Arquivo

Estudantes do Paquistão em ofensiva contra o exército

Ayesha Gullalai, deputada pelo partido Pakistan Tehreek Insaf, apoia a campanha estudantil pelo fim das operações militares nas Fata. Foto: Ashfaq Yusufzai/IPS
Ayesha Gullalai, deputada pelo partido Pakistan Tehreek Insaf, apoia a campanha estudantil pelo fim das operações militares nas Fata. Foto: Ashfaq Yusufzai/IPS

 

Peshawar, Paquistão, 18/2/2014 – Estudantes das Áreas Tribais sob Administração Federal (Fata) do Paquistão exigem o fim da ofensiva militar contra a insurgência islâmica Talibã, que causou mortes e a fuga da população civil. “Estamos fartos da ação militar nas Fata, já que não eliminou os talibãs, mas matou, feriu e criou refugiados, todos inocentes”, protestou Khan Bahadar, presidente da Federação de Estudantes das Fata (FSF), ao norte deste país onde vivem mais de 3,1 milhões de pessoas.

Bahadar disse à IPS que “a população tribal experimenta tempos difíceis desde que o exército do Paquistão assumiu o controle das Fata, em 2004. O exército, enviado principalmente para combater os rebeldes talibãs, causou um êxodo maciço da região em conflito, enquanto os insurgentes permanecem ilesos”. Os talibãs se refugiaram nas Fata, próximas à fronteira de 2.400 quilômetros entre Paquistão e Afeganistão, depois que seu governo em Cabul foi derrubado pelas forças lideradas pelos Estados Unidos, em 2001.

Como um Estado de primeira linha na guerra de Washington contra o terrorismo, o Paquistão começou a ofensiva militar contra o Talibã nas Fata em 2004, o que causou o deslocamento em massa de sua população. “Cerca de 2,1 milhões que viviam nas Fata agora residem na província de Jyber Pajtunjwa. Elas sofrem uma profunda angústia, já que tiveram que abandonar seus empregos, empresas e atividades agrícolas”, destacou  Bahadar, de 19 anos, estudante da Universidade de Peshawar. Muitos estudantes das Fata estudavam em Jyber Pajtunjwa.

A FSF foi criada em 2013, para reforçar a pressão sobre o governo para que ponha fim à atividade militar nos sete distritos das Fata e facilite o rápido retorno dos refugiados. Bahadar contou que a campanha que os estudantes das Fata realizam está ganhando força. Segundo o vice-presidente da FSF, Burhanuddin Chamkani, “nos manifestamos em Peshawar e Islamabad para lançar uma luz sobre os problemas de nosso povo. As operações militares não são a solução para o terrorismo”.

Chamkani é oriundo do distrito do Waziristão do Norte nas Fata, e também assegurou que a ofensiva militar matou ou mutilou civis, sem afetar os insurgentes. “Pelo menos cinco pessoas, entre elas mulheres e crianças, morreram em um ataque aéreo do exército contra o Waziristão do Norte, em 21 de janeiro, em represália a um atentado suicida contra um comboio do exército que matou 22 soldados no dia anterior”, afirmou.

Outra organização, a Federação de Estudantes do Waziristão (FSW), tem planos de reforçar sua campanha. Muhammad Irfan Wazir, alto dirigente dessa entidade, disse que cerca de 20 mil jovens das Fata estudam em Peshawar, capital da província de Jyber Pajtunjwa. “A maioria não pode visitar suas famílias por causa do terrorismo. É preciso passar por vários postos de controle do exército antes de chegarem às suas casas nas Fata. Têm saudades de suas famílias”, afirmou. A FSW tem previstos protestos, marchas e seminários para sensibilizar a opinião pública, o exército e o governo.

“Nos finais de semana nos manifestamos na Universidade de Peshawar”, contou Wazir. “Também realizamos eventos de caridade e espetáculos musicais para arrecadar dinheiro para as pessoas refugiadas que vivem em acampamentos em Peshawar e outras áreas”, detalhou. A responsabilidade pelo fim da atividade militar recai sobre o governo federal, que controla diretamente as Fata, explicou Wazir. “Já organizamos pelo menos uma dúzia de manifestações perto da residência do governador para acabar com a ação militar, mas foi em vão”, afirmou.

Muhammad Javid, professor da Universidade de Gomal em Jyber Pajtunjwa , disse que a ofensiva militar em curso enfureceu os estudantes, que realizaram uma campanha ativa contra a mesma. “Os estudantes têm justificativa quando exigem o fim da ação militar, já que não trouxe paz para essas áreas”, explicou à IPS. A campanha pretende que o governo inicie negociações com o Talibã. O partido Pakistan Tehreek Insaf (PTI), no poder em Jyber Pajtunjwa , também acredita que o diálogo com os insurgentes pode pôr fim ao sofrimento da população nas Fata.

“Somos firmes defensores das negociações de paz com os rebeldes”, disse à IPS a deputada pelo PTI na Assembleia Nacional, Ayesha Gullalai. A seu ver, o governo nacional é indiferente aos problemas das pessoas em seu Waziristão natal, assegurou. “O governo tem a responsabilidade de evacuar a população civil antes de qualquer ação. Matar e ferir os não combatentes vai contra a Declaração dos Direitos Humanos das Nações Unidas”, ressaltou.

Os militares não atacam os civis intencionalmente, mas essas mortes acontecem e não deve ser assim, destacou Gulalai. “A campanha dos estudantes tribais é bem-vinda. Ultimamente, os jovens se converteram em uma voz da população das Fata”, pontuou a legisladora.

Sagheerullah Khan, de 20 anos, que vive em um albergue em Peshawar e é natural do Waziristão, opinou que “as operações militares desnecessárias nas Fata e os ataques com aviões não tripulados dos Estados Unidos, que em sua maioria matam inocentes, fizeram com que a população local se voltasse contra o governo. Isto só produz mais rebeldes. O bombardeio indiscriminado do exército é uma ameaça constante para as pessoas”.

Jovens das Fata que estudam em Peshawar disseram que apresentaram o assunto das mortes de civis aos representantes na Assembleia Nacional e no Senado. A luta para acabar com a ofensiva do exército em sua terra natal continuará, asseguram. Envolverde/IPS