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Índia aposta em remédios grátis para todos

Protestos de pessoas com HIV em Nova Délhi. Foto: Mathur/IPS

 

Pequim, China, 12/11/2012 – Com a expansão de um ambicioso programa de saúde universal no Estado indiano de Rajasthan, o descontentamento dos médicos é indiretamente proporcional à alegria dos 68 milhões de pessoas que se beneficiarão dele. Há pouco mais de um ano, o governo estadual começou a fornecer grátis e de forma maciça medicamentos genéricos, privando os médicos de receitarem variedades mais caras e de marca.

Atualmente são distribuídos cerca de 350 remédios genéricos gratuitamente, o que levou ao aumento de 60% no número de pacientes ambulatoriais e de 30% dos internados, apesar da superpopulação, da falta de pessoal nos hospitais públicos e de as pessoas terem que percorrer longas distâncias até chegarem a um deles. Aproximadamente 200 mil pessoas já estariam se beneficiando do programa, segundo a imprensa.

“Isto rompeu a conveniente relação que gozaram médicos e laboratórios durante décadas”, disse Nirmal Kumar Gurbani, assessor da Corporação de Serviços Médicos de Rajasthan, criada pelo ministro-chefe, Ashok Gehlot, para gerir o programa. O especialista falou durante o Segundo Simpósio Mundial de Pesquisas sobre Sistemas de Saúde, realizado na semana passada em Pequim.

Gurbani, também professor do Instituto Indiano de Pesquisa e Gestão em Saúde, disse que o “modelo Rajasthan” é usado como piloto para uma iniciativa semelhante em escala nacional, e que poderia oferecer medicamentos grátis aos 1,2 bilhão de habitantes do país. Um dos objetivos do programa é acabar com a manipulação de preços por parte das farmácias e dos laboratórios.

“Por exemplo, a Cipla fabrica três tipos de comprimidos para gripe com os mesmos componentes. Vende o genérico para as farmácias ao preço por atacado de duas rúpias (US$ 0,03) por caixa com dez comprimidos, e as versões de marca vende por 23 rúpias (US$ 0,42)”, contou Gurbani à IPS. “A farmácia revende os três por um valor entre 27 e 29 rúpias (entre US$ 0,50 e US$ 0,72), segundo o preço de lista. Assim, o paciente fica à mercê de médicos e farmácias e tomará o que lhe for recomendado” pelo profissional, acrescentou.

Para enfrentar esta prática, o governo compra os genéricos diretamente do fabricante, e “criou uma infraestrutura para fornecê-los diretamente aos pacientes por intermédio de 13.874 centros de distribuição” aprovados, explicou Gurbani. Os pacientes em tratamento com doenças crônicas, como diabete ou cardiopatias, agora podem assumir os custos. “Uma marca particular de remédio para diabete custa 117 rúpias (US$ 2,17), mas nós compramos dez comprimidos genéricos por 1,97 rúpia (US$ 0,036)”, detalhou Gurbani, ressaltando que a diferença de preço não compromete a eficácia nem a qualidade do tratamento.

Gurbani, ex-secretário do Comitê de Listagem de Medicamentos Essenciais para o governo de Rajasthan, pontou que o gasto médico é a segunda causa mais comum de endividamento em áreas rurais. Com base em dados oficiais, disse na conferência de Pequim que mais de 40% dos pacientes hospitalizados na Índia devem pedir um empréstimo ou vender bens para enfrentar o custo do tratamento, e que estes gastos deixaram na pobreza 35% deles. Na verdade, os custos inacessíveis fizeram com que 23% das pessoas doentes deixassem de consultar um médico. E o gasto com saúde atingiu cifras astronômicas em razão da falta de profissionais.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Índia tem 6,5 médicos para cada dez mil pacientes. Menos da metade da China, onde são 14,2, e bem abaixo da Grã-Bretanha, com 27,4. Apenas os remédios constituem entre 50% e 80% do custo da saúde na Índia, país considerado a “farmácia do mundo”, lamentou Gurbani. A indústria farmacêutica indiana é a terceira do mundo por seu volume, com produção anual equivalente a US$ 25 bilhões, e vendas locais de US$ 12 bilhões.

A exportação de medicamentos chegou a US$ 13,2 bilhões no ano passado, e o governo prevê chegar a US$ 25 bilhões até março de 2014. No entanto, destacou Gurbani, “dois terços da população não tem acesso regular a remédios essenciais”. Segundo ele, “Rajasthan tem um movimento popular muito forte, e com gente como Samit Sharma à frente da Corporação de Serviços Médicos de Rajasthan, isto estava destinado a dar certo”.

Ravi Narayan, médico especializado em saúde pública e integrante da Rede Toda Índia de Ação por Medicamentos, disse à IPS que Tamil Nadu, um Estado com 72 milhões de pessoas, também oferece remédios gratuitos à população e que Karnataka segue esse modelo. Ao apontar para uma cobertura de saúde universal na Índia dentro de dois anos, já foram orçados US$ 55,9 milhões para financiar o programa em escala nacional, que se espera forneça medicamentos gratuitos a 52% da população até 2017. O governo entrará com 75% do total e os Estados dividirão o restante.

O projeto de cobertura de saúde universal da Índia contém muitos aspectos do implantado em Rajasthan, como a compra centralizada, as regulações para garantir que os médicos receitem remédios genéricos e não de marca, uma lista dos medicamentos “permitidos” e uma distribuição restrita a centros de saúde estatais. “É possível não apenas na Índia, mas em todo o mundo”, insistiu Gurbani.

“Conceitualmente, o modelo é sólido, mas há dificuldades políticas”, disse à IPS o diretor executivo da Aliança para a Pesquisa de Sistemas de Políticas de Saúde da OMS, Abdul Ghaffer. “Deve haver uma harmonia entre governo central, os 28 Estados e os sete territórios da união da Índia”, ressaltou. Com um sistema de saúde pública já carente de recursos e com problemas para cobrir as necessidades de seus 1,2 bilhão de habitantes, 40% dos quais são pobres, trata-se de um grande desafio ampliar o programa para todo o país. Envolverde/IPS