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Europa envia militares para deter imigrantes

Lancha-patrulha da Frontex, na fronteira da Grécia. Foto: Frontex
Lancha-patrulha da Frontex, na fronteira da Grécia. Foto: Frontex

Atenas, Grécia, 4/12/2013 – Um novo documento do Serviço Europeu de Ação Exterior (Seae), órgão diplomático da União Europeia (UE), considera a possibilidade de envolver militares nos esforços para impedir, no sul do Mar Mediterrâneo, a entrada de imigrantes irregulares e refugiados. A ideia da operação militar surgiu pela primeira vez em uma proposta da Itália, de 24 de outubro, sugerindo medidas extraordinárias depois da tragédia em Lampedusa, quando um barco que zarpara da Líbia no dia 3 daquele mês afundou antes de alcançar a ilha. Morreram 360 imigrantes.

O acidente causou grande impacto em toda Europa e motivou um debate na sociedade civil sobre o custo humano das políticas da UE. Muitos líderes do bloco, por outro lado, viram a catástrofe como uma razão a mais para militarizar as fronteiras. O vice-porta-voz do Seae, Sebastien Brabant, afirmou à IPS em entrevista por correio eletrônico que, depois da tragédia, “foi criado o Grupo de Tarefas Mediterrâneas para apresentar propostas de uma ação imediata da União Europeia”.

Daí surgiu a ideia de apelar à Política de Segurança e Defesa Comum (PSDC), no documento datado de 19 de novembro. A proposta inclui opções para intercepção de movimentos de populações para a Europa, incluindo uma operação marítima independente ou a implantação de medidas extras no contexto das operações já em andamento da Frontex (agência de gestão de fronteiras da UE) na região. Todas as opções conferem um papel central à PSDC, instrumento estratégico da Europa para enfrentar crises internacionais de segurança.

A ideia de usar a PSDC como plataforma para enfrentar movimentos de populações em casos de desestabilização de países do Mediterrâneo coincide com um debate sobre o futuro desse instrumento. O Seae formalizará sua proposta junto aos 28 chefes de Estado e de governo da União Europeia, quando no final do mês se reunir o Conselho Europeu para discutir como melhorar a defesa, fortalecer a indústria militar e garantir maior efetividade, visibilidade e impacto à PSDC.

A iniciativa já gerou inquietação. O alemão Andrej Hunko, membro da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa (organização extracomunitária), alertou que uma “maior militarização da vigilância fronteiriça fará com que as passagens migratórias sejam mais perigosas e causem mais mortes”. E acrescentou que “o Seae confirma isso. O desumano e frequentemente criticado enfoque adotado pela polícia fronteiriça da UE, a Frontex, está sendo reforçado”.

Enquanto isso, a Frontex pretende atualizar sua operação conjunta Hermes, lançada para controlar o fluxo migratório ilegal da Tunísia para o sul da Itália, principalmente rumo a Lampedusa, na província da Sicília, e à ilha de Sardenha. Também prevê melhorar a estratégia do programa Aeneas, destinado a combater a imigração ilegal oriunda de Turquia e Egito, passando pelo Mar Jônico, até a Itália, principalmente as regiões sudestes de Apulia e Calábria. Além disso, a Itália lançou sua própria operação de patrulhamento denominada Mare Nostrum, coordenada pelas forças armadas.

Além disso, um documento interno europeu, divulgado no dia 18 de abril, demonstra a grave preocupação dos líderes do bloco diante da possibilidade de a Líbia cair em uma guerra sectária. O documento é o projeto para formar a Missão de Assistência Fronteiriça da União Europeia (Eubam), integrada por civis e destinada a colaborar na criação e no treinamento de uma nova guarda marítima e territorial líbia. A Eubam, ainda em marcha, é uma missão vinculada à PSDC.

O EUobserver informou em 18 de novembro que elementos no documento indicavam que essa missão “civil” na verdade estava desenhada para treinar também “forças paramilitares, em meio a mais um amplo esforço europeu e dos Estados Unidos para impedir que a Líbia se converta em um Estado falido”. A militarização do Mediterrâneo central completaria anteriores restrições impostas na parte sudeste do mar.

Na primavera de 2012, a Grécia adotou severas políticas de controle, que incluíam a presença de forças de segurança em suas fronteiras, a construção de uma vala ao longo de seu limite territorial com a Turquia e a detenção de imigrantes irregulares por até 18 meses. Como resultado, os fluxos migratórios adotaram novas rotas através dos Bálcãs ocidentais ou retomaram outras mais antigas no Egito, na Líbia e na Tunísia.

Por sua vez, a Espanha iniciou o CLOSEYE, multimilionário projeto de controle fronteiriço europeu que utilizará aviões não tripulados – drones – e outros meios de vigilância no sudoeste do Mediterrâneo. A Comissão Europeia, órgão executivo do bloco, financiou muitas dessas operações e não adotou medidas efetivas para controlar os Estados membros para não violarem os direitos dos refugiados. Por exemplo, o princípio de não devolução de refugiados é constantemente ignorado.

Martin Lemberg-Pedersen, professor assistente no Centro para Estudos Avançados sobre Migração, da Universidade de Copenhague, e especialista em segurança e política imigratória europeia, perguntou por que o Seae ainda não promoveu essas opções. “Duas razões me vêm à mente”, disse à IPS. “A primeira é que a Primavera Árabe trouxe consigo a queda de ditadores que até esse ponto eram aliados importantes financiados pela UE para conter os imigrantes subsaarianos e do Oriente Médio. Desde então, parece que a UE busca estabelecer sistemas semelhantes de controle”.

Em segundo lugar, é importante assinalar o momento em que o Seae faz as propostas: são apresentadas exatamente quando o novo sistema de vigilância fronteiriço, o Eurosul, estava prestes a se tornar operacional”, afirmou Lemberg-Pedersen. O sistema, “desenvolvido em estreita cooperação com a indústria armamentista europeia, ressalta exatamente as mesmas metas incluídas nas opções do Seae”, destacou.

O Eurosul, que entrou em funcionamento no dia 2, confere um papel fundamental à Frontex na criação de uma coordenação de controle fronteiriço. Em sua primeira fase funcionará em 18 Estados membros e procurará aumentar o intercâmbio de informação de inteligência, melhorar o conhecimento da situação, aumentar a capacidade de vigilância e das missões de busca e resgate, e integrar sistemas de segurança de aplicação de leis em terceiros países. Envolverde/IPS