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Esperando por Ban

Ban Ki-moon

Nova York, Estados Unidos, 20/8/2012 – Quando Cuba assumiu a presidência do Movimento dos Não Alinhados (Noal), em 1979, o Ocidente acusou essa coalizão de carecer de legitimidade devido aos vínculos de Havana com a União Soviética. Desde então, as potências ocidentais e alguns de seus principais meios de comunicação se referem ao Noal como o “assim chamado Movimento de Não Alinhados”, mesmo com a presidência de Cuba tendo terminado em 1983.

O Irã assumirá a presidência do grupo no final deste mês, pela primeira vez na história desta coalizão de 120 membros, e é muito provável que o Ocidente reaja da mesma maneira. Israel, que ameaçou atacar unilateralmente o Irã, acusando-o de desenvolver armas de destruição em massa, exortou o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, a não participar da próxima cúpula do Noal, entre 26 e 31 deste mês em Teerã.

O jornal israelense Haaretz informou, no início deste mês, que o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, pedira pessoalmente a Ban para não comparecer à cúpula do Noal, dizendo que o governo do Irã é “um regime que representa o maior perigo para a paz mundial”. Contudo, Ernest Corea, embaixador do Sri Lanka nos Estados Unidos e autor do livro Não Alinhamento: a Dinâmica de um Movimento, disse à IPS que, se Ban participar da cúpula de Teerã, “estabelecerá um precedente e reafirmará os laços entre a ONU e o Noal”.

Naturalmente, deverá estar presente, mas deveria abster-se de realizar conversações bilaterais com os líderes iranianos em assuntos que estão no âmbito do Conselho de Segurança, a menos que este órgão o autorize. Em um editorial intitulado “O chefe da ONU deve boicotar a conferência em Teerã”, o jornal The Washington Post afirmou, no dia 15, que “a conferência promete ser um festival de resistência aos Estados Unidos, ao Conselho de Segurança e a Israel”. O jornal também especulou que Ban procuraria dissuadir o Irã a suspender seu programa de desenvolvimento nuclear.

“Isso implica a ideia de que o líder da ONU tem mais influência do que qualquer outro que o tenha tentado antes. Nos dizem que o senhor Ban acredita tratar-se de um momento crucial para um último esforço diplomático. Porém, não parece nem remotamente que terá êxito”, afirmou o The Washington Post. Se a preocupação é o programa atômico do Irã, disse um diplomata árabe à IPS, “por que o Ocidente continua evitando diplomaticamente o tema de Israel poder possuir armas nucleares e o Irã não?”. Teerã insiste que o único objetivo de seu programa é atender suas crescentes necessidades energéticas e não a fabricação de armas de destruição em massa.

Chakravarthi Raghavan, jornalista que cobriu temas da ONU em Nova York e Genebra durante décadas, disse à IPS que, o Ocidente goste ou não, o Noal representa o maior grupo de nações e membros do fórum mundial. “Sejam quais forem as opiniões políticas do país anfitrião, seria uma tolice a Secretaria da ONU não estar presente para apresentar a visão das Nações Unidas e agisse como um defensor  dos interesses dos Estados Unidos e de Israel, ou dos grupos pró-israelenses” em Washington, observou Raghavan, que participou das cúpulas do Noal desde seu começo.

O jornalista acrescentou que Ban “é apenas o chefe da Secretaria das Nações Unidas, segundo a Carta da ONU, embora U Thant (ex-secretário-geral) tenha dito em uma entrevista coletiva na década de 1960 que o chefe do fórum mundial também atua como consciência da humanidade”. Perguntado se Ban pensava em participar da cúpula, seu porta-voz adjunto, Eduardo del Buey, disse no início do mês que “não temos nenhuma viagem para anunciar. Quando o secretário-geral tiver algo a informar, o fará”. Pressionado pela imprensa no dia 15, declarou: “A mídia está cheia de informações… Não comentaremos nenhuma viagem. Posso continuar repetindo isto, se desejarem. Venho fazendo isso nos últimos dias”.

Em uma declaração do dia 13, a Liga Antidifamação, forte grupo de pressão em favor de Israel, exortou Ban a “deixar claro que não tem intenções de viajar ao Irã no final deste mês”. Em carta destinada ao secretário-geral, a Liga diz: “sua presença na capital iraniana desta vez será contraproducente para os esforços da comunidade internacional para fazer com que o Irã cumpra suas obrigações sob o Tratado de Não Proliferação Nuclear e abandone suas ambições atômicas”. A organização ainda não recebeu uma resposta de Ban.

O Noal, criado em 1961, foi presidido por 12 países do Sul em desenvolvimento, incluindo Argélia, Índia, Indonésia, Malásia, Sri Lanka, África do Sul, a ex-Iugoslávia e Zimbábue. O Egito passará a atual presidência ao Irã na reunião de Teerã. Corea disse à IPS que o não alinhamento na Guerra Fria já era uma opção em política externa, antes do nascimento do Noal. Como explicou certa vez Jawaharlal Nehru, primeiro-ministro da Índia entre 1947 e 1967, o não alinhamento é o meio pelo qual os novos Estados independentes podem controlar sua política externa. O Noal “é uma coalizão de países que seguem uma política externa de não alinhamento, ou que professam fazê-lo”, enfatizou Corea.

Seus princípios fundadores seguem intatos e são relevantes no mundo de hoje: respeito e benefício mútuo, não agressão, não interferência e coexistência pacífica, pontuou o embaixador do Sri Lanka. A relevância do Noal deve ser avaliada considerando o quanto seus membros aplicam seriamente estes princípios, acrescentou. “Todos os países que ocupam a presidência do Noal buscam ter influência. Alguns conseguem, outros não”, ressaltou Corea. Envolverde/IPS