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Gravidezes de adolescentes com HIV avançam nos Camarões

Camarões registra uma redução apenas moderada das novas infecções com HIV, segundo a Onusida. Foto: Nastasya Tay/IPS
Camarões registra uma redução apenas moderada das novas infecções com HIV, segundo a Onusida. Foto: Nastasya Tay/IPS

Iaundé, Camarões, 30/10/2013 – “A vida é curta e bela; viva plenamente”. Esse é o lema de Beatrice M. (nome fictício), segundo afirma com um amplo sorriso. Essa mãe camaronesa de 20 anos convive com o vírus da deficiência imunológica humana (HIV), causador da aids, e se nega a sentir-se derrotada por suas novas circunstâncias. Beatrice, estudante do segundo ano de antropologia na Universidade de Yaoundé, soube que estava grávida e que era portadora de HIV aos 18 anos.

“Quando o médico me deu a notícia pensei que minha vida estava acabada. Mas meu ginecologista me submeteu a tratamento com Zidolam (um antirretroviral) para impedir a infecção do bebê, e disse que as coisas sairiam bem”, contou à IPS. Seu médico tinha razão: sua filha, agora com dois anos, é HIV negativa. “A gravidez não foi desejada. Meu noivo me pediu para abortar, mas neguei. Quando lhe contei que era HIV positiva me disse que havia feito um exame e que ele não era portador do vírus. Depois me deixou”, acrescentou.

Na época, Beatrice estava no quinto mês de gestação. Ela acredita que foi seu noivo, de 25 anos e estudante na mesma universidade, que a infectou. Ela era virgem quando se conheceram, explicou. Segundo Flavien Ndonko, antropólogo da Agência Alemã de Cooperação Internacional (GIZ), entre 20% e 30% das camaronesas com idade entre 15 e 21 anos têm gravidez não desejada.

O informe de 2013 do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/aids (Onusida) a respeito da epidemia global de aids indica que 4,2% dos 19 milhões de habitantes de Camarões são portadores do vírus. As mulheres e os jovens são os mais afetados. Esta nação da África ocidental está entre só 20 países prioritários para a Onusida no continente, e mostra apenas uma redução moderada das novas infecções.

Beatrice conheceu essas estatísticas depois de inteirar-se de sua nova situação. “Durante nossa relação, nunca pensei em métodos anticoncepcionais ou na adis. Havia ouvido sobre eles, mas não senti que tivesse algo a ver comigo”, afirmou. Enquanto cursava o ensino secundário, não se interessou em assistir o programa Educação para a Vida e o Amor, existentes as escolas desse nível educacional em todo o país.

A trabalhadora social Arlette Ngon afirmou que Camarões precisa de um novo enfoque para criar consciência. “Além dos cursos de ciência, o programa Educação para a Vida e o Amor é a única instância escolar em que se debate sofre infecções transmitidas sexualmente e aids. A mensagem não parece estar chegando aos jovens”, advertiu. Yvonne Oku, da Rede Nacional de Associações de Tias, acredita que se deve fazer muito mais para reduzir a proporção de novas infecções. Essa rede não governamental ensina a prevenir a gravidez na adolescência e o HIV com intermédio de “tias”, que, na realidade, são jovens mães capacitadas em matéria de saúde.

O antropólogo Aubin Ondoa explicou à IPS que o principal fator de risco para as jovens é o início precoce da atividade sexual, combinado com uma flagrante falta de informação. Segundo o Fundo de População das Nações Unidas, a idade média da primeira relação sexual em Camarões é de 15,8 anos, enquanto uma em cada três jovens entre 20 e 24 anos foi mãe antes de completar os 18 anos. “Além disso, as jovens são os principais objetivos de homens mais velhos que lhes dão dinheiro”, apontou Ondoa.

Para muitas mulheres jovens, que estão mal informadas e têm renda escassa ou nula, as consequências de manter relações sexuais sem usar preservativo são gravidez e HIV. Agora Beatrice usa camisinha com seu novo parceiro, um professor secundário e HIV negativo, que conhece a condição dela e quer se casar. Mas ela se nega, por medo de infectá-lo. Sua preocupação é que casando deixem de usar preservativos.

A Geração Positiva, uma organização de combate à aids criada em 1998 e que conta com 60 membros, na maioria estudantes, foi uma fonte de apoio para Beatrice. O grupo a ajudou a aceitar que vive com HIV. A jovem decidiu manter segredo de sua situação. “Meus pais não estão prontos. Prefiro deixá-los na escuridão. Temo o estigma”, explicou.

Como vive com suas duas irmãs, tem de ser muito discreta para que elas não descubram a realidade. “Sou muito reservada. Seria difícil se alguém soubesse que tomo remédios em horas determinadas”, pontuou Beatrice. Inclusive, leva sua filha, que vive com seus pais em uma aldeia no oeste do país, até Yaoundé para exames médicos. Ela conta que na aldeia “não existe o segredo profissional médico”.

Em Camarões, a medicação antirretroviral é gratuita; só é preciso pagar pela contagem hematológica bianual e os exames de células CD4, que custam cerca de US$ 34. “Seria difícil se tivesse de pagar tudo”, ponderou Beatrice. Os pacientes que vivem em áreas afastadas não são tão afortunados. Frequentemente precisam viajar 44 quilômetros a pé, através de uma floresta, para ter acesso a um centro de saúde.

Beatrice está orgulhosa de sua pequena filha e gostaria de aumentar a família, mas também gostaria que o pessoal da saúde tivesse uma atitude mais profissional. “Durante o parto sangrei, mas a parteira se negou a fazer a sutura. Também se negou a levar minha filha para fazer os exames de rotina”, recordou entre lágrimas. Para ela, esse comportamento não passa de uma forma de estigmatização. E, apesar disto, continua apostando em viver a vida plenamente. Envolverde/IPS

O HIV em Camarões

As novas infecções entre meninos e meninas diminuíram mais de um quarto desde 2009.

Foram registradas poucas mudanças na quantidade anual de mulheres entre 15 e 49 anos infectadas com o vírus. O número foi de 21 mil em 2012, igual em 2009.

Quase 2% das mulheres e 1% dos homens entre 15 e 24 anos vivem com HIV.

Das mulheres solteiras entre 15 e 24 anos, 60% usaram preservativo em sua última relação.

Uma em cada três jovens entre 20 e 24 anos foi mãe antes dos 18.