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Do mar ao criadouro

Xeque Rajleen, Palestina, 6/7/2011 – “Em Gaza, os peixes cultivados são melhores do que os do mar. Não deveria ser assim, mas com a contaminação por esgoto e as restrições impostas por Israel, os primeiros são mais limpos e saudáveis”, explicou o capitão Sohail Ekhail. “É quase impossível para os pescadores palestinos trabalhar no mar e a piscicultura oferece outra fonte de peixes de água salgada”, disse Ekhail, engenheiro de 38 anos que é um dos pioneiros nesta atividade em Gaza.

A captura é escassa comparada com a dos anos 1990, antes de Israel impor o bloqueio contra este território desde a vitória do Movimento de Resistência Islâmica (Hamás) nas eleições parlamentares de 2006. Desde então, passaram de pescar mais de 3.500 toneladas ao ano para menos de 500 toneladas. A marinha de Israel não deixa que os palestinos entrem no mar além de três milhas, o que levou ao esgotamento dos recursos.

Além disso, os peixes estão contaminados, nadam em esgoto, jogado no mar diariamente por falta de instalações para tratamento, contou Ekhail. “De todo modo, Gaza importa pescado congelado do Egito através dos túneis”, acrescentou. Há necessidade de contar com um produto comestível, acrescentou. Seus tanques têm centenas de peixes em fase de maturação, o que demora entre oito e dez meses. “Contudo, com os cortes de energia demora mais tempo”, ressaltou.

Grandes rodas que funcionam com eletricidade giram na superfície dos tanques para oxigenar a água salgada subterrânea que é renovada duas vezes por dia. Das três variedades de peixes que possui, a tilápia vermelha e a prateada são as mais populares e baratas, custando cerca de US$ 8 o quilo. Mas é muito caro para a maioria dos moradores de Gaza que dependem da assistência estrangeira para viver.

“Vendemos principalmente para restaurantes”, embora algumas famílias com mais recursos comprem, acrescentou Ekhail. Sua criação tem outros problemas, além dos cortes de energia. “Os clientes compram pescado congelado do Egito porque é mais barato. O alimento dos peixes vem de Israel e costuma haver atraso na entrega”, lamentou.

O maior problema foi a total destruição de seu criadouro durante o ataque de três semanas de Israel contra Gaza no final de 2008 e começo de 2009. Reconstruído em um terreno alugado, o criadouro fica a cinco minutos de carro fora da cidade de Gaza. As ondas do mar adentram na terra mais de 50 metros superando os tanques protegidos com carpas.

Historicamente, a região dependeu dos recursos marinhos, o que se reflete nos tradicionais pratos de Gaza à base de pescado e o legado de homens em barcos para pesca de arrastão, embarcações a motor e com remo do tamanho de uma canoa. O desenvolvimento da aquicultura reflete a insistência dos palestinos, decididos a criar fontes de trabalho e alimento apesar do inflexível sítio imposto por Israel contra Gaza, com apoio internacional.

Também mostra a permanente apatia da comunidade internacional diante da dura situação que devem enfrentar todos os dias os quatro mil pescadores de Gaza, que sofrem disparos, bombardeios e o lançamento de produtos químicos que cheiram a excremento. Além disso, centenas são sequestrados todos os anos de águas palestinas pela marinha israelense para evitar que pratiquem seu ofício.

As 20 milhas náuticas atribuídas aos palestinos nos acordos de Oslo foram reduzidas por Israel para menos de três. Muitos pescadores foram assassinados ou feridos por pescarem dentro dos limites impostos pelo Estado judeu. Além das vítimas humanas, as restrições à pesca impostas por Israel causam um prejuízo econômico às 65 mil pessoas que dependem diretamente da atividade, segundo o Programa Mundial de Alimentos (PMA). Muitas famílias não podem se dar ao luxo das proteínas que oferece o pescado, porque a captura atual é escassa e o que tem disponível é cultivado ou importado.

Organizações como o PMA incentivam a piscicultura em Gaza como fonte de alimento alternativo para os 1,6 milhões de habitantes, uma solução temporária, não permanente. É uma solução que, de forma intencional ou não, é funcional ao sítio de Israel porque impede que os palestinos sejam autossuficientes e suas habilidades pesqueiras transmitidas de geração a geração.

Tampouco atende a raiz do problema, o sítio e o jogo mortal do Estado judeu em águas Palestina, desenhados para que os palestinos sejam cada vez mais dependentes da ajuda externa. Envolverde/IPS