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É preciso ouvir os mais vulneráveis

Londres, Inglaterra, e Islamabad, Paquistão, 7/6/2011 – A Agência Internacional de Energia alertou, na semana passada, que as emissões de dióxido de carbono em 2010 foram as mais altas da história. Faz-se urgente um novo tratado contra a mudança climática, que tenha em sua elaboração a participação dos países que mais sofrem os danos. Segundo a AIE, se o mundo quer que o aquecimento global não supere os dois graus acima dos registros pré-industriais resta muito pouco tempo para agir.

Durante muito tempo, dois graus foi um limite importante nas mentes de políticos e cientistas do clima. Além deste limite, os impactos da mudança climática podem ser catastróficos. Neste contexto, adquirem uma urgência renovada as conversações sobre mudança climática da Organização das Nações Unidas, que começaram ontem em Bonn e terminarão no dia 17.

O processo da Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática permite que todos os países desempenhem um papel na hora de enfrentar o desafio. Mas, como ocorre tão frequentemente nas negociações internacionais, as vozes dos Estados mais ricos e industrializados ameaçam calar as dos países menos adiantados.

Os delegados presentes em Bonn discutirão assuntos de importância crucial para os países menos adiantados. As reuniões são um marco fundamental no caminho para a próxima Conferência das Partes da Convenção, que acontecerá em dezembro na cidade sul-africana de Durban. Nessa oportunidade, os países em desenvolvimento esperam chegar a um acordo sobre um ambicioso tratado mundial, legalmente vinculante, que substitua o Protocolo de Kyoto (assinado em 1997 e em vigor desde 2005), que expira em 2012.

A probabilidade de se chegar a um acordo dessas características na África do Sul já está em jogo. Para se obter um tratado que mereça crédito e seja verdadeiramente ambicioso, é vital que agora sejam ouvidas de modo adequado as vozes das nações menos adiantadas. Na mesa de negociações de Bonn há uma série de questões relativas a mitigação (como reduzir as emissões de carbono), adaptação (como enfrentar os efeitos de um clima mais volátil) e financiamento climático (como pagar as medidas para enfrentar a mudança climática).

Este último assunto é particularmente penoso para os países menos adiantados. A maioria deles já experimenta os impactos da mudança climática causada pelos seres humanos, desde um aumento do nível do mar em pequenos Estados insulares, como Tuvalu, até inundações extraordinárias em Bangladesh ou secas prolongadas no Chifre da África. É necessário um financiamento generoso para manejar desastres que não foram causados por esses países, e para colocar as nações em caminhos de desenvolvimento mais verdes e resilientes.

Em Bonn, membros de um Comitê de Transição se reunirão para avaliar os avanços com vistas à criação do Fundo Verde para o Clima, um dos maiores compromissos assumidos na 16ª Conferência das Partes da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP 16), realizada em dezembro passado no balneário mexicano de Cancún. Este Fundo buscará ajudar os países pobres a incursionarem em um desenvolvimento mais compatível com o clima. Para conseguir isto, são necessários recursos do Fundo no curto prazo. Também se espera que das reuniões em Bonn surja um comitê para melhorar a coordenação e a distribuição do financiamento relativo à mudança climática. Se isso for alcançado, será um grande avanço para tornar mais efetiva a assistência dos doadores.

As partes das negociações debaterão sobre a criação de um Comitê de Adaptação que faça avaliações de vulnerabilidade, e, também, um acordo dos países em desenvolvimento para melhorar o modo como medem as reduções de emissões. Trabalharão para estabelecer um Mecanismo Tecnológico que acelere as transferências de tecnologia entre o mundo rico e os países em desenvolvimento, e que estas permitam traçar planos de redução das emissões derivadas do desmatamento. Por vários motivos, as nações menos adiantadas se arriscam a ficar à margem dos potenciais benefícios de um acordo comum.

Primeiro, esses países dependem de coalizões amplas, como o Grupo dos 77 (a maior coalizão de nações em desenvolvimento), para abarcar todos os temas das conversações. Isto significa que um diverso grupo de países frequentemente tem de encontrar um denominador comum quando negociam uma política vital. Chegar ao consenso pode implicar passar por cima das necessidades dos Estados individualmente.

Segundo, para ter a oportunidade de que suas vozes sejam ouvidas, as nações menos avançadas devem avaliar complexos estudos e informes científicos. Em muitas ocasiões, estes estudos têm origem em economias industrializadas ou organizações de especialistas internacionais e outras fontes de nações ricas. Pode ser difícil para as economias em desenvolvimento obter pontos de vista alternativos e mais relevantes.

Terceiro, como as negociações ganham uma dimensão cada vez mais legal, há uma ampla desigualdade no acesso aos recursos legais. Os países menos adiantados se esforçam para mobilizar perícia legal na velocidade necessária para influenciar e dirigir os procedimentos.

E, em última instância, a proliferação de reuniões dificulta às nações menos avançadas manterem a continuidade e a consistência nas estratégias de negociação.

O risco é que atores cruciais acabem tendo uma participação limitada nas conversações. Esses países são os que mais sofrem a mudança climática, e é improvável que recebam a ajuda que precisam porque suas posições não estão articuladas de maneira suficientemente clara. As negociações multilaterais deveriam ser mais inclusivas, mas são um processo intrincado. Para ter influência real, os delegados precisam ter fortes habilidades de comunicação, persuasão e outras de relacionamento interpessoal.

Assim, o êxito exige forte capacidade em todas estas áreas, mas isto é exatamente o que falta a muito dos países menos adiantados. Buscando enfrentar estas desvantagens estruturais, a Climate and Development Knowledge Network (CDKN – Aliança Clima e Desenvolvimento) trabalhará para ajudar essas nações a interpretar o idioma e a mecânica das negociações.

Os melhores resultados surgirão da combinação deste apoio no curto prazo com a criação de capacidade no longo prazo para os que tomam as decisões. Isso incluirá esforços no âmbito nacional. A CDKN apoia os países para que invistam fundos suficientes em pesquisa, explorem opções políticas e fortaleçam as instituições do governo e da sociedade civil para que influam nas negociações climáticas.

Por que as nações industrializadas deveriam se preocupar com o desempenho dos países menos adiantados nas conversações? Se concordarmos que um tratado climático é inconsistente com as necessidades das economias em desenvolvimento, todos sairão perdendo. A frágil estrutura dos países menos adiantados pode significar um contexto internacional que não se responsabilize pelos impactos da mudança climática sobre as pessoas mais pobres, com consequências importantes para o crescimento econômico mundial, os padrões de migração e o esgotamento dos recursos.

Os países menos adiantados não conseguirão da noite para o dia o poder negociador dos países do Grupo dos 20 (industrializados e emergentes), e tampouco poderão sozinhos impor à força um acordo climático significativo este ano.

Entretanto, o correto é dar às nações menos adiantadas o apoio e o espaço necessários para que intervenham de modo efetivo nas conversações climáticas. Isso aumentará as possibilidades de um acordo mundial e um contexto financeiro internacional que protejam os mais vulneráveis do planeta e que ajudem a proteger todos nós. Envolverde/IPS

* Sam Bickersteth é diretor-executivo da Climate and Development Knowledge Network (CDKN – Aliança Clima e Desenvolvimento,). Ali Tauqeer Sheikh é diretor regional para a Ásia. A CDKN é um projeto quinquenal que ajuda os que tomam as decisões nos países em desenvolvimento a criar e concretizar um desenvolvimento compatível com o clima.