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Ex-chefe da Aiea pede o fim das ameaças de guerra contra o Irã

O ex-diretor da Agência Internacional de Energia Atômica, Hans Blix, alertou que na crise pelo programa nuclear iraniano todas as partes se “fecharam”. Foto: Dean Calma.

Washington, Estados Unidos, 24/2/2012 – Ainda que os inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) que esta semana visitaram o Irã não tenham ficado satisfeitos, o ex-diretor desse organismo Hans Blix pediu às partes que façam um esforço maior para afrouxar as tensões pelo programa nuclear iraniano e evitar uma guerra.

“Esperemos agora uma reunião entre iranianos e representantes do P5+1 (China, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Rússia e Alemanha), talvez em Istambul e logo, pois tememos que haja guerra”, alertou Blix, ex-chanceler da Suécia que dirigiu a Aiea entre 1981 e 1997, em uma conferência, no dia 21, no Capitólio, sede do Congresso norte-americano.

“Podemos sentar e sonhar com grandes soluções. Porém, no momento, devemos distender uma situação muito grave e perigosa”, afirmou Blix, que encabeçou uma missão de inspeção da Organização das Nações Unidas (ONU) no Iraque – em busca de armas de destruição em massa que nunca foram encontradas –, antes da invasão dirigida pelos Estados Unidos em 2003. Agora, Teerã é acusada por Israel, União Europeia e Estados Unidos de desenvolver armamento nuclear, enquanto o governo iraniano nega que seu programa atômico tenha fins bélicos.

Após dois dias de visita ao Irã, a segunda em menos de um mês, uma delegação de alto nível da Aiea expressou frustração, pois alguns de seus pedidos foram negados pelas autoridades iranianas. O chefe da Aiea, o japonês Yukiya Amano, declarou que houve “espírito construtivo” em Teerã, mas o Irã não aceitou a solicitação dos inspetores para visitarem a base militar de Parchin, 30 quilômetros a sudeste de Teerã, na qual estariam sendo realizados testes de armamentos, suspeita a agência.

Por sua vez, um porta-voz do governo do Irã insistiu que a cooperação com a Aiea “prossegue e está em seu melhor nível”. Porém, Blix acusou todas as partes de se “fecharem”. Em um livro publicado em 2004, Blix acusou o ex-presidente dos Estados Unidos, George W. Bush (2001-2009), e o ex-primeiro-ministro britânico, Tony Blair (1997-2007), de exagerarem a ameaça das armas de destruição em massa do Iraque para obter apoio de seus cidadãos e lançar a invasão. Atualmente, a tarefa mais urgente é reduzir a tensão entre Irã e Israel, que se intensificou nos últimos dois meses, e preparar “o caminho para mais conversações” a fim de evitar qualquer “consequência não procurada” e desastrosa, insistiu.

Washington e a União Europeia – além de Israel, as potências que assumem a postura mais dura contra o Irã – devem deixar claro a Teerã que “todas as nossas ofertas estão sobre a mesa, e não apenas as ameaças”, afirmou Blix na conferência patrocinada pelo National Iranian American Council (Niac). As notícias de que Israel poderia atacar instalações nucleares iranianas em algum momento deste ano, bem como as respostas ameaçadoras de Teerã, elevaram a ansiedade e o preço do petróleo em várias cidades do mundo, entre elas Washington e Londres, dois dos aliados mais próximos do Estado judeu.

Após se reunir com autoridades israelenses na semana passada, o presidente do Estado Maior Conjunto dos Estados Unidos, general Martin Dempsey, afirmou à rede de televisão CNN que um ataque israelense não seria “prudente” neste momento, e descreveu o Irã como um “ator racional”. Seus comentários desagradaram as autoridades israelenses. Segundo o jornal Haaretz, o primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, se queixou com o conselheiro para segurança nacional do presidente Barack Obama, Tom Donilon, quando este visitou Jerusalém no último fim de semana. “Os iranianos veem que há diferenças entre Estados Unidos e Israel, e que os norte-americanos são contra uma operação militar. Isto reduz a pressão sobre eles”, afirmou um alto funcionário israelense ao jornal.

Colin Kahl, até há pouco tempo responsável pelo Departamento da Defesa para o Oriente Médio, participou da mesma conferência que Blix e concorda que um ataque israelense contra o Irã seria contraproducente. “Se nos preocupamos com uma bomba nuclear iraniana, é provável que o caminho mais curto até ela seja um ataque israelense relativamente ineficaz”, afirmou Kahl. Os cálculos sobre o grau de desenvolvimento do programa nuclear iraniano são “ligeiramente diferentes” dos de Washington, acrescentou.

Os israelenses temem que as mais importantes instalações de enriquecimento de urânio sejam em breve enterradas no mais profundo da terra, especialmente na central de Fordow, perto da cidade de Qom, e a salvo das bombas convencionais mais poderosas de Israel, o que permitiria ao Irã entrar em uma “zona de imunidade” dentro de poucos meses.

No entanto, o governo de Obama acredita que a situação não é tão urgente, não só porque Washington tem armamento capaz de penetrar em Fordow, mas porque Teerã enfrenta vários obstáculos cuja superação demorará dois ou três anos até ser possível fabricar uma ogiva de míssil, se é que decida fazer isso. “Não tem muito sentido lançar uma guerra preventiva baseada em uma zona de imunidade se o único que se conseguirá é que o adversário reconstitua seu programa nas centrais às quais não se pode ter acesso”, opinou Kahl.

O ex-inspetor da Aiea, Robert Kelley, concorda com esse ponto e insistiu, na conferência do dia 21, que todas as instalações que poderiam ser usadas para fomentar a capacidade nuclear do Irã estão sob supervisão da agência. “Queremos que continue assim, e o pior que imagino é estar à beira de uma guerra que leve os iranianos a expulsarem a Aiea. Seria um desastre”, advertiu.

“Finalmente, é uma questão de vontade, de decisão”, indicou Blix, argumentando que os iranianos estão na “rota” nuclear, mas “falta muito para terem uma arma”. Não se chegou “ao final da via diplomática” e os benefícios de um acordo negociado para todas as partes superarão todos os custos. Entretanto, o lobby israelense continua trabalhando no Capitólio para limitar a capacidade negociadora de Obama.

Cerca de 30 senadores propuseram na semana passada uma resolução que pede ao governo que descarte tanto uma estratégia de “contenção” como qualquer acordo negociado que permita o enriquecimento de urânio em solo iraniano, mesmo com Teerã concordando com as mais rígidas medidas de supervisão da Aiea para garantir que nada possa ser desviado para um programa armamentista.

Se for adotada, a resolução “coloca os Estados Unidos no caminho de lançar sua própria guerra contra o Irã”, afirmou o ex-analista da Agência Central de Inteligência (CIA) para o Oriente Médio, Paul Pillar. Kahl observou que a resolução não é vinculante, mas concordou que sua “retórica” e sua mensagem serão contraproducentes para uma negociação de êxito. O resultado de “negociadores que lutam em um quadrilátero tornará menos provável uma solução diplomática e mais possível um final movido”, alertou.

No dia 22, a Rússia aderiu às advertências contra um ataque de Israel ao Irã. “Naturalmente, qualquer cenário militar contra o Irã será catastrófico para a região e para todo o sistema de relações internacionais”, disse o vice-chanceler russo, Gennady Gatilov. Envolverde/IPS

* Com colaboração de Jim Lobe (Washington).