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Estudantes resistem a leis antiterroristas

Sinem Sahin, cujos companheiros foram presos, fala em um protesto de solidariedade. Foto: Lindsay Oda/IPS

 

Istambul, Turquia, 19/7/2012 – Ahmet Saymadi entra em um café da capital da Turquia, cumprimenta alguns amigos e se senta diante de um computador para fazer seu trabalho. Em uma pausa para tomar um chá, coloca sobre a mesa um CD com os nomes dos 768 estudantes presos neste país. Saymadi trabalhou duro no último ano para completar este informe. Nesse período, a quantidade de jovens que milita em política e foram presos continuou crescendo. Ativistas pelos direitos humanos afirmam que as severas leis antiterroristas turcas estão sendo usadas para silenciar estudantes que protestam contra os abusos dos quais é vítima a minoria curda.

Os estudantes Baran Nayir e Ali Deniz Kilic, da Universidade Técnica de Yildiz, recuperaram a liberdade no final de junho após terem passado quase dois anos e meio na prisão, e somente depois que centenas de manifestantes se reuniram diante da porta de um tribunal para apoiá-los. Mesmo não sendo curdos, foram detidos por protestarem contra a decisão do governo de proscrever o Partido Nacional Curdo, em 2009, por sua suposta associação com o independentista Partido de Trabalhadores do Curdistão (PKK). Nayir e Kilic são dois das centenas de estudantes presos por atos e protestos políticos considerados “terroristas” pelo Estado.

Acadêmicos, defensores dos direitos humanos e membros do opositor e secular Partido Republicano do Povo estão cada vez mais preocupados com o número de jovens vítimas da agressiva campanha do governo. Entre 2005 e 2007, o governante Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP) emendou diversas leis, fazendo com que, em 2011, quase triplicasse o número de pessoas detidas por terrorismo, segundo o Ministério da Justiça. Este ano a situação ficou mais grave.

“Os estudantes são detidos em sua maioria por nossa draconiana lei antiterrorista”, contou Mehmet Karli, professor de direito internacional na Universidade de Galatasaray. “O Estado turco tem uma longa história de leis penais draconianas. Sob o governo do AKP, isto não mudou. Desde 2005 se exacerbou. As prisões de estudantes começaram a crescer depois da instalação, em 2006, de tribunais especiais, criados por instâncias da União Europeia para investigar abusos dos direitos humanos.

Contudo, paradoxalmente, receberam poderes especiais e foram usados pelo governo para deter dissidentes políticos. “Especializaram-se em julgar o crime organizado, mas seu principal objetivo é julgar o que consideram crimes políticos”, alertou Karli. As leis antiterroristas também são usadas para prender jornalistas, artistas, ativistas e inclusive legisladores de oposição, acusados de associação com o PKK, de vinculação com outros grupos curdos ou de integrar a rede clandestina golpista Ergenekon.

O advogado e ativista Olguner Olgun estima que cerca de 90% dos estudantes detidos são curdos, e a maioria foi presa por defender seus direitos. “Há sérios problemas com relação aos direitos dos curdos na Turquia. Alguns estudantes expressaram seu descontentamento, mas o fato de existir o PKK não significa que todos os curdos são membros desse partido e estejam envolvidos em atividade violenta”, pontuou.

Olguner leu mais de 200 acusações contra os estudantes, mas garantiu que ainda não encontrou nenhuma ligação deles com atos violentos. Diante da falta de evidência substancial, a maioria dos promotores cita testemunhas anônimas, descritas como “patriotas” dedicados a oferecer informação relevante ao Estado e que vincula os estudantes com organizações terroristas. Desde comentários publicados no Facebook até mensagens de texto por telefone podem ser usados como evidência, segundo o advogado.

As testemunhas anônimas não podem ser reinquiridas no tribunal, o que impede questionar suas declarações. A maioria dos estudantes detidos passa muitos meses antes de poder falar com seus advogados. Olguner disse que a média de espera para o primeiro julgamento é de seis meses. “Prolongam o tempo de investigação para que a polícia possa preparar melhor um argumento com os promotores no primeiro julgamento”, apontou.

Na maioria dos países, uma pessoa é considerada inocente até prova em contrário. Na Turquia, especificamente nos casos de terrorismo, o suspeito pode ficar detido enquanto não for demonstrada sua inocência. Nayir e Kilik foram levados ao tribunal umas duas vezes por ano durante sua detenção. A média mínima de audiências em um tribunal antes do veredito é seis. Os estudantes presos também sofrem sanções em suas universidades. As regras da Junta de Educação Superior da Turquia condenam a “atividade ideológica”. Os estudantes são advertidos e suspensos, e também correm risco de serem expulsos.

Em todo o país ocorrem protestos de solidariedade aos estudantes presos. A estratégia da campanha é atrair a maior atenção possível sobre seus casos. Cartas dos estudantes detidos são traduzidas para o inglês e publicadas na internet, com a esperança de que outros países, especialmente os da União Europeia, se preocupem e pressionem o governo turco. “Nossa maior dificuldade é fazer com que a imprensa turca publique a verdade sobre esses casos. A mídia trabalha para o AKP”, afirmou Saymadi à IPS.

No entanto, as notícias correm por meio de mídias independentes, bem como blogs, grupos no Facebook e sites esquerdistas. As ações de solidariedade continuam acontecendo nos campusuniversitários, mesmo com a maioria das autoridades da educação desaprovando os protestos políticos. Muitos estudantes em sua cerimônia de formatura vestem camisetas onde se lê “liberdade para os estudantes presos”. Até agora, 62 universitários acusados de terrorismo foram libertados. Envolverde/IPS