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Fugir da violência para agonizar em barracas

Vale do Rift, Quênia, 12/8/2011 – O acampamento de Mawingu, para os que fugiram da violência pós-eleitoral que açoitou o Quênia entre 2007 e 2008, é um lugar desolado. Localizado no Vale do Rift, é uma coleção de barracas deterioradas, a ponto de caírem. Além dos 120 meninos e meninas amontoados em uma aula de inglês, não há outro sinal de vida. Muitos dos que viviam aqui partiram em busca de empregos servis. Com sorte ganharão um dólar por dia de trabalho.

No meio do acampamento se destaca uma tenda esfarrapada de onde sai sua dona, Truphosa Achudo, segurando o lenço que usa na cabeça. “Acabo de tomar meus remédios. São fortes e estou fraca, por isso respiro com dificuldade”, disse. Achudo é portadora do HIV (virus causador da aids) e tem uma filha de apenas duas semanas de vida, Philomena Wambui. Ela ainda não sabe se a menina também está infectada.

Ao contrário das mães lactantes, Achudo não come frutas nem verduras, e nem mesmo bebe leite para nutrir-se e poder amamentar sua filha. Para ela, tudo isso é um luxo que não pode pagar. Sua dieta consiste apenas de milho, doado esporadicamente pelo governo. Quando acaba, seu marido, Samwel Njau, tem de encontrar algum trabalho sazonal para comprar alimentos. Todos os dias às sete horas da manhã parte em busca de algum dinheiro, apesar de sofrer de uma grave gripe. Entretanto, sua família não é a única que enfrenta dificuldades. As condições de vida no acampamento são deploráveis, e aumenta o número de pessoas com HIV. A insegurança alimentar e financeira é tremenda: a maioria só consegue uma refeição diária, pois depende da ajuda do governo, que chega uma vez em vários meses.

Há 2.300 pessoas neste acampamento, entre adultos e crianças. Muitos dos que vivem nele eram comerciantes informais antes da violência, e não tinham casa própria. Viviam em casas alugadas para as quais não regressaram porque ainda temem um renascimento dos confrontos. A violência política começou neste país depois que o presidente Mwai Kibaki foi declarado vencedor nas eleições. No pico do conflito, a Organização das Nações Unidas estimou que houve entre 350 mil e 500 mil deslocados. Embora o governo tenha conseguido reassentar várias destas pessoas, teve problemas para encontrar terras adequadas e formar novas comunidades. Além disso, muitos resistem às tentativas das autoridades de lhes destinar zonas áridas ou semiáridas.

O caso de Achudo é um exemplo do que acontece com as pessoas portadoras de HIV no acampamento. Ela teve o vírus diagnosticado em 2007, e imediatamente começou a tomar medicamentos antirretrovirais. Ainda está em tratamento no Hospital do Distrito de Olkalou, que fica próximo. Achudo também tem uma persistente tosse seca. Depois de visitar o posto de saúde, recebeu medicamentos para esse problema, e deve tomar 24 tabletes de pílulas por dia. “As drogas são fortes. Preciso comer bem para que elas trabalhem no corpo, mas não há alimentos”, disse. Ela tosse muito à noite, e reza para não ter uma recaída de tuberculose, que sofreu no começo deste ano. É uma doença oportunista que afeta muitos portadores de HIV no acampamento. Esta mulher encontra algum alívio ao integrar-se ao grupo de apoio a pacientes Tumaini, mas o desânimo prevalece no acampamento. No local há poucas latrinas, que ficam cheias de dejetos humanos. Quando chove, as barracas inundam. E a falta de higiene é um grande problema sanitário. As mulheres com HIV não podem comprar absorventes, por exemplo.

Porém, nem tudo é desesperança. O grupo de apoio é presidido pela esforçada Margaret Gathoni, para quem os que integram o grupo “se negam a morrer”. “Nos negam trabalhos sazonais porque alguns empregadores dizem que podemos infectar outros trabalhadores e amigos. Nossas companheiras no acampamento falam pelas costas quando passamos. A maioria de nós é viúva e nos sentimos vulneráveis”, disse Gathoni. O estigma social é um grande problema para as pessoas com HIV no Quênia, mas os membros deste grupo estão decididos a falar abertamente sobre sua condição. Das 45 pessoas do grupo, apenas duas são homens. A mais jovem é uma adolescente de 17 anos e a mais velha tem 60 anos. “Há mais de 250 pessoas com HIV neste acampamento. As mulheres procuram sair e aceitar sua condição, mas os homens se escondem e mantêm a doença em segredo, apesar de sabermos e nos encontrarmos com eles no hospital”, afirmou Gathoni. Envolverde/IPS