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Filhos de soldados herdam profissão forçada na RDC

Goma, República Democrática do Congo, 16/4/2013 – Os filhos de oficiais da polícia e do exército mortos na província congolense de Kivu do Norte são obrigados a seguir a profissão de seus pais para contribuir com o sustento familiar. Os jovens seguem o mesmo caminho de seus falecidos pais para não perderem o benefício, especialmente os serviços médicos e o alojamento nos barracões do exército.

“Meu pai era policial quando morreu, e queriam nos expulsar da casa do acampamento, mas não tínhamos para onde ir. Tivemos que buscar uma forma de manter a família unida e decidi ser policiai para ajudar no sustento da casa”, contou Pistchen Kalala, que entrou na força aos 20 anos. “Do contrário, teríamos ficado sem casa e sem assistência médica”, acrescentou.

O salário dos soldados congoleses, de aproximadamente US$ 80 mensais, é muito baixo, e pouquíssimos podem custear uma casa ainda que seja pequena. Após a morte de seu pai e posterior casamento de sua mãe com outro soldado, Dibwa Ntambwe, de 24 anos, uniu-se ao exército para que seus irmãos e suas irmãs continuassem gozando dos mesmos benefícios.

Cerca de três quartos dos soldados congoleses são filhos de ex-oficiais, segundo Agustin Lukubashi, presidente da Associação para o Desenvolvimento Integrado de Filhos do Exército e da Polícia. O próprio Lukubashi é filho de um soldado falecido. Os dados que ele maneja se baseiam em informação dos departamentos de comunicação da polícia e do exército em Goma, capital da província de Kivu do Norte.

“No geral, quando morre um militar, seus filhos recebem seu salário mensal, o que os incentiva a seguir a mesma profissão”, explicou Lukubashi à IPS. Havia uma política de que os filhos de soldados mortos continuassem recebendo o salário de seu pai até dois anos depois do falecimento. “Ter uma família militar significa levar uma vida militar em condições difíceis. Os filhos de oficiais do exército estão bem preparados para a vida” dentro da instituição, acrescentou.

Às vezes, são as próprias viúvas que incentivam os filhos a entrarem para o exército ou a polícia aos 18 anos, para protegerem suas famílias. “Quando meu marido morreu, queriam nos tirar a casa onde vivíamos, porque, quando morre um soldado, costuma-se esquecer de sua família”, disse Sifa Nyota. “Para continuar com os benefícios decidimos que meu filho mais velho tomaria o lugar do pai”, contou à IPS.

Organizações de direitos humanos nesta província consideram que isto viola os direitos dessas pessoas, pois muitos dos filhos de oficiais mortos não têm outra opção que não seja seguir os passos de seus pais. Elas afirmam que o Estado deve se encarregar da família do funcionário morto para que os filhos possam estudar e ter suas próprias carreiras. “A situação em que estão muitos jovens é inaceitável. O governo congolense tem que assumi-los e ter a responsabilidade de cobrir suas necessidades básicas e de segurança”, disse à IPS o presidente da Associação de Voluntários do Congo, Duffina Tabu.

Flavien Ciza, integrante do grupo de coordenação provincial de organizações da sociedade civil, explicou à IPS que “as condições de vida precárias, a pobreza e o desemprego estão na origem desta situação”. Segundo um estudo sobre a pobreza na República Democrática do Congo (RDC), realizada em 2011, “70% das famílias vivem com menos de um dólar por dia”. “O governo congolense deve pensar na educação dos jovens e oferecer-lhes uma renda mínima para que tenham um futuro seguro”, destacou Ciza.

“A situação atual também é prejudicial para o exército”, afirmou Tabu. “Este fenômeno enfraquece a força, pois envia homens sem experiência nem treinamento para o campo de batalha. Os jovens ficam por desespero ou por vingança, mais do que por convicção pessoal”, ressaltou. Envolverde/IPS