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Governo e guerrilha da Colômbia chegam a acordo em matéria agrária

A posse da terra em meio às discussões pela paz. Foto: Constanza Vieira/IPS

 

Havana/Bogotá, Cuba/Colômbia, 28/5/2013 – Delegados do governo de Juan Manuel Santos e das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) anunciaram, no dia 26, acordos sobre a política agrária, um passo importante nas conversações de paz que realizam há seis meses em Havana. A assinatura deste primeiro documento contendo os “principais aspectos que temos abordado é a porta de ouro” para a continuação dos demais temas que estamos próximos de desenvolver e concretizar, declarou à IPS um dos negociadores das Farc, Andrés París, pouco depois de ser anunciado o acordo.

Em sua opinião, “com isto já se pisa firme rumo a um acordo definitivo para o fim do conflito, processo que se fortalecerá na medida em que o governo se aprofundar em seu espírito de mudança e reforma. E, sim, os colombianos enxergam nestas aproximações um futuro de paz, e também mudanças que os beneficiam e melhoram suas condições de vida”. Um diplomata latino-americano próximo as conversações disse à IPS que é importante as partes em conflito terem chegado a uma aproximação de posições na questão do desenvolvimento rural e poderem avançar para os demais assuntos que constam da agenda.

A questão agrária é primeiro ponto das negociações para o fim do conflito, que começou em 1964, e para a construção da paz. Em um comunicado conjunto, os delegados acharam por bem intitular o acordo de “Para um novo campo colombiano: reforma rural integral”. O texto, porém, esclarece que tais acordos “estão condicionados” ao que se conseguir na totalidade da agenda, já que um dos princípios que “guiam estas conversações é que nada está acordado até que tudo esteja acordado”. Em declarações separadas, as duas partes falaram a respeito.

“Os acordos que construímos até agora, e aos quais chegaremos sobre os outros pontos da agenda de discussão, somente serão aplicados após termos o acordo completo para o fim do conflito. Ou seja: não há aplicação parcial dos acordos”, afirmou Humberto de la Calle, chefe da delegação do governo colombiano. Por sua vez, o comandante guerrilheiro Iván Márquez disse que se avançou, “com exceções pontuais que necessariamente deverão ser retomadas antes da concretização de um acordo final”. Ao que parece, entre os pontos em desacordo figuram a extensão dos latifúndios e das propriedades estrangeiras.

“Tudo isto será feito com pleno respeito pela propriedade privada e pelo Estado de direito. Os proprietários legais nada têm a temer”, assegurou La Calle, insistindo que o acordado permite transformar de modo radical a realidade rural da Colômbia, supera a visão tradicional de uma reforma agrária e objetiva o fim da brecha entre o país rural e o urbano. Fontes guerrilheiras garantiram à IPS que na Colômbia, onde não foi feita uma reforma agrária, existem latifúndios de até cem mil hectares, enquanto 87% dos camponeses carecem de terras. Outros dados indicam que o Índice Gini de desigualdade rural é de 0,87, um dos mais altos do mundo.

Segundo o comunicado, o acordado assinala o início de transformações radicais da realidade rural e agrária da Colômbia com equidade e democracia, buscando que o maior número de habitantes do campo sem terras ou com terras insuficientes possam ter acesso a elas mediante a criação de um Fundo de Terras para a Paz. Também inclui planos de moradia, água potável, assistência técnica, capacitação, educação, adequação de terras, infraestrutura e recuperação de solos.

“O acordo busca reverter os efeitos do conflito e fazer com que as vítimas do despojo e do deslocamento forçado sejam compensadas”, diz o documento. “Pensando nas futuras gerações de colombianos, o acordo delimita a fronteira agrícola, protegendo as áreas de especial interesse ambiental”, acrescenta. Também se propõe buscar uma base de proteção social para erradicar a fome por meio de um sistema de alimentação e nutrição.

O ciclo seguinte de conversações começará em 11 de junho, com a abordagem da participação política, segundo ponto da agenda da qual também constam o fim do conflito armado, solução do problema das drogas ilícitas, direitos das vítimas e mecanismos para verificar e referendar o acordado. O presidente Juan Manuel Santos comemorou o acordo alcançado como um “passo fundamental para um pleno acordo visando acabar com meio século de conflito”. Em seu Twitter escreveu: “Continuaremos com o processo com prudência e responsabilidade”.

Nesta etapa “tais acordos não podem ser muito concretos. São apenas um marco, a abstração do acordo geral”, disse à IPS o sociólogo Alfredo Molano, conhecedor do conflito pela terra. Depois virá um procedimento semelhante a respeito dos outros cinco pontos, e o passo seguinte será concretizar e inclusive dar números a este esforço, acrescentou.

Molano destacou o fato de entre os pontos de consenso estar a formalização progressiva de todas as terras ocupadas ou de posse dos camponeses na Colômbia. “Aí estamos falando de dois milhões de hectares. Atualmente existem zonas de reserva camponesa (ZRC) com um total de 800 mil hectares e estão sendo formadas outras oito que somam 1,2 milhão de hectares”, disse à IPS.

As ZRC são uma iniciativa camponesa de propriedade coletiva. Foram reconhecidas por lei em 1994, embora continue sendo travada uma batalha para seu reconhecimento pleno. Na verdade, freiam a constante ampliação da fronteira agrícola sobre as florestas e são consideradas uma boa fórmula para reverter a crescente ampliação do latifúndio. Hoje em dia, 50 ZRC esperam por legalização, o que significa um milhão de camponeses e oito milhões de hectares. Envolverde/IPS