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Gaza já tem seu mapa turístico

Palácio Pasha, atualmente um museu que exibe antiguidades do território palestino de Gaza. Foto: Eva Bartlett/IPS

Gaza, Palestina, 5/4/2013 – “Queríamos ajudar os estrangeiros, por isso criamos um plano em inglês da cidade”, explicou Amir Shurrab, um dos criadores do Mapa Turístico de Gaza. Em 2009, quando era professor do Colégio Universitário de Ciências Aplicadas (Ucas), Shurrab liderou uma equipe de estudantes e profissionais do Sistema de Informação Geográfica (SIG) para fazer um mapa com todas as ruas de Gaza.

“O trabalho do SIG costuma ser feito com ajuda de satélites, mas as autoridades israelenses de ocupação nos impediram de usar o mais próximo. Assim, tivemos que usar outro, mais distante”, afirmou Shurrab. “Também queríamos compartilhar a beleza e a cultura de Gaza para mostrar um rosto diferente do que se vê na mídia”, acrescentou, se referindo às imagens de palestinos mutilados e assassinados por tiros e bombas israelenses.

O mapa, também disponível na internet, é uma representação do mais memorável da cidade, e mostra de maneira otimista barcos pesqueiros, uma ironia para quem se dedica a essa profissão e sofre diariamente tiroteios, bombardeios e confiscos da marinha israelense. Entre os pontos de interesse, as organizações não governamentais superam tudo o mais, seguidas de farmácias, comércios e mesquitas.

Lugares como o Palácio Pasha, uma antiga prisão do protetorado britânico e atual museu de antiguidades, bem como a Grande Mesquita e a casa de banhos turcos são alguns dos locais históricos que não foram totalmente destruídos pelos bombardeios de Israel. Outros locais, embora não de interesse turístico, também merecem menção por serem parte importante da história recente de Gaza. Um deles é a sede da companhia aérea palestina, inutilizada após os reiterados bombardeios contra o único aeroporto deste território.

As farmácias identificadas, e as que não figuram no mapa, podem ter ou não suprimentos e medicamentos vitais. O sítio imposto por Israel sobre a Faixa de Gaza gerou escassez de remédios que já dura anos. Em janeiro passado, a farmácia central de Gaza carecia de 32,7% dos 480 medicamentos essenciais e 52,2% dos 902 suprimentos médicos descartáveis básicos, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU).

Na cidade velha, o mercado Saaha é a chave para a venda de produtos agrícolas, especiarias e roupas, e embora muitas de suas ruas e de seus edifícios estejam destruídos por bombas israelenses, a velha arquitetura permanece intacta em várias partes. Não longe dali, um cartaz na entrada do principal prédio da municipalidade de Gaza recorda aos visitantes a proximidade da futura capital do Estado palestino, Jerusalém oriental, e da amarga ironia de que embora esteja a apenas 78,96 quilômetros, segundo diz, a maioria dos moradores de Gaza não possa visitá-la.

A organização israelense defensora dos direitos humanos Gisha disse que as autoridades de Israel proíbem, desde 2000, que os moradores de Gaza estudem na Cisjordânia e em Jerusalém. A impossibilidade de ir de um lugar a outro vigora para quase toda a população deste território, salvo para os pacientes que precisam ser levados a hospitais fora de Gaza. Amir Shurrab destacou o desejo da população palestina de viajar entre Gaza, Cisjordânia e Jerusalém. “A maioria dos palestinos não viaja de Gaza para a Cisjordânia e vice-versa. Os moradores de Gaza estão obrigados a permanecerem em uma grande prisão toda sua vida”, ressaltou.

Com intenções semelhantes às do Mapa Turístico de Gaza, o Ucas dedicou uma página na internet a promover este território e o turismo, na qual destaca histórias e lugares bonitos, bem como informação prática sobre clima, moeda, cultura e economia. No item economia, o Ucas destaca a dependência histórica de Gaza na agricultura e exportação, bem como na fabricação de móveis, alimentos e têxteis. Também menciona o turismo como uma atividade fundamental, bem como a pesca e o comércio, que agora são impraticáveis pela ocupação e pelo bloqueio israelense que vigora desde 2006, quando virtualmente foram proibidas todas as exportações a partir da Faixa de Gaza.

Um passeio pela cidade de Artes e Artesanato, perto da Universidade Islâmica, oferece uma mostra da cultura e da variedade de produtos produzidos e exportados pela assediada Faixa de Gaza. Roupas bordadas e artigos de decoração, bem como cerâmicas, azulejos e pinturas são alguns dos artesanatos exibidos nos próprios edifícios, que são exemplo da antiga arquitetura com construções de terra.

O hotel Al-Deira, na costa da cidade de Gaza, é um dos poucos da Faixa e dos poucos que não ficaram muito danificados ou destruídos pelas bombas de Israel. Além de receber delegações solidárias, de abrigar jornalistas estrangeiros e oferecer alimentação para o pessoal das organizações internacionais, o Al-Deira é uma válvula de escape para as pouquíssimas pessoas dos 1,7 milhão de moradores de Gaza que podem se dar o luxo de comer e fumar um narguilé em um restaurante.

Rami Mortejer, de 35 anos e diretor do Al Badia, disse que este conhecido restaurante ia bem melhor quando as fronteiras estavam abertas e chegavam alguns turistas. “Quando não havia bloqueio, vinha mais gente. Amavam a decoração”, afirmou, se referindo às vigas de madeira, às mesas e às cadeiras, bem como aos almofadões bordados em cores vivas. “Agora, vêm estrangeiros a Gaza, mas não são turistas. Trabalham em organizações não governamentais”, acrescentou.

Apesar de seu entusiasmo pelos visitantes estrangeiros, Shurrab é pragmático sobre a vida na Faixa de Gaza. “Devido à difícil situação que se vive aqui e aos obstáculos criados pela ocupação, não creio que Gaza atraia turistas atualmente”, ponderou. Os cortes diários na eletricidade, de oito horas ou mais, os barulhentos geradores que emitem fumaça e as limitadas vias de entrada, que diminuem ao se cruzar a cidade de Rafah, na fronteira com o Egito e controlada por este país, fazem com que Gaza esteja longe de se converter em destino turístico.

Gaza atrai solidariedade, trabalhadores de organizações internacionais, jornalistas e ativistas que chegam para registrar a vida cotidiana sob o sítio e a ocupação militar israelense, e estão dispostos a lidar com as dificuldades da vida neste território, disse Shurrab. Muitos governos alertam seus cidadãos para não viajarem a este território palestino. “Por isso criamos o mapa turístico. Nossa mensagem é sejam bem-vindos a Gaza. A população é amigável e hospitaleira com os visitantes”, acrescentou. Envolverde/IPS