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Jornalistas silenciados enquanto seus assassinos seguem livres

Cortejo fúnebre do repórter cinematográfico da agência Reuters, Fadel Shana, no território palestino de Gaza. O jornalista foi assassinado por um tanque da Força de Defesa de Israel em abril de 2008, porque, segundo testemunhas, filmou os blindados disparando. A investigação das autoridades israelenses não levou a nenhuma ação disciplinar. Foto: Mohammed Omer/IPS
Cortejo fúnebre do repórter cinematográfico da agência Reuters, Fadel Shana, no território palestino de Gaza. O jornalista foi assassinado por um tanque da Força de Defesa de Israel em abril de 2008, porque, segundo testemunhas, filmou os blindados disparando. A investigação das autoridades israelenses não levou a nenhuma ação disciplinar. Foto: Mohammed Omer/IPS

 

Nações Unidas, 5/11/2014 – Nove em cada dez casos de jornalistas assassinados ficam impunes, segundo o último informe do Comitê para a Proteção de Jornalistas (CPJ). Sua autora, Elisabeth Witchel, afirmou à IPS que “a impunidade se converteu em uma das maiores ameaças à segurança dos jornalistas. Quando um repórter é assassinado e não há um processo judicial abre-se a porta para novos ataques.

Segundo o informe, 370 jornalistas morreram assassinados entre 2004 e 2013 “em represália direta por seu trabalho” e que 90% dos casos ficaram impunes, “sem detenções, nem processos, nem condenações”. O CPJ também afirma que “embora em alguns casos o assassino ou seu cúmplice tenha sido condenado, apenas em uns poucos o autor intelectual compareceu perante a justiça.

“Não se trata de uma história nem de um só jornalista assassinado, é toda a comunidade que se sente intimidada”, ressaltou Witchel. “Os jornalistas se sentem inseguros se assassinam um dos seus e não há uma justiça oficial. Constrói-se um clima de intimidação que pode levar a não se cobrir mais temas importantes”, acrescentou.

Witchel ressaltou que os temas cobertos pelos profissionais assassinados com impunidade eram fundamentais para suas comunidades e iam da criminalidade e corrupção, passando pelos direitos humanos até conflitos e política. O CPJ publicou o informe por ocasião do Dia Internacional para Acabar com a Impunidade dos Crimes Contra os Jornalistas, da Organização das Nações Unidas (ONU), celebrado pela primeira vez no dia 3.

O jornalista investigativo Eric Mwamba, da República Democrática do Congo (RDC), contou à IPS como o temor de ser detido, torturado e perder a vida afetaram seu trabalho. “Pelo que sei, nenhum dos responsáveis por atos de violência contra jornalistas na África foi acusado”, afirmou As leis contra a difamação e a noção ambígua de desprezo também serviram para que a justiça congolesa tratasse de amordaçar a imprensa, acrescentou.

O fato impactou especialmente os trabalhos de cobertura da economia, apontou Mwamba. Devido à estreita relação entre interesses privados e públicos na RDC, os funcionários estatais também são empresários de empresas investigadas, ressaltou. “Enquanto fui presidente do Fórum Africano de Repórteres Investigativos, estudei alguns casos. Lembro do de Didace Namujimbo, jornalista da Rádio Okapi, assassinado no leste da RDC. As investigações judiciais, infelizmente não chegaram a nenhum resultado”, contou.

“Espero que com a queda do regime do presidente Blaise Compaoré, em Burkina Faso, no começo de outubro, as novas autoridades ajudem a revelar a verdade sobre o assassinato de Norbert Zongo, outro jornalista assassinado em 1988 nesse país”, disse Mwamba, que teve que escapar da RDC por causa de suas investigações jornalísticas. Também viveu e trabalhou em diferentes países e regiões, desde a África ocidental até a Austrália. “Não creio que haja algo pior do que ser obrigado a abandonar seu país por medo de perder a vida”, lamentou à IPS.

Em um debate organizado na ONU no dia 3, o painel discutiu o papel deste fórum mundial, dos governos nacionais, da justiça e do público na luta contra a impunidade pelos crimes contra os profissionais da imprensa. A correspondente do canal de notícias Al-Arabiya, Nadia Bilbassy-Charters, que há pouco tempo informou sobre violações de direitos humanos perto da fronteira com a Síria, se referiu aos enormes riscos que os jornalistas enfrentam no Oriente Médio. Na verdade, dois em cada três repórteres assassinados nos últimos anos trabalhavam nessa região.

“A Síria é um cemitério para a imprensa e os jornalistas”, ressaltou Bilbassy-Charters, acrescentando que a maioria dos jornalistas assassinados nesse país são profissionais locais que trabalham por conta própria e sem ninguém que os proteja. “Assumem um risco enorme só para dizer ao mundo o que está acontecendo. E mesmo com esse risco não sei se o mundo está respondendo, especialmente na Síria. É um fracasso moral do século 21 o que acontece na Síria”, enfatizou.

O diretor-geral adjunto da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), o etíope Getachew Engida, declarou ao painel que a agência e organizações defensoras dos meios de comunicação em todo o mundo defendem a incorporação da liberdade de imprensa na agenda de desenvolvimento sustentável.

“No momento, a liberdade de expressão, a segurança dos jornalistas e o fim da impunidade não constam como tal da agenda proposta para pós-2015”, destacou Engida. A Unesco defende que deve-se “garantir que seja reconhecida a importância da liberdade de expressão para o desenvolvimento sustentável e para melhorar a segurança dos que tornam isso possível”, acrescentou.

“Cada jornalista assassinado é um dia sem notícias, um dia em que se atenta contra a liberdade de expressão, direitos humanos são violados, o direito e a democracia são debilitados. O clima de terror causado pela impunidade lança uma sombra sobre o desenvolvimento sustentável em todas as sociedades”, destacou Engida.

Joel Simon, diretor do CPJ e participante do painel, destacou que, “no tocante à violência real cometida contra jornalistas e o grau de impunidade, a tendência avança em direção errada. De fato, os dois últimos anos foram os que deixaram mais mortes e os mais perigosos já documentados” por esta organização, enfatizou. Nesse período foram registrados os números mais altos de jornalistas assassinados e detidos. “O que me preocupa é que os governos, o sistema da ONU e o público confundem consciência, que é bom, com progressos”, alertou. Envolverde/IPS