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Israel quer manter supremacia regional com ajuda dos Estados Unidos

Assentamento ilegal de Israel no território palestino da Cisjordânia sob ocupação. Foto: Libertinus/CC by 2.0
Assentamento ilegal de Israel no território palestino da Cisjordânia sob ocupação. Foto: Libertinus/CC by 2.0


Washington, Estados Unidos, 29/8/2013 – Assegurar a superioridade militar de Israel no Oriente Médio é o argumento central do lobby judeu em Washington, que já começou a exigir do governo de Barack Obama um novo pacote de ajuda por dez anos, devendo entrar em vigor em 2017. O grupo de pressão israelense usa a Lei de Transferência de Navios de Guerra, aprovada pelo Congresso norte-americano em 2008.

A lei determina que a ajuda militar dos Estados Unidos a Israel deve garantir a “vantagem militar qualitativa” (QME) do Estado judeu sobre qualquer combinação de atores estatais e não estatais. Washington sempre se comprometeu a garantir a superioridade militar de Israel no Oriente Médio, e desde 2008 está obrigado por lei a fazer isso. A cada quatro anos Obama deve informar ao Congresso o estado dessa vantagem comparativa.

“Estamos vendo o Oriente Médio de uma perspectiva geral, que inclui o crescimento do arsenal de mísseis no Líbano e no território palestino de Gaza”, afirmou Michael Oren, embaixador de Israel nos Estados Unidos ao semanário Defense News. Ele também mencionou a situação atual na península do Sinai e na Síria.

Israel não se opõe a que os Estados Unidos vendam armas aos Estados árabes considerados “moderados”, mas insiste que o compense com equipamentos de melhor qualidade. “Se os Estados Unidos não venderem outros venderão”, pontuou Oren, acrescentando que “também entendemos que essas vendas contribuem para a criação de centenas ou milhares de empregos nos Estados Unidos, e nos interessa que sua economia seja forte e vital”, acrescentou.

Porém, a ajuda pode ser afetada pelas dificuldades econômicas dos Estados Unidos. Washington reduziu seu orçamento no começo deste ano e isso gerou um debate dentro do lobby israelense sobre a conveniência de pressionar para que se mantenha o pacote de ajuda. A discussão deixou clara uma das preocupações dos grupos de pressão pró-Israel: a de equilibrar sua missão de defender o Estado judeu sem parecer que se preocupam mais por esse país do que com os Estados Unidos.

Historicamente, a ajuda a Israel permaneceu inalterada apesar das dificuldades econômicas nos Estados Unidos. Contudo, desta vez, há outros fatores em jogo. Por exemplo, a lei de 2008 não menciona a responsabilidade de Israel em garantir sua vantagem militar comparativa. Por outro lado, obriga os Estados Unidos a equilibrarem a venda de armas para cobrir as necessidades israelenses e defender sua superioridade.

A redução do orçamento de defesa de Israel este ano gera dúvidas sobre o motivo de pedir mais ajuda quando diminui seus próprios fundos. O corte foi de US$ 820 milhões, mais de 25% da ajuda anual que recebe atualmente. A questão ganha maior relevância porque a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômicos (OCDE) projetou em maio crescimento de 3,9% para Israel este ano e de 3,4% para 2014. O crescimento médio nos países da OCDE para os dois anos é de 1,2% e 2,3%, respectivamente.

Tal como disse Oren, o fato de os Estados Unidos passarem de uma crise a outra representa problemas políticos para os grupos de pressão que pedem mais ajuda. Mas o fato de a vantagem comparativa ser obrigatória por lei, na realidade, os incentiva. Já não têm que argumentar que os Estados Unidos estão comprometidos politicamente a dar recursos adicionais para garantir a superioridade militar, porque agora é uma obrigação legal.

Israel não só terá que explicar o motivo de reduzir seu orçamento de defesa quando pede mais ajuda, como também terá que justificar a expansão dos assentamentos ilegais no território palestino da Cisjordânia. Durante anos, os Estados Unidos fizeram vista grossa para a construção de colônias judias na Cisjordânia e só as considerou “obstáculos para a paz”, mas não pressionou Israel. O secretário de Estado, John Kerry, tenta lidar com esse assunto, pois para os palestinos a expansão dos assentamentos enfraquece o processo de paz.

De fato, era o principal obstáculo para que a Autoridade Nacional Palestina se sentasse à mesa de negociações. Mas esta questão apresenta outro assunto no contexto do pedido de assistência. Se os Estados Unidos questionam a política israelense nos assentamentos e acredita que complicam o processo de paz, não deveria esperar que Israel priorizasse seu próprio orçamento de defesa que, dadas às circunstâncias descritas por Oren, seria mais imprescindível do que destinar fundos para as colônias?

Não está claro quanto se gasta na construção. Em 2005, o governo israelense ordenou uma investigação dos fundos destinados aos chamados “postos ilegais de avançada”, colônias criadas sem autorização do Estado judeu. O estudo concluiu que, entre 2000 e 2004, o Ministério de Construção e Habitação destinou US$ 20 milhões a esses postos de avançada sem autorização oficial.

A autora da investigação, Talia Sasson, lamentou a impossibilidade de obter informação fidedigna e estimou que a “soma verdadeira poderia superar consideravelmente a que figura no informe, pois o montante não inclui o que o Ministério pagou por infraestrutura, prédios públicos e planejamento nos postos de avançada não autorizados”. Segundo dados da central de estatísticas de Israel, de 2011, o gasto nos assentamentos autorizados aumentou 38% em relação ao ano anterior e superou os US$ 400 milhões.

A contradição israelense de aumentar seu gasto em assentamentos e paralelamente pedir mais ajuda militar aos Estados Unidos pode ser usada como ferramenta para pressionar o Estado judeu, segundo Stephen Walt, professor de assuntos internacionais da Escola Kennedy de Governo, na norte-americana Universidade de Harvard. “A garantia de dez anos pedida por Israel dá a Obama e a Kerry uma ferramenta de pressão se tiverem a vontade política de utilizá-la”, argumentou Walt à IPS. “Deveriam deixar bem claro que Israel só terá essa garantia se, e somente se, puser fim à expansão de assentamentos e concordar com a criação de um Estado palestino viável”, ressaltou.

“É uma ferramenta de pressão útil porque Israel quer mais ajuda, mas, na realidade, não necessita”, apontou Walt. “Manteria sua vantagem militar durante anos, mesmo se os Estados Unidos cancelassem toda ajuda”, ressaltou. “Obama e Kerry poderiam recorrer a essa pressão sem colocar em risco a segurança de Israel. Na verdade, pressionando esse país para que acabe com a ocupação, estariam melhorando-a”, afirmou.

O Comitê de Assuntos Públicos Estados Unidos-Israel (Aipac) foi criado para promover a ajuda norte-americana a esse país, e continua sendo seu fim fundamental. O Congresso norte-americano, onde é forte a influência da Aipac, é definitivamente quem terá que decidir se o presidente cumpre a lei de 2008 de garantir a vantagem militar comparativa de Israel. A lei pode chegar a desempenhar um papel fundamental na hora de superar o que parecem ser mais barreiras para o aumento da ajuda às quais o Aipac está acostumado. Envolverde/IPS