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“Israel trata os beduínos como pessoas em uma caixa”

“O deserto é o lugar natural para o beduíno”, afirma Jahalin. Foto: Lucy Westcott/IPS

 

Nações Unidas, 5/6/2013 – Durante milhares de anos, os beduínos habitaram zonas desérticas que agora pertencem a Israel. Contudo, nas seis últimas décadas foram paulatinamente deslocados pelos assentamentos judeus. Eid Jahalin, de 49 anos, vive no deserto perto de Jerusalém, e é um dos ativistas que lutam pelos direitos dos beduínos e para que o Estado de Israel os reconheça como um povo indígena.

Jahalin afirmou que Israel só quer “terra sem gente”, e alertou que o vasto conhecimento tradicional dos beduínos, mantido por séculos e crucial para enfrentar o impacto da mudança climática, está em risco. A IPS conversou com o ativista em sua primeira visita à sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York.

IPS: Qual o último ocorrido em relação ao governo de Israel e o deslocamento dos beduínos?

EID JAHALIN: O governo de Israel continua com as mesmas propostas, o mesmo projeto, e trabalha mais rápido. Não há nenhum tipo de pressão sobre Israel e ninguém deterá seus planos. Há poucos dias houve certa resistência ao plano (de recolocação dos beduínos). Os colonos opinaram sobre a criação de uma cidade beduína em Nuweimeh, disseram que não queriam dar “um prêmio” aos beduínos depois que o secretário de Estado norte-americano, John Kerr, visitou Israel e declarou que deveriam ser suspensos os planos de construção de assentamentos. O ministro da Defesa israelense, Moshe Ya-alon, é novo e disse que estudaria o plano. Creio que o governo e os colonos trabalham juntos, são sócios. Quando há pressão e o governo está patinando, este dá lugar aos colonos, e então diz que a culpa é deles. O que não pode fazer, os colonos fazem.

IPS: Por quanto tempo esta situação vai durar?

EJ: Vem ocorrendo desde 1967. Entre esse ano e 1978, era apenas assunto do exército, que chegava a um lugar e o declarava zona militar. Depois dava a terra aos colonos. A partir de 1978, instalou-se o caos. Os últimos grandes deslocamentos aconteceram em 1997 e 1998. Quase duas mil pessoas foram mobilizadas. As famílias foram instaladas em contêineres perto de um lixão. Até hoje há pessoas que não têm dinheiro e continuam vivendo ali, em habitáculos de folha de flandres.

IPS: Qual é a situação dos beduínos hoje?

EJ: Um dos mais graves problemas é que muitas crianças, algumas de oito anos ou ainda menores, sofrem doenças por terem nascido perto do lixão, enfermidades que nem mesmo são reconhecidas pelo Hadassha, principal hospital israelense em Jerusalém. Há uma família completa, pai, mãe e três filhos, que tem uma doença que ninguém sabe qual é. Os hospitais dizem que é a primeira vez que a veem.

IPS: Com é seu contato com as autoridades israelenses?

EJ: Se o governo israelense apenas deixasse os beduínos em paz… Proibiu o acesso de toda comunidade à estrada que leva até a escola. É assim que ajudam? O governo não nos permite acesso aos mananciais de água, e se um beduíno sai para o deserto, é levado à justiça e colocado na prisão com multa de mil a dois mil shekels. O deserto é o lugar natural para o beduíno, mas o governo não permite. Confina os beduínos como se fossem pessoas dentro de uma caixa. Se o governo de Israel diz que está ajudando os povos indígenas, gostaria que me dessem um exemplo.

IPS: Que tipo de conhecimento específico sobre a vida no deserto os beduínos têm e que poderia ficar perdido?

EJ: Há um mês, por exemplo, fui ao vale do Jordão, em Jericó, e todos se queixavam do calor incomum. Quando voltei, ninguém da minha família se queixava porque, como beduínos, estamos acostumados e sabemos quando nos expor ao Sol e quando ficar à sombra, quando o deserto é perigoso e quando não é. Em Nova York não sei exatamente onde estou, mas se me encontro no deserto sei tudo. O clima está mudando, temos que pensar para frente e considerar o que deve ser feito. Como vivo no deserto, é fácil para mim enfrentar as mudanças, ao contrário de quem está nas cidades ou aldeias. O planeta é uma pequena bola. Se alguém cria um problema ou danifica algo de um lado, isso será sentido em outro, por isso temos que protegê-lo.

IPS: Nesta sua primeira visita à ONU, o que deseja que a comunidade internacional aprenda sobre a situação do povo beduíno?

EJ: Espero que aprenda muito. Queremos acender uma luz vermelha sobre a situação dos beduínos, sobre o que estão passando, e sobre a situação da mudança climática. Venho aqui para alertar o mundo sobre isso. Envolverde/IPS