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Estados Unidos deixam de condicionar ajuda antiaids a juramento contra prostituição

Washington, Estados Unidos, 25/6/2013 – A Suprema Corte de Justiça dos Estados Unidos anulou uma disposição pela qual o governo condicionava sua ajuda à luta contra o HIV/aids a uma oposição à prostituição por parte das organizações beneficiárias. A sentença, emitida no dia 20, com seis magistrados a favor e dois contra, surpreendeu muitos observadores. Para a maioria das organizações defensoras dos direitos das mulheres e da livre expressão é um grande triunfo.

“Estamos surpresas, mas muito contentes”, disse Crystal DeBoise, uma das diretoras do projeto trabalhadoras sexuais do Centro de Justiça Urbana, com sede em Nova York, em entrevista à IPS. “É um bom passo para o respeito aos direitos humanos das trabalhadoras sexuais e será positivo para as organizações, pois estarão em melhor situação para atender as necessidades deste setor da população, bem como de outras pessoas que correm riscos sociais e de saúde”, acrescentou.

O juramento contra a prostituição fazia parte da política deste país desde 2003, quando foi aprovado no contexto do Plano de Emergência do Presidente para Alívio da Aids (Pepfar). Essa iniciativa, concentrada principalmente na África, representou o maior compromisso contraído por Washington na luta contra o HIV (vírus da deficiência imunológica humana, causador da aids). Na década seguinte à sua aprovação, o Pepfar destinou quase US$ 46 bilhões a programas contra a enfermidade, segundo dados oficiais, que oferecem medicamentos antirretrovirais (que reduzem a carga do vírus no organismo) a mais de cinco milhões de pessoas. Para este e o próximo anos, o presidente Barack Obama solicitou mais US$ 13 bilhões.

Pela forma como o Congresso redigiu a lei, as organizações beneficiárias do Pepfar deviam explicitar sua posição contra a prostituição. Desde então, numerosos especialistas em saúde alertavam que uma política desse tipo atentava contra o objetivo de erradicar a epidemia de aids (síndrome da deficiência imunológica adquirida). “A lei não surgiu da comunidade médica, mas de alguns legisladores norte-americanos que viram uma oportunidade, por meio do Pepfar, de inserir e aplicar uma pureza ideológica ao trabalho sexual”, disse Serra Sippel, a presidente do Centro de Igualdade de Gênero e Saúde, em entrevista à IPS.

“Foi perturbador, em parte porque não é uma intervenção de saúde pública silenciar as pessoas nem obrigar as organizações a adotarem o ponto de vista específico de alguns legisladores”, pontuou Sippel. O governo sempre explicou o voto contra a prostituição dizendo que acabar com o trabalho sexual era um elemento central da política contra o HIV/aids. A sociedade civil, por seu lado, esteve dividida a respeito. Algumas organizações, especialmente as que lutam contra o tráfico de pessoas, de certa forma estavam a favor.

“Considera-se que a melhor prática em matéria de saúde pública é gerar confiança entre trabalhadoras sexuais e o trabalho realizado para acabar com o estigma e a discriminação que avivam a epidemia”, explicou Sippel. Obrigar organizações como a Pathfinder International, que trabalha no campo da saúde sexual e que foi uma das principais demandantes perante a Suprema Corte, a assinar um compromisso desse tipo, basicamente era levá-las a adotar uma política contrária à população que se supõe deveriam atender, destacou.

“Acaba sendo muitíssimo mais difícil conseguir e construir confiança com as pessoas que estão no centro da questão”, disse Keven Frost, diretor-geral da amfAR, a Fundação para a Pesquisa Sobre Aids, em entrevista à IPS. Muitas organizações assinaram o juramento, mas depois fizeram o que lhes pareceu melhor para seu objetivo. “Assinamos o juramento sabendo que o ignoraríamos”, reconheceu Frost.

A decisão judicial se baseou na interpretação de que o juramento contra a prostituição atentava contra a liberdade de expressão, garantida na Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos. Devido às polarizadas opiniões neste país sobre o trabalho sexual, o caso se concentrou especificamente na liberdade de expressão. Por isso, o tribunal não se manifestou sobre os méritos dos argumentos ou das políticas relacionadas com o trabalho sexual em geral.

Além disso, a interpretação do caso afetará somente organizações norte-americanas, mais do que internacionais, que recebem fundos do Pepfar. Porém, Frost disse que a maioria delas está radicada nos Estados Unidos e que a capacidade das organizações internacionais de aplicar o decreto dos programas é limitada. Como a norma ainda é legal, apesar de decisão judicial, resta saber como agirá o governo de Obama daqui em diante. As autoridades se negam a discutir sua posição a respeito do juramento, pois foi objeto de processos legais desde que Obama iniciou seu primeiro mandato em 2009.

No entanto, ainda “não terminou tudo. É um êxito importante para derrubar essa política, mas ainda é preciso trabalhar para ter certeza de que não se aplica de forma negativa a organizações que trabalham no terreno”, destacou Sippel. “Esta decisão oferece uma oportunidade para analisar casos específicos em que fundos norte-americanos possam envolver trabalhadoras sexuais em uma agenda mais crítica”, sugeriu. “Estamos conseguindo progressos em matéria de HIV/aids em escala global, especialmente no tocante a atender este assunto a partir de uma perspectiva de saúde pública e direitos humanos. Este caso nos ajuda a continuar dirigindo a conversação nessa direção”, ressaltou. Envolverde/IPS