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Israelenses esquiam perto da guerra civil síria

Estação de esqui no Monte Hermón, nas Colinas de Golã. Foto: Pierre Klochendler/IPS

 

Monte Hermón, Colinas de Golã, 14/2/2013 – Ventos indomáveis sopram no Monte Hermón, entre cujas neves imaculadas se divertem israelenses e onde quase não ressoam os ecos da guerra civil em Damasco, a apenas 25 quilômetros de distância. Embora esteja em território internacionalmente reconhecido como sírio, o Hermón é controlado por Israel, que possui aqui seu único centro de esqui. “É a primeira vez que esquio”, contou Ilana Marciano, da cidade de Netanya, no Mediterrâneo, enquanto se esforça para sair debaixo de uma camada de neve de 60 centímetros de espessura. “Surpreendente, simplesmente genial”, afirmou.

Neste inverno boreal, o Monte Hermón está coberto de neve, o que o torna uma exótica terra da fantasia para pessoas mais acostumadas a se divertir na praia e sob o Sol. Cerca de dez mil visitantes chegam a este centro de esqui em um dia comum, segundo a gerência do local. Jabel a-Sheikh, como é conhecida em árabe esta cadeia montanhosa, é para os israelenses os “olhos” de seu país.

Localizado bem no alto do triângulo fronteiriço entre Israel, Líbano e Síria, o Hermón permite uma visão estratégica de vastos trechos do território, a partir de uma altitude de 2.236 metros. Ali as forças armadas israelenses mantêm vários postos de observação e inteligência. Em um dia claro é possível avistar Damasco. Mais para nordeste, as posições militares sírias dominam o libanês Vale de Beqaa. A 2.814 metros de altitude, acima de uma zona de exclusão entre fortificações israelenses e sírias, fica o “hotel do Hermón”, a base de manutenção da paz da Organização das Nações Unidas (ONU) mais alta do mundo.

Israel arrebatou da Síria as Colinas de Golã na Guerra dos Seis Dias, em junho de 1967. A Síria as reconquistou brevemente seis anos mais tarde, e Israel voltou a ocupá-las imediatamente depois. Durante a invasão israelense, cerca de cem mil sírios drusos fugiram das Colinas de Golã. Agora, junto com 20 mil drusos que permaneceram nas empinadas ladeiras do Hermón, em quatro povoados e aldeias, 18 mil israelenses vivem em 32 assentamentos.

Para além da linha de defesa de 80 quilômetros, os campos minados e os postos militares dispersos ao longo da linha de cessar-fogo controlada pela ONU, passando à zona de exclusão entre 0,5 e dez quilômetros de largura, se tornam claramente visíveis as aldeias e fortificações sírias. Em maio de 1974, Israel e Síria assinaram o Acordo de Separação de Forças, que até agora é cautelosamente respeitado pelas duas partes. Durante quase quatro décadas o estratégico território permaneceu congelado, em um statu quo suspenso entre a guerra a e paz, quase como o teleférico que transporta os turistas para cima do Monte. Uma estranha sensação de arraigada inconsciência afeta o Monte Hermón.

Não fosse pelo enfrentamento fronteiriço de junho de 2011 – perto do povoado druso de Majdal Shams, no qual 20 manifestantes palestinos e sírios foram alvo de disparos quando tentavam entrar na área controlada por Israel –, ou por uns errantes tiros de morteiro que aterrissaram deste lado da linha de proteção em novembro, quase não se sentiria a sangrenta guerra civil que acontece na vizinha Síria. “Não há tensões. Aqui está tranquilo”, disse Amit Rotem, uma estudante de Jerusalém. “Até que algo acontece, nada acontece. É assim que vejo. Porque estamos acostumados a isto, é assim que vivemos”, acrescentou.

No entanto, mais recentemente, em 30 de janeiro, a tensão voltou a aumentar com um ataque aéreo israelense próximo ao centro de investigações militares localizado nos arredores de Damasco, supostamente contra um comboio suspeito de transportar mísseis antiaéreos AS-17 para a milícia xiita Hezbolá no Líbano. Três dias antes, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, havia alertado sobre o destino que poderia ter o arsenal de armas químicas e biológicas da Síria.

No fortemente protegido centro de esqui, a diversão continua como de costume. “Este incidente nem mesmo passou pela minha mente. Talvez, seja muito otimista”, disse um esquiador. O gerente do centro de esqui, Shaul Ohana, disse à IPS que “Havez Al Assad (ex-presidente sírio), e seu sucessor, Bashar, nos deram uma tranquilidade prolongada. Espero que a situação não se deteriore mais”.

Em 1981, Israel aprovou uma lei que aplica suas “leis, jurisdição e administração” às Colinas de Golã, que anexou de fato ao seu território. Cerca de 10% dos drusos sírios de Golã aceitaram a cidadania israelense, mas a lei nunca foi reconhecida pela comunidade internacional. Na década de 1990, dois primeiros-ministros de Israel, Itzjak Rabin e Ehud Barak, se declararam prontos para devolver o Hermón – e, em termos gerais, as Colinas de Golã – à Síria em troca da paz.

“Em retrospectiva, só a ideia de considerar uma retirada daqui é caprichosa. Não há nada que devolver. E, em todo caso, a quem se devolveria Golã?”, pergunta Ohana. Uma lei aprovada em 2010 estipula que a passagem de qualquer território anexado – sejam as Colinas de Golã, incluindo o Monte Hermón, ou a ocupada Jerusalém oriental –, como parte de futuros acordos de paz, exige ou uma supermaioria no parlamento ou um referendo nacional.

“O Monte Hermón sempre estará conosco”, é o confiante leitmotiv que se ouve em suas ladeiras. A dois mil metros de altura, a ninguém parece preocupar que a estratégica montanha, sua reserva natural e o centro de esqui de 14 pistas e cinco teleféricos dispostos ao longo de 45 quilômetros de ladeiras, possa algum dia ser devolvida à Síria. Riscos de guerra, possibilidades de paz com a Síria, tudo parece remoto visto do Hermón. Envolverde/IPS