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Escudo de papel para a infância do Sri Lanka

Especialistas recomendam leis mais severas e maior conscientização sobre o abuso infantil. Foto: Amantha Perera/IPS
Especialistas recomendam leis mais severas e maior conscientização sobre o abuso infantil. Foto: Amantha Perera/IPS

 

Colombo, Sri Lanka, 11/10/2013 – A Política de Proteção Infantil, que será discutida no parlamento do Sri Lanka no final deste ano, não ajudará a reduzir os abusos contra menores, pois não inclui uma série de disposições fundamentais, afirmam especialistas. E insistem que o texto final deve conter cláusulas referentes a proteção de testemunhas, criação de tribunais especiais e definição dos processos para denunciar os crimes e garantir assistência às vítimas.

Embora não haja informação detalhada, as estimativas indicam que são registrados entre três e cinco abusos graves por dia nesse país insular da Ásia meridional, com 20 milhões de habitantes. “O número de casos registrados vem aumentando nos últimos anos”, confirmou Ediriweera Gunasekera, porta-voz da Autoridade Nacional para a Proteção Infantil, responsável por formular políticas de prevenção, monitorar a incidência desses crimes e dar assistência às vítimas. “Sem dúvida alguma, agora são denunciados mais casos”, disse à IPS.

Em 2012, a polícia recebeu 1.759 denúncias de violação de meninos e meninas, incluindo incestos, contra 1.463 registradas em 2011, segundo dados apresentados no parlamento. E, nos primeiros seis meses deste ano, foram feitas 805 denúncias. Uma reforma do Código Penal, de 1995, tipificou como crime de violação todo ato sexual, consensual ou não, com menores de 16 anos.

Mas a demora nos processos legais e a falta de sistemas de proteção às testemunhas e de atenção com as vítimas desanima as denúncias, alerta um estudo do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). “Os procedimentos para investigar e julgar o abuso infantil, para proteger as testemunhas e apoiar as vítimas são totalmente insuficientes”, conclui o trabalho.

Dos 1.453 casos denunciados em 2011 não houve uma só condenação, e estão pendentes de resolução outros oito mil que datam de até seis anos atrás. Segundo funcionários do escritório do Unicef em Colombo, o sistema judicial está abarrotado de processos atrasados. “Todo o sistema deve ser revisto e reconstruído em todas as suas etapas, e a eficiência deve ser uma prioridade”, destacou o Unicef em uma declaração enviada à IPS por e-mail.

Harini Amarasuriya, conferencista da Universidade Aberta do Sri Lanka e coautora do informe, acredita que o sistema judicial se centra nos julgamentos e desatende outros assuntos importantes, como a situação das vítimas e das testemunhas. “Lamentavelmente, não há indícios de que esteja sendo dada prioridade a estes temas”, afirmou. Funcionários do Ministério da Justiça e da Autoridade Nacional de Proteção Infantil confirmaram à IPS que o projeto de Política de Proteção Infantil não inclui sugestões dos especialistas.

Enquanto isso, o Unicef redobra esforços para que sejam processados todos os casos pendentes. Esta agência da ONU e vários escritórios do governo do Sri Lanka lançaram, no ano passado, um programa para capacitar oficiais de polícia e da promotoria no tratamento das denúncias de abuso infantil. Por sua vez, o Departamento de Polícia abriu escritórios distritais com pessoal capacitado para receber este tipo de denúncias e gerenciar os casos.

Em 2012, começaram a funcionar dois tribunais especiais, um em Colombo e outro na cidade de Jaffna, norte do país. Amarasuriya destacou que o aumento das denúncias se deve, em parte, a uma maior conscientização sobre o problema entre a população, mas insistiu na necessidade de mudar algumas mentalidades. “Ainda se necessita de muito mais consciência e discussão sobre o assunto”, afirmou o Unicef no comunicado, destacando que “uma mudança nos comportamentos reduz os casos de abuso”.

As meninas são mais vulneráveis do que os meninos, pontuou Amarasuriya. As estimativas indicam que cerca de 70% das denúncias têm as meninas como vítimas. “O estigma social está mais dirigido para as meninas vítimas de abusos”, e costumam ser marginalizadas por suas próprias comunidades, sobretudo quando, mais tarde, tentam encontrar alguém com quem se casar, ressaltou.

Segundo o Unicef, a incidência de abusos é particularmente alta nas áreas rurais, como o distrito de Anuradhapura, na província Central do Norte, e no de Rathnapura, na província de Sabaragamuwa. Os funcionários reconhecem que, apesar do aumento das denúncias, ainda há muitos casos que não são informados. As investigações também expõem que o abuso infantil é um fator que contribui para a violência física e sexual contra as mulheres.

“A experiência masculina de ter sofrido abuso emocional e abandono na infância se associação à prática de violações sexuais em dois países, China e Sri Lanka”, diz um estudo publicado no final de setembro por várias agências da ONU. Pelo menos metade dos homens que cometem violações sofreram abusos em sua infância, revela a investigação. “O abuso infantil é um fenômeno comum em toda a região. No Sri Lanka, 50% dos homens reportam experiências de abuso emocional e abandono na infância”, afirma o estudo, para o qual foram entrevistadas 13 mil pessoas em seis países da Ásia e do Pacífico. Envolverde/IPS