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Israel e Hamas se salvarão de julgamento por crimes de guerra

Restos de estruturas afetadas pelos ataques israelenses na Faixa de Gaza durante este mês. Foto: UN Photo/Shareef Sarha
Restos de estruturas afetadas pelos ataques israelenses na Faixa de Gaza durante este mês. Foto: UN Photo/Shareef Sarha

 

Nações Unidas, 26/8/2014 – O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, em um raro momento de sinceridade política, criticou Israel ao questionar seu “respeito pelos princípios de distinção e proporcionalidade” em sua guerra contra Gaza. “Espero que existam respostas pelas vidas inocentes perdidas e pelos danos sofridos”, afirmou Ban no dia 12 de agosto, em referência aos mais de dois mil moradores de Gaza mortos desde o início do conflito em 8 de julho, dos quais 75% são civis.

Essa responsabilidade terá que ser definida pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) de Haia, onde, tanto Israel quanto o movimento armado do Hamas, deverão responder por crimes de guerra, embora os ataques com foguetes do grupo palestino contra território israelense só tenha causa a morte de dois civis.

Entretanto, as possibilidades de qualquer das partes em conflito comparecer perante o TPI são remotas. Perguntado se o tribunal pode intervir, John Quigley, professor emérito da Universidade Estatal de Ohio, respondeu à IPS que a pergunta não deve ser se Israel pode comparecer a essa corte. “O TPI nada faz contra os Estados. Processa indivíduos. Assim, a pergunta correta é se os israelenses podem comparecer”, explicou.

Uma das vias possíveis é uma resolução do Conselho de Segurança da ONU, acrescentou o professor, autor de The Statehood of Palestine: International Law in the Middle East Conflict (A Condição de Estado da Palestina: O Direito Internacional no Conflito do Oriente Médio). Porém, a maioria dos diplomatas da ONU concorda que Estados Unidos, França ou Grã-Bretanha vetariam uma resolução desse tipo já que tradicionalmente protegem Israel, no acerto ou no erro.

Segundo Quigley, “se um Estado é parte do estatuto de Roma”, que é o instrumento de constituição do TPI, “então o tribunal pode julgar seus cidadãos”. Não é o caso de Israel. “Mas o TPI tem competência segundo o território onde for cometido o crime. Assim, se um israelense comete crime em um Estado que é parte, o tribunal pode julgá-lo”, exemplificou o professor, também autor de Genocide in Cambodia (Genocídio no Camboja) e The Ruses of War (As Artimanhas da Guerra).

Se um Estado não é parte mas apresenta uma declaração que atribuiu ao TPI competência sobre os crimes em seu território, então o tribunal poderá processar toda pessoa que cometer um crime ali. O TPI tem competência sobre os israelenses que cometem crimes no território da Palestina, porque esta apresentou uma declaração deste tipo em 2009, acrescentou Quigley.

Entretanto, a procuradora do TPI, Fatou Bensouda, de Gâmbia, diz que a declaração da Palestina não é válida porque esta não era um Estado em 2009.

É absolutamente necessário que Israel, seus dirigentes e militares respondam pelos crimes internacionais que as forças israelenses estão cometendo hoje em Gaza e que cometeram no passado ali, na Cisjordânia e no próprio Israel, afirmou Michael Ratner, presidente emérito do Centro pelos Direitos Constitucionais, uma organização com sede em Nova York. “Junto com os funcionários israelenses, os instigadores e cúmplices desta conduta criminal também devem estar no banco dos réus”, acrescentou.

Isso inclui funcionários dos Estados Unidos e de outros países que, mesmo sabendo que Israel comete crimes de guerra e de lesa humanidade, continuam lhe proporcionando os meios para fazê-lo, afirmou Ratner, presidente do Centro Europeu para os Direitos Constitucionais e Humanos, com sede em Berlim, na Alemanha.

O jornal londrino The Guardian assegurou que os países ocidentais pressionam para que o TPI não investigue os crimes de guerra em Gaza. Julian Borger, editor de diplomacia do jornal, escreveu no dia 18 que a possível investigação pelo TPI das ações das Forças de Defesa de Israel (FDI) e do Hamas em Gaza se transformou em um campo de batalha político e em um tema de negociação estratégico nas negociações que acontecem no Cairo para um cessar-fogo entre as partes em conflito. “Mas a questão do TPI poder ou dever realizar uma investigação também dividiu o tribunal de Haia”, acrescentou Borger.

A investigação do TPI não se limitaria aos supostos crimes de guerra dos militares israelenses, do Hamas e dos demais grupos armados islâmicos, mas também incluiria a questão dos assentamentos israelenses nos territórios palestinos, pelos quais seriam responsáveis os governantes de Israel, acrescentou Borger.

Os advogados da Palestina insistem que Bensouda tem a autoridade legal necessária para iniciar uma investigação, com base na solicitação palestina de 2009, pontuou Borger. “Porém, Bensouda insiste em uma nova declaração palestina, o que exigiria conseguir o difícil consenso entre facções políticas como Hamas, que também enfrentaria o exame pelo TPI do mesmo modo que o governo israelense”, escreveu no The Guardian.

A alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, Navi Pillay, declarou que Israel desafia o direito internacional de maneira deliberada, segundo Ratner, acrescentando que Pillay “também se referiu ao disparo indiscriminado de foguetes por parte do Hamas, mas essa violação some em comparação com o massacre realizado por Israel”.

A condenação de Pillay também se dirigiu aos Estados Unidos por fornecer o armamento que Israel utiliza em seus ataques contra Gaza. Segundo Ratner, “a alta comissária tem razão: Israel viola deliberadamente as leis da guerra e se orgulha disso”. Ratner recordou que após a segunda guerra do Líbano, em 2006, na qual Israel arrasou o bairro de Dahiya, em Beirute, um general israelense disse que Tel Aviv utilizaria a força desproporcional contra os povos que o atacassem, “causando grande dano e destruição”.

Ratner garantiu que não fazer com que Israel responda por seus atos, em grande parte porque está protegido pelos Estados Unidos, é burlar as convenções de Genebra e o direito internacional. “A impunidade de Israel e dos Estados Unidos é uma licença para que todos os países violem as leis humanitárias e de direitos humanos que são fundamentais para a civilização”, acrescentou.

De acordo com Ratner, os Estados Unidos são muito poderosos e a possibilidade de uma investigação pelo TPI é remota. Mas isso não significa que a Palestina e seus aliados devem deixar de tentar. “Todos os meios para expor e fazer com que Israel responda por seus atos e que demonstrem a parcialidade de nosso sistema internacional são importantes. Claramente o esforço aterroriza Israel porque sabe a criminalidade em que está envolvido”, enfatizou. Envolverde/IPS