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Interpol e ONU perseguem criminosos ambientais

Um carpinteiro arruma uma carga de mogno, madeira valiosa, apreendida pelas autoridades de Cuba no ecossistema pantanoso da Ciénaga de Zapata. Foto: Jorge Luis Baños/IPS
Um carpinteiro arruma uma carga de mogno, madeira valiosa, apreendida pelas autoridades de Cuba no ecossistema pantanoso da Ciénaga de Zapata. Foto: Jorge Luis Baños/IPS

Nações Unidas, 2/12/2014 – Um grupo de organizações internacionais, dirigido pela Organização Internacional de Polícia Criminal (Interpol), com apoio da Organização das Nações Unidas (ONU), persegue um tipo novo e crescente de delinquente: os acusado de graves crimes ambientais, que em sua maioria escapou do longo braço da lei. A operação de alcance mundial é a primeira de seu tipo a perseguir fugitivos procurados por uma ampla gama de delitos relacionados ao ambiente.

Entre esses crimes estão desmatamento, caça ilegal e tráfico de animais declarados em perigo de extinção. A caça ilegal, sobretudo no centro da África, causou o desaparecimento de pelo menos 60% dos elefantes da região na última década.

No dia 17 de novembro, a Interpol, maior organização policial do mundo, divulgou as fotografias de nove fugitivos denunciados por esses crimes, incluindo Feisal Mohamed Ali, acusado de liderar uma rede de contrabando de marfim no Quênia, segundo o jornal Daily News, da ONU. A aliança internacional solicitou ajuda do público para obter informação que possa levar aos nove suspeitos, cujos casos foram escolhidos para a fase inicial das investigações.

“Isso envia uma forte mensagem de que os crimes ambientais não têm a ver simplesmente com um animal contra o qual disparam ilegalmente, ou com uma árvore cortada ilegalmente, e que isso tem a ver com o crime organizado e pode ter efeitos devastadores”, afirmou à IPS Rob Parry-Jones, diretor de política internacional do Fundo Mundial da Natureza (WWF).

A reação da Interpol é algo que o WWF queria há tempos. “E também é algo que os organismos reguladores desejavam”, destacou Parry-Jones. Para ele, a situação atual é um avanço em relação há alguns anos, quando o WWF e a Traffic, uma organização que vigia o tráfico de animais silvestres, começaram sua campanha para elevar o perfil político desse tipo de crime.

Com o nome de Infra-Terra, a operação internacional tem apoio do Consórcio Internacional para Combater os Crimes Contra a Vida Silvestre, que é esforço de colaboração da secretaria da Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas de Fauna e Flora Silvestres (Cites), Interpol, Escritório das Nações Unidas Contra a Droga e o Crime, Banco Mundial e Organização Mundial de Aduanas.

“Esta primeira operação representa um grande passo contra as redes criminosas que atuam contra a vida silvestre”, afirmou em um comunicado à imprensa Ben Janse van Rensburg, da Cites. Cada vez mais os países tratam os crimes contra a vida silvestre como um delito grave, e “vamos fazer todo o possível para localizar e deter esses criminosos, e garantir que comparecerão à justiça”, ressaltou.

Nathalie Frey, do Greenpeace Internacional, disse à IPS que sua organização apoia firmemente a iniciativa da Interpol para reforçar a aplicação da lei contra os crimes ambientais. Ao dar aos criminosos ambientais um nome e um rosto, “se demonstra que as agências de aplicação da lei finalmente começam a levar crimes como desmatamento ilegal e pesca predatória tão a sério como o assassinato ou o roubo”, enfatizou.

Abordar com eficácia os crimes ambientais através das fronteiras internacionais exige contextos legais que possam ser coordenados entre si, disse Parry-Jones. Se os contextos legais dos países reconhecem esses crimes como graves, com pena de prisão superior a quatro anos, então passa a reger a Convenção da ONU Contra a Criminalidade Organizada Transnacional, o que permite a cooperação policial e a assistência judicial recíproca, acrescentou.

A natureza dos crimes ilustra os vínculos com outras formas de delinquência transnacional, incluído o tráfico de pessoas e o contrabando de armas, e reforça o argumento sustentado pelo WWF e pela Traffic, de que o crime ambiental é um tema transversal e algo grave, afirmou o representante do WWF.

Por sua vez, Frey afirmou à IPS que o crime ambiental é “um grande negócio”, com lucros calculados entre US$ 70 bilhões e US$ 213 bilhões por ano, quase ao lado de outras atividades criminosas, como o tráfico de drogas e o de armas. Nesse cálculo estão incluídos o desmatamento, a cação ilegal e o tráfico de uma grande variedade de animais, a pesca e a mineração ilegais e o despejo de resíduos tóxicos.

Por trás dos responsáveis imediatos, há grandes redes de atividades criminosas, e a corrupção costuma permear toda a cadeia de fornecimento de produtos valiosos como madeira ou pescado, pontuou Frey. Por exemplo, o desmatamento ilegal é moeda corrente em muitos países produtores de madeira, e é um dos principais responsáveis pelo desaparecimento de grandes extensões de florestas que abrigam espécies em perigo de extinção. “Os mercados de consumo seguem repletos de madeira ilegal, apesar das disposições que proíbem esse comércio”, ressaltou.

Frey ressaltou que, de acordo com a Interpol, o desmatamento representa entre 50% e 90% das florestas nos principais países produtores tropicais. “Recebemos com grande satisfação a iniciativa da Interpol para encontrar os criminosos e acabar com a corrupção, mas é muito importante que a Cites tome mais medidas para incentivar as partes a reforçarem a aplicação da lei e os controles”, acrescentou.

Frey destacou o exemplo da afrormosia, uma valiosa madeira dura tropical que é encontrada na República Democrática do Congo (RDC). Essa espécie está ameaçada e se examina requerer uma regulamentação comercial especial da Cites, mas muitas vezes se faz vista grossa nos casos de seu comércio ilegal. Os madeireiros industriais têm passe livre para cortar a afrormosia no país, embora se calcule que o corte ilegal chegue a 90%, acrescentou.

A Cites deve verificar a legalidade do comércio, mas centenas de permissões concedidas pela Convenção não têm explicação, segundo Frey. Além disso, o rastreamento não existe na RDC, apontou. Para essa ativista, ao permitir que continue o comércio de espécies que foram capturadas ou colhidas de forma ilegal, a Cites não protege as espécies em perigo de extinção, e a falta de controles e suas fraquezas servem apenas para incentivar os crimes ambientais.

Segundo o jornal Daily News, os crimes contra a vida silvestre são uma séria ameaça para a segurança, a estabilidade política, a economia, os recursos naturais e o patrimônio cultural de muitos países. A resposta necessária para abordar com eficácia essa ameaça costuma transcender a competência das agências ambientais ou dedicadas a proteger a vida silvestre, ou mesmo de um só país ou região, garantiu Frey. Envolverde/IPS