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Eslováquia tenta curar a corrupção médica

Bratislava, Eslováquia, 23/8/2012 – Os médicos da Eslováquia lançaram uma campanha sem precedentes neste país da Europa oriental para se livrar de um estigma que pesa sobre sua profissão: a corrupção médica. No lançamento da campanha “Obrigado, não aceitamos subornos”, os integrantes da Associação de Sindicatos Médicos afirmaram que a medida reafirmaria a integridade destes profissionais junto ao público e que aumentaria a transparência no sistema de saúde pública.

Mas os especialistas acreditam que isso não será de grande ajuda na hora de frear a corrupção no setor. “É uma medida interessante e atípica, mas não reduzirá de modo significativo a corrupção no sistema de saúde. São necessárias medidas mais efetivas”, advertiu à IPS Roman Muzik, analista do instituto de Políticas de Saúde de Bratislava.

Ao atender seus pacientes, os médicos que trabalham em hospitais públicos usarão bótons com o lema da campanha, e um site mostrará quais profissionais participam dela. Isto acontece em meio a uma percepção pública generalizada segundo a qual o setor da saúde neste país, bem como em muitos outros da Europa oriental, tem um problema sério com os subornos.

Segundo um estudo da Transparência Internacional divulgado em 2010, o sistema de saúde da Eslováquia era visto desde então como o 18º mais corrupto entre 88 países analisados. Outra pesquisa divulgada este ano mostra que uma em cada quatro famílias neste país tem experiência pessoal de subornos a médicos.

Frequentemente os pacientes dizem que, embora não peça diretamente esse tipo de pagamento, eles mesmos sentem que devem oferecer um para, pelo menos, garantir um atendimento médico razoável. As entrevistas com pacientes mostraram que são feitos pagamentos que oscilam entre dezenas e milhares de euros em troca de ter prioridade nas listas de espera para cirurgias ou por um serviço de melhor qualidade.

A situação é a mesma, ou pior, em outros países da Europa central e oriental. A atenção à saúde na Ucrânia, Moldova, Romênia e Hungria é vista como particularmente problemática quanto a funcionários da área médica aceitarem subornos. Em muitos países da região, a saúde pública carece de fundos suficientes, em comparação com a média europeia. A isto se soma o fato de os pagamentos serem muito baixos e as condições de trabalho ruins, o que costuma ser citado como motivos para que os médicos aceitem subornos.

Tudo isto causou greves maciças de trabalhadores da medicina na Hungria, República Checa e Eslováquia nos últimos dois anos. Mas uma pesquisa do Instituto de Políticas de Saúde de Bratislava não considerou isto, sugerindo, por outro lado, que a cobiça dos médicos e o fato de “as circunstâncias permitirem” cobrar subornos são motivos mais prováveis para a florescente corrupção. Também se acredita que a falta de clareza sobre quais são os direitos dos pacientes contribui para o problema.

“É importante definir um pacote básico que mostre o que cabe a um paciente. Se isto não fica claro, cria espaço para negociações” clandestinas, disse Gabriel Sipos, diretor do capítulo eslovaco da Transparência Internacional, ao jornal local Sme. Porém, para outros, as causas dos problemas envolvendo médicos corruptos são mais complexas e remontam aos regimes comunistas instalados na região até há apenas 20 anos. Entregar dinheiro ou presente em troca de um tratamento preferencial ou por acesso a determinados produtos e serviços era comum e fazia parte do estilo de vida em todos os estratos da sociedade. Isto gerou uma cultura de aceitação generalizada de subornos, que atualmente segue arraigada em alguns setores.

Segundo estimativas do Banco Mundial, apenas na Romênia são recebidos ou oferecidos 750 mil euros (mais de US$ 925 mil) por dia sob a forma de subornos. Os meios de comunicação locais informam que o pessoal dos hospitais reclama entre centenas e centenas de milhares de euros por favores como garantir a troca de lençóis ou aprovar a realização de cirurgias no exterior. O ministro da Saúde da Romênia, Ladislau Ritli, admitiu no começo do ano à imprensa que “a corrupção está tão profundamente arraigada em nosso sistema que é realmente difícil de eliminar”.

Muzik, do Instituto de Políticas de Saúde da Bratislava, declarou à IPS: “Um dos motivos dos problemas com os subornos na saúde é que a corrupção em geral está profundamente arraigada no comportamento das pessoas. Usavam subornos antes de 1989, sob o regime comunista, e continuam usando agora”. Os próprios pacientes têm um papel a cumprir na erradicação dos subornos, destacou. “Os pacientes têm que deixar de se guiar pela ideia de que se todos fazem, também vou fazer”, acrescentou.

Também é solicitado aos pacientes que denunciem os médicos que solicitam subornos e, junto com sua nova campanha, a Associação de Sindicatos Médicos pediu que o Ministério da Saúde crie uma linha telefônica especial para as vítimas dessa prática registrarem esses casos. Embora alguns médicos tenham sido pegos cobrando subornos depois que os pacientes foram à polícia, os julgamentos por casos de corrupção no setor são incomuns. Muitos doentes admitem ser reticentes em denunciar os profissionais que cobram pagamento ilegal, por medo do que a “máfia do avental branco”, como alguns chamam, possa adotar represálias em uma mesa de cirurgia.

Poucos médicos falam abertamente da corrupção ou de colegas que aceitam subornos. Mas, em particular, alguns admitem que essa é uma prática comum. Sylvia Kucharova (nome fictício), psiquiatra eslovaca da cidade de Zilina, disse à IPS que, embora não aceite subornos, está consciente de que estes acontecem. “há muitas pessoas que buscam e oferecem esses pagamentos. Isso sempre existiu”.

Há poucas expectativas de que este problema seja resolvido no futuro imediato. Mas, apesar das dúvidas sobre a efetividade da campanha em geral, o fato de ter sido lançada já é um passo positivo. Segundo Muzik, “embora seja improvável que a campanha tenha grande efeito sobre a corrupção, é bom que os médicos eslovacos estejam admitindo que há corrupção no sistema, que sentem que é generalizada e que querem fazer algo a respeito”. Envolverde/IPS