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A insurgência islâmica está se transformando na Rússia

Russia

Moscou, Rússia, 9/5/2014 – Enquanto a atenção do Kremlin está voltada para a Ucrânia, o Emirado do Cáucaso, um grupo armado que busca criar um Estado islâmico no norte do Cáucaso, ameaça a segurança interna da Rússia de novas maneiras. A morte do veterano líder do Emirado, Doku Umarov, desatou no último outono boreal uma luta interna de poder que causou importante mudança na estrutura e na estratégia da organização.

Embora inicialmente não tenha sido bem recebido por certas células influentes da entidade, o sucessor de Umarov agora consolida sua autoridade e parece determinado a ampliar as capacidades operacionais do movimento. O mais significativo é que a influência chechena na organização parece ter diminuído. Nesse ponto, a principal pergunta é com que rapidez o aparato de segurança da Rússia pode se adaptar às mudanças no Emirado do Cáucaso.

Um Kremlin distraído pelos acontecimentos que ocorrem na Ucrânia pode facilmente perder terreno diante da insurgência mutante no norte do Cáucaso.

No dia 18 de março o Centro Kavkaz, principal portal de notícias sobre o Emirado do Cáucaso, anunciou oficialmente a morte de Umarov, o chefe do movimento. Reconhecido com uma figura militar importante na primeira e segunda guerras da Chechênia, Umarov ganhou destaque em 2007, ao assumir o comando da insurgência e se autoproclamar primeiro emir de um recém-formado Emirado do Cáucaso.

Apesar de nascido por interesses separatistas, o grupo se voltou para o movimento jihadista mundial e se filiou à rede extremista Al Qaeda, do saudita Osama bin Laden. Nos últimos anos, Umarov esteve ligado a uma série de ataques terroristas na Rússia, que incluíram o atentado ao aeroporto de Moscou em 2011, os atentados suicidas de 2010 contra o metrô da cidade, e o de 2009 contra um trem que seguia da capital para São Petersburgo.

Cada uma dessas ações deixou dezenas de mortos e centenas de feridos. Seu último vídeo de propaganda conclamava os insurgentes islâmicos a tomarem como alvo os Jogos Olímpicos de Inverno 2014, em Sochi. Mas, nos últimos anos, Umarov teve um papel cada vez menor no planejamento operacional. Sua saída de cena, então, não altera muito a organização terrorista, segundo alguns especialistas.

“O dano que causou (ao Emirado do Cáucaso) a morte do líder é tangível, mas não será duradouro”, escreveu o pesquisador Simon Saradzhyan, do Centro Belfer para a Ciência e os Assuntos Internacionais da Universidade de Harvard, em uma análise publicada em março pelo Moscow Times. As circunstâncias em torno da morte de Umarov estão envoltas em um manto de mistério: são muitas as especulações, que vão desde uma doença até ataque com aviões teledirigidos ou, ainda, uma sublevação.

A demora para confirmar sua morte sugere que esta disparou uma luta interna de poder, provavelmente entre as “jamaats” (unidades) do Daguestão e de Kabardia-Balkaria, em disputa pelo máximo cargo, que sempre esteve em mãos chechenas. Após meses de tensas deliberações, um conselho integrado por seis emires provinciais selecionou o teólogo de língua caucasiana Aliasjab Kebekov, ou Ali Abu-Mohammad. O sucessor de Umarov não tem patente militar como os comandantes anteriores, mas possui notável formação teológica para empurrar o Emirado do Cáucaso para uma direção estratégica e operacional diferente.

Radicado fora da República do Daguestão, Kebekov é era “qadi” (autoridade religiosa suprema) e é o primeiro não checheno a liderar a insurgência do norte do Cáucaso. Segundo funcionários russos de segurança, foi ele que ordenou, em 2012, que uma atacante suicida matasse o xeque sufí Said-Afandi Chirkeisky. Em uma gravação de áudio do mês de janeiro, Kebekov condena o “nacionalismo” e o “espírito nacionalista” dos chechenos do Emirado do Cáucaso.

Tal retórica pretende distanciar ainda mais o grupo do movimento nacionalista checheno original dos anos 1990 e reforçar sua orientação jihadista, bem como lutar por um Estado islâmico sunita autônomo na Rússia, governado por uma rígida interpretação da shariá (lei islâmica). Enquanto se distancia da Chechênia, provavelmente fortalecerá suas operações no Daguestão, mediante uma forma menos agressiva da jihad.

Apesar de certa oposição, as últimas mostras de lealdade indicam que algumas jamaats e certos chechenos influentes que manejam canais estratégicos de financiamento e de comunicação para o Emirado do Cáucaso, estão aceitando a liderança de Kebekov. Sua escolha também indica que esse Emirado pode estender sua missão para além da região do Cáucaso norte. Operações recentes fornecem evidências sólidas dessa possível virada.

Desde 2011, centenas de insurgentes deixaram a Rússia para se integrarem à Frente Al-Nusra, filiada à Al Qaeda, na guerra civil síria. A organização também buscou assumir operações na região russa do Volga e dos Urais. Em 2012, os Mujahidines do Tartaristão, um grupo extremista muito ligado ao Emirado do Cáucaso, cometeu uma série de ataques contra líderes religiosos muçulmanos na cidade russa de Kazan. Mais recentemente, atacantes suicidas do Daguestão mataram dezenas de pessoas em um atentado contra um ônibus e uma estação de trem em Volgogrado.

No momento, as autoridades russas parecem decididas a continuar aplicando mão dura contra a insurgência. No dia 19 de março, o secretário do Conselho de Segurança russo, Nikolai Patrushev, convocou uma reunião de governo na Chechênia para discutir como anular os canais de financiamento dos insurgentes e deter a ameaça de ataques fora do Cáucaso norte. Mas, ao que parece, não foram avaliadas as consequências da mudança de comando no Emirado do Cáucaso.

As forças russas de segurança eliminaram chefes extremistas e centenas de insurgentes no norte do Cáucaso nos últimos anos, desferindo duros golpes na organização. Ainda assim, não faltam novos recrutas para o Emirado do Cáucaso, devido ao atropelo russo dos direitos básicos da população, incluídas a liberdade religiosa e a igualdade social e econômica, e a corrupção em grande escala.

Alguns observadores indicam que, nas atuais circunstâncias, a ameaça representada pelo Emirado vai aumentar. “A crescente importância da estrutura de decisão do Emirado do Cáucaso representa um risco maior de ataques terroristas a locais turísticos e redes de transporte dentro da Rússia”, escreveu o acadêmico Jean-François Ratelle, da Universidade George Washington, em uma análise. Envolverde/IPS

* Peter J. Marzalik é um analista independente de assuntos islâmicos na Federação Russa. Este artigo foi publicado originalmente no EurasiaNet.org.