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Estudantes e professores sob fogo em El Salvador

San Salvador, El Salvador, 9/3/2012 – Wilber Geovany Hernández foi assassinado a tiros quando saía das aulas noturnas em uma escola do norte da capital salvadorenha, e se converteu na 11ª vítima fatal entre os estudantes do país desde que começou o ano letivo, em 23 de janeiro. Ele tinha 18 anos, estava no nono grau do ensino médio em uma escola pública do distrito de Mejicanos, e morreu ao ser baleado na porta da escola em 29 de fevereiro.

A onda de violência que atinge El Salvador alcançou as escolas do país, cujos alunos e professores são vítimas de extorsão, assaltos e assassinatos. Esta violência afeta o processo de aprendizagem dos estudantes, causa graves consequências em suas vidas pessoais e perturba o desenvolvimento social do país, cuja infância e juventude já é afetada pelos altos níveis de deserção escolar no ensino básico, afirmam especialistas locais sobre o assunto.

A deserção chega a 20% nas escolas mais afetadas pela violência, segundo o Sindicato de Professores de Educação com Participação das Comunidades (Simeduco). Em El Salvador há cinco mil escolas públicas, que atendem a cerca de dois milhões de alunos. Dessas, 340 são consideradas perigosas, sendo 161 de alto risco, devido à violência interna e em seu entorno. Este país de 6,1 milhões de habitantes tem uma das menores coberturas escolares da América Latina, segundo organismos multilaterais. Seu sistema estabelece nove graus de educação básica, obrigatória e gratuita, dividida em um ciclo primário de seis graus e outro médio, de três, que habitualmente é cursado entre os sete e 15 anos.

“As crianças e os jovens estão tentando aprender em um ambiente nada adequado, de medo e repressão”, alertou à IPS o vice-presidente da Fundação Inovações Educativas Centro-Americanas (Fieca), Felipe Rivas. À falta de recursos – própria de um país pobre – para melhorar a educação, se somam agora os impactos do crime e a delinquência. A taxa de analfabetismo no país é de 10%, mas sobe a 22% nas áreas rurais, segundo a Pesquisa Domiciliar de Propósitos Múltiplos de 2010.

O Ministério da Educação se propôs a meta de baixar a taxa nacional de analfabetismo para 4% até 2014, um objetivo que os especialistas consideram difícil de alcançar, entre outros fatores pelo impacto que a violência está criando na comunidade estudantil. A taxa de assistência escolar de crianças de quatro anos, quando começa o ciclo pré-escolar, é de 32,7%, enquanto a escolaridade média é de apenas sexto grau, segundo a mesma pesquisa. “De fato, a aprendizagem se fraturou pela questão da violência”, admitiu Rivas.

No ano passado, 139 alunos e seis professores foram assassinados, segundo o Ministério da Educação, a maioria do sistema público e nas proximidades das escolas. El Salvador fechou 2011 com 4.374 homicídios. Isto se traduz em uma taxa de 70 assassinatos para cada cem mil habitantes, uma das mais altas do mundo, segundo vários estudos internacionais, e muito acima da já elevada taxa média da América Latina, que está em torno de 30 mortos para cada cem mil habitantes.

Parte dessa violência é provocada por muitos dos 29 mil membros dos principais bandos criminosos do país, conhecidos como “maras”. Trata-se da Mara Salvatrucha e o Bairro 18. A imprensa informa sobre os esforços dos grupos em recrutar crianças e jovens das escolas das áreas mais violentas, como método para introduzi-los no tráfico de drogas e em outros crimes. “Nas escolas já se trafica, já se consome droga, inclusive vimos que os pais utilizam seus filhos para comercializá-las”, afirmou à IPS Manuel Molina, secretário-geral do Simeduco.

As autoridades reconhecem que a violência chegou às escolas, como parte da voragem de violência que se vive, mas descartam que haja uma intenção clara dos grupos e criminosos de atacar os estudantes e as escolas. No entanto, a Polícia Nacional Civil (PNC) enviou 560 agentes a 161 centros de ensino de alta periculosidade como parte de um plano governamental para frear as mortes de estudantes. Em março de 2010, a PNC e o Ministério da Educação assinaram o Convênio de Prevenção e Proteção Escolar, que pretende focar o fenômeno de um ângulo integral, incluindo atividades de prevenção da violência, como esporte e arte, entre outras.

“Foram realizados esforços em nível governamental, mas este é um tema complexo e nos parece que os planos não funcionaram e a situação está pior”, disse Molina. Autoridades do Ministério não atenderam o pedido de entrevista da IPS sobre o assunto. Algumas das medidas adotadas pela polícia, como o registro dos estudantes ao entrar nas escolas, foram criticadas pelo risco de que os agentes cometam abusos de poder e até violações dos direitos humanos.

Outra medida questionada é a de enviar grupos de estudantes de educação básica para os cárceres do país, para que vejam diretamente a vida dos réus e o que pode acontecer se escolherem os caminhos ilícitos. No entanto, o diretor da polícia, Francisco Salinas, reconheceu, no dia 29 de fevereiro, perante a Comissão de Educação do Congresso legislativo unicameral, que essas visitas foram um erro e não eram parte do convênio de proteção. “Aceitamos a responsabilidade. Foi um erro”, declarou aos deputados.

Os professores também são vítimas da violência, porque sofrem extorsão por parte dos bandidos: ou pagam certa quantidade em dinheiro, ou são assassinados. Em várias escolas, se soube de “tarifas” de US$ 100 mensais para o diretor e US$ 50 para cada docente. Isto levou muitos professores a deixar temporariamente seus cargos e pedir mudança para áreas mais seguras. Contudo, o processo burocrático impede que as mudanças aconteçam com a rapidez necessária para os afetados. No ano passado, 362 professores pediram transferência por motivos de insegurança, segundo o Simeduco, e 78% conseguiram.

Entretanto, o número de afetados pode ser bem maior porque há quem não denuncie e pague extorsão para evitar ser assassinado. Por pressão do sindicato dos professores, o parlamento aprovou em 2011 o decreto transitório 499, que agilizava a rápida transferência de docentes extorquidos e que caducou em novembro. Agora, os sindicalistas querem que o parlamento renove o decreto por mais três anos. No entanto, o problema persistirá porque o substituto também seria ameaçado. “A questão não se resolve com as transferências, porque o professor que chega também será extorquido”, alertou Rivas. Envolverde/IPS