Arquivo

Estados Unidos discutem como frear imigração da América Central

Muitos na comunidade latina dos Estados Unidos sentem desilusão porque o presidente Barack Obama não reformou o regime de imigração. Foto: Valeria Fernández/IPS
[/media-credit] Muitos na comunidade latina dos Estados Unidos sentem desilusão porque o presidente Barack Obama não reformou o regime de imigração. Foto: Valeria Fernández/IPS
Washington, Estados Unidos, 18/8/2014 – Quando os legisladores dos Estados Unidos voltarem ao trabalho, após o recesso do verão (boreal), deverão retomar a discussão sobre o que farão com as dezenas de milhares de crianças e adultos da América Central que continuam entrando pela fronteira sul do país. As propostas para que o governo federal possa lidar com a inédita imigração da região, entre elas dois projetos de lei pendentes no Congresso, se baseiam em duas visões contrapostas sobre os motivos que levam os emigrantes a abandonarem seus lugares de origem.

“O debate da migração é simples”, opinou à IPS Manuel Orozco, pesquisador do Diálogo Interamericano, um centro acadêmico com sede em Washington. “As pessoas emigram pela segurança e pelas oportunidades (no país receptor) ou pelo perigo e pela violência (em seu país)?”, perguntou. Seu último trabalho aponta para esta segunda causa.

Os “homicídios intencionais surgem como um motor mais poderoso da emigração internacional do que o desenvolvimento humano”, diz o estudo, que alerta que “os imigrantes chegam principalmente de alguns dos municípios mais povoados e violentos de El Salvador, Honduras e Guatemala. “Em sua maioria, fogem por temerem por suas vidas”, afirmou Orozco, explicando que essas ameaças se aplicam tanto aos menores como aos adultos na América Central.

Embora El Salvador, Guatemala e Honduras, que formam o chamado Triângulo do Norte Centro-Americano, tenham maiores índices de homicídios do que regiões em guerra, como Afeganistão ou Iraque, alguns legisladores dos Estados Unidos duvidam que esse fenômeno seja a causa da maciça imigração centro-americana com destino a este país nos últimos meses.

Eles atribuem essa entrada de dezenas de milhares de centro-americanos às políticas de imigração do presidente Barack Obama. Para esses legisladores, a resposta está em reforçar a segurança da fronteira sul dos Estados Unidos.

Essa foi a prioridade da Câmara de Representantes que, liderada pelo opositor Partido Republicano, destinou mais da metade do orçamento de US$ 700 milhões de uma das iniciativas legislativas pendentes para redobrar a segurança ao longo da fronteira. O restante será usado para acelerar as deportações. Obama anunciou que vetará o projeto de lei, que qualificou de “extremo” e “impraticável”.

Orozco também considera que a estratégia concentrada na segurança é “míope”. Ele e outros propõem que os legisladores aumentem a ajuda à América Central destinada a combater a pobreza e a violência. “O bom é investir em um desenvolvimento econômico real e ao mesmo tempo abordar a situação de segurança”, pontuou Adriana Beltrán, pesquisadora do Escritório em Washington para Assuntos Latino-Americanos (Wola), uma organização independente.

Historicamente, a ajuda norte-americana para a América Central é baixa. Em 2013, a região recebeu apenas 1,3% da ajuda externa deste país, segundo a Coalizão de Liderança Global dos Estados Unidos (USGLC), uma rede de empresas e organizações não governamentais com sede em Washington. Mas a Casa Branca propõe reforçar essa ajuda com US$ 300 milhões adicionais.

Um terço da ajuda adicional será usado para melhorar a governança, incluída a reforma fiscal e judicial, outro terço seria para o desenvolvimento econômico e o restante para a prevenção do crime, os programas de jovens em situação de risco e a reinserção social, detalhou à IPS o consultor da USGLC, Larry Knowles. Mas é improvável que a Câmara de Representantes aprove o projeto do poder Executivo. Ao contrário do Senado, a câmara baixa não declarou a instabilidade interna da América Central digna dos “gastos de ajuda de emergência”.

A iniciativa recebeu elogios de alguns setores. Orozco se mostrou entusiasmado e sugeriu que a ajuda seja utilizada para melhorar a educação, a capacitação profissional e as pequenas empresas da América Central. “Falta uma estratégia muito mais inclusiva que aborde todos estes problemas”, ressaltou.

Oscar Calvo, economista-chefe do Banco Mundial para a América Central, compartilha dessa análise, mas alerta que a violência é “uma das numerosas causas que levam as pessoas a emigrarem”. Os programas municipais podem ajudar, afirmou, lembrando à IPS que “a delinquência é um fenômeno muito localizado, por isso exige uma intervenção muito localizada”.

É importante compartilhar o crescimento econômico na América Central, destacou Calvo, acrescentando que suas principais preocupações com relação à região são e elevada desigualdade e as “limitadas oportunidades de progresso”. O economista recordou que “a América Central se destaca porque a pobreza não diminuiu de forma constante, embora no restante da América Latina isso tenha ocorrido”.

Beltrán pediu mais investimento na prevenção da violência. “Há evidências de programas que trabalham com a comunidade para abordar a violência juvenil e a segurança. Os serviços sociais, a polícia, a igreja e outras entidades locais podem encontrar uma solução em conjunto”, ressaltou.

A solução desses problemas transcende o âmbito do Triângulo do Norte e de seus governos, afirmou Orozco. “Essas questões exigem a responsabilidade dos governos da América Central e dos Estados Unidos”, acrescentou. Também justificou o pedido de maior ajuda ao desenvolvimento dos Estados Unidos na região pelas deficiências dos esforços centro-americanos, como falta de leis e de iniciativas que “evitem a contínua saída das crianças. Até o momento, os governos da América Central não foram muito responsáveis”.

Orozco também afirma que o governo dos Estados Unidos se nega, em geral, a compartilhar a responsabilidade pelos problemas na região, apesar do seu histórico de hegemonia econômica e política e de suas numerosas intervenções nos países centro-americanos. Aponta, por exemplo, sua absoluta despreocupação pelo crime organizado na região. “O que fez o crime organizado foi criar um ecossistema de atividade econômica irregular que se apresenta com algo rentável”, ressaltou.

Outros analistas sugerem que os Estados Unidos contribuíram com o crescimento do crime organizado na região mediante sua “guerra contra as drogas”. Envolverde/IPS