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Jovens artistas cubanos se movem em um mercado insuficiente

Carlos González, à esquerda, e Eloy Milán, integrantes do projeto artístico Open Art Studio, ao lado de suas obras em seu ateliê em uma rua central em frente ao Malecon de Havana, em Cuba. Foto: Jorge Luis Baños/IPS
Carlos González, à esquerda, e Eloy Milán, integrantes do projeto artístico Open Art Studio, ao lado de suas obras em seu ateliê em uma rua central em frente ao Malecon de Havana, em Cuba. Foto: Jorge Luis Baños/IPS

 

Havana, Cuba, 1/7/2014 – As pinturas e fotografias do Open Art Studio, um projeto de quatro jovens artistas de Havana, estão livres de clichês como mulatas espalhafatosas ou os velhos automóveis que ainda circulam pelas ruas cubanas. “Mostramos nossa arte sem um fim tão comercial, embora precisemos ganhar algum dinheiro para nos dedicarmos à criação”, disse à IPS o pintor autoditata Eloy Milán, de 32 anos, autor desse projeto junto com Carlos González, Ariel Hernández e Michel Armenteros, que têm estúdios artísticos formais.

Os integrantes do Open Art Studio pertencem à nova fornada de criadores cubanos, que traçam estratégias de todo tipo para viverem da arte em um país em recessão econômica há mais de 20 anos. Segundo especialistas, o desempenho econômico dos jovens na pintura e em outras manifestações artísticas parou pela quase inexistente prática local de colecionar, pelo difícil acesso às empresas estatais que concentram o comércio artístico internacional e pelas insuficiências da promoção e das vendas pela internet.

Outro obstáculo importante, apontado pelos criadores ouvidos pela IPS, é que a abertura à atividade privada, facilitada pela reforma econômica impulsionada no país desde 2008, não inclui empreendimentos como galerias ou produtoras de audiovisuais independentes. Na verdade, o Open Art Studio é o estúdio onde trabalham quatro artistas, que usam o espaço como meio de difusão.

O estúdio fica em frente ao Malecon de Havana, um muro com calçada que margeia o litoral do centro da capital e por onde passam turistas diariamente. Inclusive artistas de outras latitudes vêm aqui, contou González. Graças a esses intercâmbios, peças do Open Art Studio foram expostas na Alemanha, Espanha e Estados Unidos.

Mas nem a promoção por esta via nem na rede social Facebook, onde amigos com acesso à internet criaram uma página para o grupo, trouxeram uma renda constante, segundo González e Milán. Dizem que conseguem chegar ao fim do mês graças a vendas esporádicas e a outros empregos temporários.

“Dependemos do comprador estrangeiro e não temos oportunidades nas galerias comerciais” (estatais), que não nos dão sustento, explicou González. Este criador de 31 anos aspira se dedicar plenamente a “refletir o acontecer diário com a poética pessoal de cada um”. “Não nos interessa fazer lembrancinhas para turistas”, ressaltou, ao falar sobre o caminho onde acabam desembocando muitos formados em arte para sobreviverem.

O curador Píter Ortega defende que “existe uma onda de jovens muito talentosos, protagonistas de um clímax na arte cubana”. Mas apontou à IPS que identifica “uma tremenda defasagem” entre o crescente setor artístico e a reduzida capacidade das instituições locais para representá-los. Ortega lamentou a deterioração das instalações de muitas das 117 galerias do país e a carência de meios de difusão imprescindíveis para promover e vender, como os catálogos. Também afirmou que os donos de galerias, curadores e marchand de entidades estatais não costumam “se arriscar pela arte jovem” e nem têm autonomia de gestão.

“Há muitos artistas tentando aparecer em pouquíssimos espaços”, afirmou o jovem que trabalhou na Genesis Galerias de Arte, uma das poucas estatais com licença comercial. Ortega espera que as autoridades permitam as galerias privadas que, de fato, “existem há muito tempo como uma alternativa clandestina”. Novas regras regem o mercado mundial de arte pelo auge das vendas por meio de feiras online ou pelos sites das galerias. Continua dominado pelos Estados Unidos e por países europeus, embora aumentem colecionadores e artistas de economias emergentes da Ásia e da América Latina.

Discretamente e de modo muito regulado pelo Estado, esse país governado pelo Partido Comunista de Cuba se inseriu no mercado internacional de arte e criou mecanismos comerciais internos na década de 1990, embora em setores como a música já existissem experiências de lucro. Os artistas que entram nesse círculo recebem a renda por sua criação, sobre a qual pagam impostos, enquanto a empresa estatal que os representa obtém uma comissão por sua intermediação.

A reforma econômica, que contempla a redução de subsídios estatais, revive as discussões sobre a rentabilidade da cultura em Cuba, com 11,2 milhões de habitantes. Autoridades do setor analisam e experimentam soluções para manter os apoios estatais nas manifestações que os exigem, eliminá-los dos rentáveis e abrir oportunidades no setor privado e autogerido.

Mas muitas resistências e preconceitos surgem ao se propor medidas concretas. É o que demonstra o inédito diálogo que mantém desde maio de 2013 uma assembleia de cineastas com funcionários do estatal Instituto Cubano de Arte e Indústria Cinematográfica (Icaic), reitor do setor, e o Ministério da Cultura. A “g20”, como se chama a assembleia pelo número de representantes, pretende reordenar a deprimida produção cinematográfica local.

As duas principais demandas do grupo, integrado por figuras novas e consagradas, são a aprovação de uma lei de cinema e que as atualmente ilegais produtoras independentes possam funcionar como cooperativas. Das mãos de jovens inovadores surgiram há anos casas produtoras independentes, como a 5tavenida, Central Produções, Trokua Vision e Produções Canek, graças à democratização trazida pela tecnologia digital.

Algumas contam com equipamento completo, conseguem orçamentos de doadores internacionais e fazem capas de projetos focados no mercado externo, explica Ivete Ávila, da Cucurucho Produções, especializada na animação stop motion (quadro a quadro). “Embora muitas produtoras o sejam apenas no nome, como a Cucurucho, esse nosso grupo de amigos se reúne desde 2009 para realizar ideias afins”, explicou à IPS esta antropóloga de formação.

Ávila considera que não poderá receber nem pagar salários até que “sejam criados os suportes institucionais e jurídicos para que particulares vendam produtos diretamente à televisão pública”. O equipamento e a pouca renda da Cucurucho foram ganhos em concursos internacionais, contou.

Em outras manifestações também os jovens protagonizaram façanhas quase insólitas para a realidade local. Esse é o caso do músico Jorge Lian García, Kamankola, que gravou este ano seu primeiro disco graças a uma plataforma digital para coletar doações para projetos, à qual recorrem artistas e profissionais de todo o mundo. “Muitos amigos me ajudaram com a transferência do dinheiro e o acesso à internet”, explicou à IPS este cantor de hip hop, sobre a primeira experiência desse tipo concretizada em Cuba, onde a conexão com a internet é restrita e com preços proibitivos.

Segundo as últimas cifras oficiais, no período 2010-2011, se formaram 998 estudantes do nível técnico-profissional e 206 do superior nas especialidades artísticas. Envolverde/IPS