15 a 29 anos na região chega a 30,3% e 10,1%, respectivamente. Eles e os menores de 15 anos são os mais vulneráveis a essa situação na região. As oportunidades de trabalho são poucas para os jovens, entre os quais o desemprego atinge 15%, enquanto é de apenas 6% para quem tem 30 anos ou mais.

Ao desemprego se soma outro elemento: a elevada informalidade trabalhista na região afeta principalmente os jovens. “Por exemplo, se no Chile a informalidade alcança entre 45% e 50% dos trabalhadores, na faixa etária de 15 a 29 anos é de 60%”, disse à IPS o sociólogo Lucas Cifuentes, pesquisador do Programa Trabalho, Emprego, Equidade e Saúde, da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso).

Ciguentes acrescentou que, “sem dúvida, o eixo articulador do desenvolvimento social é o trabalho”, e concorda que “não há possibilidade de superar a pobreza se não com o trabalho decente, digno e protegido”. Para Hopenhayn, nos últimos anos houve um importante avanço institucional em políticas de juventude, um moderado avanço em termos de investimento em juventude, e um avanço insuficiente em investimento em educação para jovens.

Enquanto isso cristaliza, as sociedades latino-americanas buscam por si mesmas soluções alternativas a flagelos como a desigualdade e os jovens demandam – em alguns países nas ruas – que se invista neles, para que seja rompida em sua geração essa herança e essa característica da região.

Investir em juventude

A Organização das Nações Unidas (ONU) ressalta que atualmente o mundo conta com a geração de jovens mais numerosa da história, com 1,8 bilhão de mulheres e homens jovens, que vivem em sua maioria em países do Sul em desenvolvimento.

O UNFPA busca, por essa razão, conscientizar sobre a necessidade inadiável de aumentar os recursos destinados aos jovens. Com esse fim, promoveu o lema “investir na juventude tem sentido para o presente e para o futuro”, para o Dia Mundial da População, comemorado hoje. Envolverde/IPS

* Com a colaboração de Emilio Godoy (Cidade do México) e Diego Arguedas (São José).