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Honduras entra na guerra antidrogas com uma extradição

O suposto narcotraficante Carlos “El Negro” Lobo, após ser preso por um esquadrão especial da polícia de Honduras, na cidade de San Pedro Sula, no dia 3 de abril. Foto: Cortesia do Ministério Público
O suposto narcotraficante Carlos “El Negro” Lobo, após ser preso por um esquadrão especial da polícia de Honduras, na cidade de San Pedro Sula, no dia 3 de abril. Foto: Cortesia do Ministério Público

 

Tegucigalpa, Honduras, 14/5/2014 – A extradição para os Estados Unidos do primeiro suposto traficante de drogas por Honduras abre nesse país uma nova fase na luta contra o tráfico de drogas e o crime organizado, afirmam analistas ouvidos pela IPS. Carlos Arnoldo Lobo, de 38 anos, conhecido como “El Negro” Lobo, foi extraditado na noite do dia 8 para ser julgado nos Estados Unidos por crimes de conspiração e narcotráfico, no primeiro caso desde que esse mecanismo jurídico foi introduzido na Constituição em 2012.

Segundo especialistas, a medida deve representar o início de uma etapa irreversível na desarticulação das redes criminosas de narcotráfico que operam nesse país da América Central, que passou de ponte a processador, consumidor e local de comércio, embora em menor escala.

O jurista especialista em drogas Roberto Velásquez apontou à IPS que a extradição de Lobo representa “muitos desafios, especialmente políticos, porque por trás dele há redes criminosas que a qualquer momento podem reagir”. O jurista destacou que “a pergunta é se o Estado será capaz de responder a essa reação quando existem áreas onde o narcotráfico controla grande parte da institucionalidade, e a violência, alimentada em parte pela disputa de praças entre os cartéis, segue sua espiral ascendente”.

A extradição de Lobo por Honduras foi como um filme de suspense, pois ninguém viu como foi levado, as câmeras de televisão conseguiram captar apenas quando os helicópteros da marinha dos Estados Unidos aterrissavam em um batalhão militar para recolher o suposto capo hondurenho. Lobo estava nas instalações do primeiro batalhão de infantaria, ao sul de Tegucigalpa, de onde foi levado para Palmerola, no vale de Comayagua, onde desde a década de 1980 funciona uma base militar norte-americana com 1.200 soldados. Dali, Lobo foi conduzido aos Estados Unidos.

Uma pequena chuva precedeu sua saída, enquanto nos arredores do batalhão seus familiares viam impotentes a partida de Lobo, que as autoridades consideram um dos principais transportadores marítimos de drogas da Colômbia, Panamá, México, Guatemala, Honduras e Costa Rica para os Estados Unidos. Sua mãe, Cândida Rosa Lobo, de pouco mais de 50 anos, contou que não deixavam que visse seu filho antes da partida, mas que finalmente os encarregados de sua guarda cederam e se despediu chorando.

Lobo foi capturado no dia 27 de março na cidade de San Pedro Sula, a 250 quilômetros da capital, e levado para uma cela de segurança máxima na Penitenciária Central de Tegucigalpa. Mas, diante de supostas tentativas de fuga, foi levado, no dia 3 de abril, para as instalações do primeiro batalhão de infantaria. Ali permaneceu sob a guarda de forças militares hondurenhas e norte-americanas, segundo contaram à IPS promotores antidrogas, à espera de que o juiz especial encarregado decidisse se procederia ou não sua extradição, que por fim aconteceu em 21 de abril.

Os advogados de Lobo entraram com uma apelação, mas o pleno de máximos magistrados do Poder Judiciário ratificou por unanimidade, no dia 2, a decisão de extraditá-lo. No dia 8, a defesa esgotou sem êxito o último recurso, e o Ministério das Relações Exteriores hondurenho notificou a embaixada norte-americana de que podia extraditar Lobo quando quisesse.

Em rede nacional de rádio e televisão, o presidente Juan Orlando Hernández confirmou que o processo estava concluído, após afirmar que o país entrava em uma “etapa inédita” de sua história. “Isso demonstra nossa disposição em trabalhar dentro das regras da convivência das nações, e que Honduras colabora de maneira responsável com a justiça de outro país, neste caso os Estados Unidos, que o julgará”, acrescentou.

Uma reforma constitucional em janeiro de 2012 habilitou a expatriação de hondurenhos por crimes de terrorismo, narcotráfico e crime organizado. O Estado decidiu legalizar a extradição, depois que, em 1988, outro hondurenho, Ramón Matta Ballesteros, foi levado ilegalmente para os Estados Unidos por forças norte-americanas, provocando um alvoroço político e protestos que culminaram com a queima parcial do edifício da embaixada desse país em Honduras.

Ballesteros está preso nos Estados Unidos, em uma cadeia de máxima segurança, pagando por crimes de narcotráfico e suposta cumplicidade no assassinato do agente da Agência Antidrogas dos Estados Unidos (DEA), Enrique “Kiki” Camarena, cometido no México em 1985. Afirma-se que tinha ligações com cartéis mexicanos e colombianos, enquanto sua família luta sem êxito por sua repatriação.

Lobo é originário da comunidade de Esparta, no caribenho departamento de Atlântida. Em sua cédula de identidade tem a profissão de jornaleiro, para depois despontar como “próspero” empresário da pesca. Há dois anos, a promotoria contra o crime organizado confiscou cerca de 46 propriedades suas, entre casas, iates e terrenos, e contas bancárias em uma operação realizada em três regiões do litoral atlântico: Islas de la Bahía, La Ceiba e San Pedro Sula, seus principais centros de operação. Suas propriedades estavam em nome de supostos “laranjas”, segundo a autoridade. Novas propriedades foram confiscadas depois de sua prisão.

Um analista político e catedrático universitário consultado pela IPS sob reserva de seu nome, afirmou que “Honduras parece estar entrando em uma fase mais frontal na guerra contra as drogas. Esperamos que essa extradição não seja apenas simbólica, mas que toque fundo as redes criminosas com fortes ligações políticas e econômicas. A guerra será feroz”.

Em um comunicado divulgado no dia 9, a embaixada dos Estados Unidos em Tegucigalpa felicitou a decisão “histórica” de Honduras, após qualificá-la de “clara mensagem” a quem coloca em risco a segurança dos hondurenhos de que não poderão “se esconder da justiça”. Os Estados Unidos colocaram em sua lista de traficantes procurados outros hondurenhos: os empresários José Miguel Handal, conhecido como “Chepe” Handal, e os irmãos Javier e Leonel Rivera, do cartel de Los Cachiros. Todos eles operam no litoral atlântico.

Não se sabe se os Estados Unidos colocaram esses nomes em uma lista de outros sete extraditáveis que haviam solicitado a Honduras. O governo de Hernández atribui a violência ao fato de por esse território passar 80% da droga que vai para o maior consumidor do mundo, os Estados Unidos. E também responsabiliza o tráfico por esse país ter o maior índice de homicídios do mundo. O escritório das Nações Unidas Contra a Droga e o Crime informou em maio que houve no país, em 2012, 90,4 homicídios intencionais para cada cem mil habitantes. Envolverde/IPS