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Gravidez, HIV, malária... e mais um comprimido

A malária é particularmente perigosa para as grávidas que são HIV positivas e seus bebês. Dormir sob um mosqueteiro e tomar comprimidos antimalária são algumas das medidas preventivas. Foto: Mercedes Sayagués/IPS
A malária é particularmente perigosa para as grávidas que são HIV positivas e seus bebês. Dormir sob um mosqueteiro e tomar comprimidos antimalária são algumas das medidas preventivas. Foto: Mercedes Sayagués/IPS

 

Lusaka, Zâmbia, 29/4/2013 – A zambiana Martha Nalishupe se debate entre incluir mais um comprimido em seu tratamento diário de antirretrovirais ou correr o risco de perder sua gravidez. Além de fazer sua terapia antirretroviral contra o vírus HIV, causador da aids, agora tem acrescentar novo medicamento para prevenir a malária.

Ela deve tomar os remédios contra a malária só três vezes a cada quatro semanas, até dar à luz, mas Nalishupe tem suas prevenções. “Já tenho de tomar meus antirretrovirais, agora esses comprimidos. Não gosto de tomar comprimidos, deixam um gosto ruim na boca, mas a enfermeira disse que se contrair malária posso perder meu bebê”, afirmou.

Ruth Malikaso está grávida de cinco meses e é HIV negativa. Faz tratamento de profilaxia contra a malária com o remédio Fansidar. Ela contou que “dá náuseas, mas, por outro lado, não quero ficar doente próximo ao parto”.

A parteira de ambas, Keren Zulu, é categórica com as mulheres da clínica Chawama, na periferia de Lusaka. “Se desconfio que não tomam sua medicação, faço com que a tomem na minha frente. Isso nem sempre me converte na parteira preferida, mas não participo de um concurso de popularidade”, explicou à IPS.

Zulu segue o protocolo da Organização Mundial da Saúde (OMS): todas as grávidas de áreas com alta prevalência de malária recebem tratamento preventivo no segundo trimestre de gestação e devem dormir protegidas por mosquiteiros tratados com inseticidas. Para as grávidas HIV positivas, a OMS recomenda um tratamento com o antibiótico Septrin, e para as demais as três cápsulas de Fansidar.

A malária é particularmente perigosa para as mulheres grávidas porque baixa sua imunidade. A OMS a qualifica como um problema sanitário importante, com efeitos adversos como anemia, baixo peso ao nascer, prematuridade, morte materna, morte do feto e aborto espontâneo. Zulu disse que vale a pena suportar os efeitos secundários da medicação durante um par de dias. “Vi muitas mães e bebês morrerem ou sofrerem por não terem seguido esse simples tratamento”, acrescentou.

Para mulheres HIV positivas como Nalishupe, a situação é especialmente precária. Em um sistema imunológico comprometido como o seu, a malária severa aumenta a carga viral e acelera o avanço para a aids. A pesquisa sugere que contrair malária durante a gravidez pode aumentar o risco de transmissão do HIV de mãe para filho no útero, durante o parto e na amamentação.

Valentina Buj, especialista em saúde do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), enfatizou a necessidade dos cuidados pré-natais e da prevenção da malária. “A malária é frequentemente assintomática quando o parasita se instala na placenta”, explicou. É vital que as mulheres sejam diagnosticadas adequadamente, porque os sintomas da malária são semelhantes aos de uma gravidez e aos de infecções relacionadas com o HIV, como febre, náuseas, vômitos e dor de cabeça.

A superposição geográfica das epidemias de HIV e malária apresenta problemas especiais. Um estudo do Unicef mostra que a maior carga de coinfecções é registrada na África, o continente com maior carga de malária e onde vivem mais de três quartos de todas as mulheres infectadas com HIV. Os países mais afetados pelas coinfecções de HIV e malária são República Centro-Africana, Malawi, Moçambique, Zâmbia e Zimbábue, onde 90% dos adultos estão expostos à malária e a prevalência média do HIV entre adultos supera 10%.

A OMS descreve uma interação negativa: o HIV aumenta o risco de contrair malária, bem como o desenvolvimento de malária clínica. Já a malária aumenta a replicação do HIV, e um tratamento antimalária pode falhar em adultos com HIV e baixa imunidade. As grávidas que vivem com HIV são duas vezes mais suscetíveis à malária clínica, segundo o Unicef, enquanto as crianças correm riscos especiais. A malária em mulheres com HIV pode restringir o crescimento fetal, causar baixo peso em bebês e reduzir a transferência de imunidade mãe-filho para doenças infecciosas como a pneumonia causada por estreptococo, o tétano e o sarampo.

Kebby Musokotwane, médico do Ministério de Desenvolvimento Comunitário, Saúde Materna e Infantil, disse à IPS que em Zâmbia uma em cada seis grávidas é HIV positiva. “Isso é bastante alto”, admitiu. O país realiza exames de HIV nas grávidas na primeira consulta pré-natal. As que têm resultado positivo são imediatamente submetidas a tratamento antirretroviral e contra a malária. O problema, acrescentou, é que muitas mulheres começam tarde os cuidados pré-natal. “Há alguns mitos quanto a anunciar a gravidez antes do tempo, por isso as mulheres esperam até que esta esteja avançada antes de ir ao médico”, explicou.

Buj confirmou que o comparecimento aos serviços pré-natal é muito baixa na maioria dos países africanos. Malikaso foi a uma clínica para obter seu cartão pré-natal apenas no último mês de gestação, o que lhe garantirá uma cama, a certidão de nascimento e cuidados pré-natal.

Os tabus sobre falar da gravidez atrasaram a primeira visita de Malikaso à clínica. “Nos ensinam a não avisar no começo da gestação porque se estaria chamando pela má sorte”, explicou. “Culturalmente, supõe-se que a mulher não deve anunciar aos familiares ou a outras pessoas de seu convívio que manteve relações sexuais; eles simplesmente saberão”, acrescentou.

Em Zâmbia, a malária é a causa de 20% das mortes maternas, e a aids de 30%, segundo estimativas da Organização das Nações Unidas (ONU). Zâmbia distribuirá 5,6 milhões de mosquiteiros tratados com inseticida este ano. Isto é bom, pontuou Zulu, que este ano vai se aposentar. “Esperava ver eliminada a malária da gravidez no transcurso da minha vida”, lamentou. “A desesperança que toma conta de mim só é comparável à indignação de saber que é uma doença que pode ser prevenida, cuja solução está em uma pequena mudança na percepção que a mulher tem de sua saúde”, ressaltou. Envolverde/IPS