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Falta dinheiro para a paz na República Centro-Africana

Soldado da Missão Internacional de Apoio à República Centro-Africana (Misca), liderada pela União Africana. Foto: Domínio público
Soldado da Missão Internacional de Apoio à República Centro-Africana (Misca), liderada pela União Africana. Foto: Domínio público

 

Adis Abeba, Etiópia, 5/2/2014 – Cresce a preocupação de que a carência de fundos para as operações de paz na República Centro-Africana prejudique qualquer possibilidade de estabilizar esse país. “Os recursos destinados à crise são inadequados para semelhante tarefa”, alertou Peter Pham, diretor do Centro da África do instituto de pesquisa independente Atlantic Council, com sede em Washington.

“É para rir, no melhor dos casos, a ideia de que uns poucos milhares de soldados – mesmo bem treinados e equipados, como é o caso dos franceses e de alguns contingentes africanos, mas não de todos – são suficientes para dar segurança a uma área maior do que a França”, opinou Pham à IPS.

Pouco antes de as forças de paz na República Centro-Africana recuperarem, no dia 2, a estratégica cidade de Sibut, que tinha sido tomada pelos rebeldes, a comunidade internacional se comprometeu a reunir US$ 315 milhões para apoiar as operações nesse país, durante uma reunião de doadores em Adis Abeba.

Porém, analistas dizem que essa resposta é tardia e insuficiente para equipar a incipiente missão da União Africana e preencher o vazio de segurança no país com 5,2 milhões de habitantes, onde morreram pelo menos duas mil pessoas devido ao conflito. “É por isso que as forças limitaram suas atividades a Bangui, a capital, e a um ou dois lugares mais, enquanto o restante do território é inseguro”, afirmou Pham.

A violência inter-religiosa começou na República Centro-Africana em março passado, depois que Michael Djotodia, apoiado pelo grupo rebelde Séléka, derrubou o presidente cristão François Bozizé, no poder desde 2003. Os constantes enfrentamentos entre as milícias muçulmanas e cristãs fizeram fugir um quarto dos 4,6 milhões de centro-africanos e afundaram o país em uma sangrenta anarquia.

A União Africana (UA) lidera a Missão Internacional de Apoio à República Centro-Africana (Misca), integrada por 5.500 soldados e com apoio de outros 1.600 enviados pela França. Apham afirmou que os recursos prometidos pela comunidade internacional são insuficientes para deter a violência, que afeta não só este país como também ameaça se espalhar pela região.

Juntamente com a 22ª Cúpula da União Africana, encerrada em 31 de janeiro na capital da Etiópia, uma reunião de doadores concluiu com um acordo para arrecadar US$ 315 milhões. Mas, isso não basta para cobrir o orçamento operacional da Misca, estimado em US$ 409 milhões este ano. A maior doação individual foi a da Comunidade Econômica dos Estados da África Central, com US$ 100 milhões.

O Programa Mundial de Alimentos, da Organização das Nações Unidas (ONU), solicitou US$ 95 milhões aos doadores para atender a crise humanitária e dar assistência à população. A União Europeia (UE) deu US$ 61 milhões, metade deles para apoiar a Misca e o restante para a preparação de eleições gerais, para acelerar o retorno da ordem constitucional no país.

O bloco europeu também prevê enviar 600 soldados em março como apoio às forças da União Africana. “A UE está comprometida em apoiar financeiramente a União Africana para fornecer equipamentos às tropas. A Misca ainda está estabelecendo seu modo de agir, e tem urgente necessidade de equipamentos”, pontuou Nicholas Westcott, diretor para a África do Serviço Europeu de Ação Externa.

Embora a França tenha pedido que a ONU assumisse as operações de paz, a UA insiste que a Misca deve liderar os esforços durante pelo menos 12 meses. A Missão é formada por soldados de Burundi, Chade, Congo-Brazzaville, Gabão e Ruanda. A designação de Catherine Samba-Panza, prefeita de Bangui, como presidente no governo de transição também gerou esperanças de que comece um processo político e acabe o derramamento de sangue entre muçulmanos e cristãos. Samba-Panza assumiu após a renúncia de Djotodia em 10 de janeiro, devido à forte pressão internacional.

“O novo governo de transição não tem mais capacidade financeira do que o anterior, e no tocante à reconstituição das forças de segurança do Estado tem três vantagens”, segundo Thierry Vircoulon, do Grupo Internacional de Crise, com sede em Bruxelas. “Tem mais competência dentro de suas fileiras, maior legitimidade perante a população de Bangui e o apoio das forças de segurança africanas, francesas e europeias”, pontuou à IPS.

O novo primeiro-ministro interino, Andre Nzapayeke, esteve na reunião de doadores em Adis Abeba, e afirmou que seu país precisa “de um verdadeiro Plano Marshall” e que as promessas de ajuda econômica tinham “especial valor, considerando o período de crise econômica internacional”. Segundo Pham, para obter solução duradoura para a crise é preciso uma campanha de reconciliação e diálogo entre as partes em luta, bem como de mais fundos e equipamentos para as forças de manutenção da paz.

“O tipo de violência descoordenada e primitiva que vivemos na República Centro-Africana não pode ser detida apenas por uma força militar, já que tanto os assassinos potenciais como suas vítimas são em grande parte civis”, explicou Pham. “Por outro lado, são necessárias grandes forças policiais para prevenir múltiplas atrocidades em pequena escala durante um sustentado período de tempo e, então, um diálogo maior para restaurar a paz na comunidade”, acrescentou o analista. Envolverde/IPS