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Doadores adiam novamente informe sobre eficácia da ajuda

Ativistas se manifestam pelo direito à saúde por ocasião do quarto Fórum de Alto Nível sobre a Eficácia da Ajuda, realizada em Busan, em 2011. Foto: Miriam Gathigah/IPS
Ativistas se manifestam pelo direito à saúde por ocasião do quarto Fórum de Alto Nível sobre a Eficácia da Ajuda, realizada em Busan, em 2011. Foto: Miriam Gathigah/IPS

 

Washington, Estados Unidos, 4/4/2014 – Os grandes doadores de ajuda externa adiaram novamente a divulgação de um informe destinado a dar mais transparência às suas operações, além de incentivar a cooperação e a efetividade da assistência. A divulgação desse documento, sem precedentes, voluntário e guiado pela Organização das Nações Unidas (ONU), estava prevista originalmente para janeiro, mas foi adiada para a segunda quinzena de março, o que levou vários grupos da sociedade civil a questionar o compromisso dos doadores com a transparência.

“Se não informar aos que dirigem os assuntos do Estado onde será construída uma nova estrada, os proprietários de negócios não podem planejar seus investimentos”, afirmou à IPS o diretor de efetividade de ajuda da Oxfam Estados Unidos, Gregory Adams. “Vemos esse tipo de coisa na esfera do desenvolvimento. Se os doadores não informam onde vão construir, como pode um agricultor saber se planta um cultivo para exportação ou para consumo interno?”, disse a título de exemplo.

A campanha por este inédito informe começou em 2011, quando funcionários governamentais, representantes da indústria e membros da sociedade civil se reuniram na cidade sul-coreana de Busan, em uma conferência patrocinada pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômicos (OCDE), que reúne países ricos.

No encontro, os doadores e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) criaram a Aliança Mundial para uma Cooperação para o Desenvolvimento Eficaz (GPEDC). O órgão enfatiza a necessidade da “apropriação”, por parte dos beneficiários da ajuda, das estratégias de desenvolvimento, bem como na maior transparência e na responsabilidade em sua programação.

Esse contexto mundial de acompanhamento da efetividade da ajuda avaliará e seguirá de perto os progressos dos acordos feitos em Busan. Sua entrada em vigor estava prevista para começo deste ano, mas foi adiada em diversas ocasiões.

Os princípios de Busan defendem a apropriação das estratégias de desenvolvimento pelos países receptores da ajuda, a priorização dos resultados que incidirem no bem-estar das pessoas, a criação de associações entre agentes do desenvolvimento e a transparência e a responsabilidade compartilhada. Também enfatizam a colaboração e associação entre os beneficiários da ajuda, para ter maior influência no desenho das estratégias de desenvolvimento, bem como para garantir que o dinheiro seja usado em projetos efetivos.

“É uma questão fundamental quem conduz o desenvolvimento. Na Oxfam acreditamos que a ajuda não gera o desenvolvimento, mas as pessoas”, ressaltou Adams. “A ajuda cura a pobreza tanto como uma pá cava um poço ou um martelo constrói uma casa. São necessárias pessoas que façam isso, e se a elas são negadas informações básicas sobre o que se está fazendo, não apenas se perde oportunidades como também se frustra essa gente que se tenta ajudar”, destacou.

Esperava-se a divulgação do informe para antes da próxima reunião da GPEDC, no dia 15 deste mês, na Cidade do México, para que os doadores pudessem avaliar os progressos sobre o acordo de Busan e elaborar novas estratégias para sua implantação. Embora não esteja claro o motivo dos contínuos adiamentos, alguns analistas veem motivos políticos. Ao que parece, as descobertas do estudo revelariam a falta de progressos na implantação das reformas de Busan.

A Oxfam e outras organizações expressaram sua preocupação pela demora e, sobretudo, pela lenta implantação dos princípios de Busan, tanto da parte de países industrializados como do sul em desenvolvimento. “As descobertas preliminares do acompanhamento da GPEDC evidenciam que, no geral, se fez progressos lentos, embora sejam vendidos como um copo meio cheio”, declarou o escritório norte-americano da Oxfam em seu blog.

“Contudo, de particular preocupação são os indicadores que medem aspectos sobre controle nacional da ajuda. Ao contrário de informes anteriores sobre a eficácia da assistência, os dados sobre o desempenho de cada governo não serão apresentados no informe geral de acompanhamento, com a exceção do indicador de transparência”, acrescentou a Oxfam.

Hannah Ryder, chefe de equipe no britânico Departamento para o Desenvolvimento Internacional (DFID), pontuou que o sucesso de cada país só está avaliado em um dos dez indicadores que o informe maneja, o de transparência. Ela afirmou que isso se deve puramente a razões políticas, e sugeriu que alguns doadores não estão dispostos a revelar seu desempenho na maioria dos indicadores. “O Pnud e a OCDE não são independentes dos países e das organizações que enviam a informação”, escreveu Ryder no blog do DFID. “E é por isso que fazer uma classificação tem tantas considerações políticas para eles”, ressaltou.

“A principal razão pela qual a transparência pode ser classificada no informe é que já existe uma avaliação independente sobre isso, que é muito conhecida e respeitada. Mas para os outros nove indicadores e temas propostos no informe que vem, ainda não existem avaliações confiáveis e independentes”, acrescentou Ryder. Ela se refere ao Índice de Transparência da Ajuda, publicado pela campanha internacional Publish What You Fund, e que se baseia nos compromissos assumidos pelos doadores na conferência de Busan e em seus próprios informes a respeito.

Adams reconheceu que a transparência e a prática de informar detalhes sobre a ajuda internacional são conceitos relativamente novos para as organizações de desenvolvimento, mas insistiu em sua importância. “Quando essa informação é pública, é possível fazer duas coisas”, afirmou. “A primeira é que se pode pensar uma forma mais sofisticada de investir para aproveitar melhor esses investimentos em desenvolvimento. A segunda é que permite cobrar responsabilidade pelo que foi prometido”, explicou.

Ele citou o exemplo de Malawi, onde a transparência dos doadores nos últimos anos permitiu benefícios médicos tangíveis para as comunidades locais. “A informação adicional sobre onde eram distribuídos os medicamentos permitiu às comunidades ter melhor conhecimento de onde estavam armazenados. Isso possibilitou melhorar o serviço de entrega”, afirmou Adams.

A crescente ênfase na transparência do financiamento, e em um enfoque inclusivo e concentrado nos resultados, coincide com as limitações fiscais que sofrem todos os países doadores, incluído os Estados Unidos.

“Creio que o acompanhamento e a avaliação aumentaram desde algum tempo, mas nos últimos dois anos caiu nesse enfoque específico, pois vimos uma pressão que reduziu o orçamento”, disse à IPS a analista Casey Dunning, do Centro para o Desenvolvimento Global, com sede em Washington. “Acredito que se pode vincular isso diretamente com a austeridade nos orçamentos e a resistência em fazer novos programas. A ênfase agora está em considerar como estamos usando nossos recursos e como vamos aproveitar melhor o que já temos”, enfatizou. Envolverde/IPS