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A etnia, fator decisivo nas eleições afegãs

Meninas se preparam para cantar uma canção em apoio ao presidente Gul Agha Sherzai na cidade afegã de Kunduz. Foto: Giuliano Battiston/IPS
Meninas se preparam para cantar uma canção em apoio ao presidente Gul Agha Sherzai na cidade afegã de Kunduz. Foto: Giuliano Battiston/IPS

 

Cabul, Afeganistão, 3/4/2014 – A condição étnica passará a primeiro plano nas eleições previstas para o dia 5 deste mês no Afeganistão, embora pareça que os jovens estejam começando a se afastar desse tipo de realidade. Cerca de 12 milhões de eleitores terão a possibilidade de eleger um novo presidente para substituir Hamid Karzai, que é impedido pela Constituição de disputar um terceiro mandato. Oficialmente aberta ontem, a corrida permanece aberta e ainda é difícil prever quem ocupará a cadeira presidencial no Palácio de Arg, em Cabul, ocupada por Karzai desde 2001, logo depois da derrubada do regime do Talibã.

É provável que o poder político e econômico que Karzai acumulou seja herdado por quem o substituir, seja qual for sua origem étnica. Os pashtunes constituem o maior grupo étnico do país, entre 40% e 60%, seguidos por tayikos, hazaras e uzbekos. Não há números exatos, e as condições étnicas frequentemente se sobrepõem.

Entre os oito candidatos três estão à frente. O primeiro é Ashraf Ghani Ahmadzai, acadêmico, ex-funcionário do Banco Mundial e ex-ministro das Finanças. O segundo, Abdullah Abdullah, é ex-ministro de Relações Exteriores e líder destacado da Aliança do Norte, opositor ao Talibã e principal rival de Karzai nas disputadas eleições de 2009. O terceiro é Zalmai Rassoul, assessor do presidente para segurança nacional durante oito anos e ministro das Relações Exteriores entre 2010 e 2013. Considera-se que Rassoul é o candidato que conta com o apoio de Karzai.

Durante a campanha são feitas muitas promessas: reconstruir a frágil economia, relançar o processo de paz com os grupos opositores armados e trazer segurança ao país devastado pela guerra. Mas os candidatos parecem se centrar, acima de tudo, na condição étnica. “Os candidatos se baseiam nas filiações étnicas, linguísticas ou religiosas porque não têm nenhuma legitimidade política”, opinou à IPS Hamidullah Zazai, diretor-gerente da Mediothek Afghanistan, uma organização que promove o pluralismo nos meios de comunicação.

“Um candidato diz: ‘sou o representante tayiko, por isso vocês, tayikos, deveriam votar em mim’. Outro diz: ‘sou o representante pashtun, por isso vocês, pashtunes, deveriam votar em mim’”. O atrativo étnico ofusca o que é mais importante: programas, ideias, planos para nosso futuro, que ainda são incertos”, pontuou Zazai.

Aziz Rafiee, diretor da Afghan Civil Society Forum Organisation, explicou à IPS que “no processo de votação há cinco fatores importantes: condição étnica, localização regional, idioma, ramo religioso e filiação política. Entre esses cinco critérios que dividem e às vezes se sobrepõem, muitos eleitores ainda consideram a condição étnica mais importante”. Para garantir eleitorado mais amplo, os candidatos também definem o tabuleiro político segundo parâmetros étnicos.

Rassoul escolheu como companheiro de chapa o tayiko Ahmad Zia Massoud, irmão de Ahmad Shah Massoud, que foi o simbólico comandante da Aliança do Norte antes de ser assassinado em 2001. E como segundo vice-presidente propôs Habiba Sarabi, uma hazara, ex-governadora da província de Bamiyan.

Rassoul não fala pashtun fluentemente, e muitos afegãos não o consideram um pashtun “real”. Foi entusiasta ao anunciar o apoio, tanto de Qayum Karzai, irmão mais velho do presidente (com enorme eleitorado no sul do país, dominado pelos pashtunes), quanto de Nader Naeem, filho de Mohammad Zahir Shah, o último rei do Afeganistão (1933-1973).

Abdullah é uma mistura de tayiko e pashtun, mas é visto como tayiko devido ao destacado papel dentro da Aliança do Norte, dominado por essa etnia. “Ao escolher para vice-presidente o pashtun Mohammad Kan, tomou uma opção interessante”, disse o pesquisador Fabrizio Foschini, da Afghanistan Analysts Network. “Mohammad Kan é membro do ramo político do partido Hezb-e-Islami, e graças a ele Abdullah pode compensar sua fragilidade no sul e sudeste do país”, acrescentou, mas segundo Foschini, a fortaleza real de Abdullah é seu segundo vice-presidente, Mohammad Mohaqeq, um hazara que pode garantir uma grande quantidade de votos nas áreas centrais.

Alguns acreditam que Abdullah está perdendo terreno, enquanto Ahmadzai está ganhando. “Ghani (Ahmadzai) teve uma ideia genial ao escolher para vice-presidente o general Abdul Rashid Dostum”, destacou Foschini. “Enquanto os votos dos hazaras e tayikos estão muito fragmentados, os dos uzbekos irão quase completamente para Dostum. Antes de ser escolhido por Ghani ninguém jamais teria imaginado que um uzbeko poderia aspirar a segunda vice-presidência”, acrescentou.

Para ser aceito como companheiro de chapa, “Ghani pediu a Dostum (poderoso senhor da guerra no norte na década de 1990 e fundador do partido Jombesh, o Movimento Nacional Islâmico do Afeganistão) para se desculpar por seus crimes do passado, e isto é algo revolucionário”, disse à IPS o ex-parlamentar Mir Ahmad Joyenda, atual subdiretor da Afghanistan Research and Evaluation Unit, uma organização não governamental com sede em Cabul.

Joyenda disse que a condição étnica ainda tem um papel importante no cenário político do país, mas acredita que as coisas estão mudando. “Nos últimos 12 anos vimos mudanças, majoritariamente nas cidades principais. Há pessoas – especialmente os jovens – que estão interessados em votar em um candidato que ofereça programas efetivos”, ressaltou.

Rafiee concorda. “Podemos dizer que os afegãos estão agindo de uma maneira mais política em comparação com as eleições de 2005 e 2009. As pessoas não votarão 100% segundo parâmetros étnicos. O mais importante é que a sociedade civil pressione os candidatos para que apresentem plataformas articuladas”. O próximo presidente afegão será eleito principalmente com base no equilíbrio étnico da votação, “mas os muros étnicos e religiosos vão cair lentamente”, opinou Zazai. Envolverde/IPS