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Divididos executamos

Ramalá, Cisjordânia, 18/8/2011 – A execução de um palestino e de seu filho pelas forças de segurança do Hamas (Movimento de Resistência Islâmica), que controla Gaza, revela uma acentuada diferença entre a aplicação da pena de morte nesse território e na Cisjordânia, onde vigora uma moratória de fato. A pressão de organizações de direitos humanos palestinas e internacionais para revogar a pena máxima não conseguiu salvar a vida dos dois homens. “Na Cisjordânia são executadas poucas sentenças porque o presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Mahmoud Abbas, não assinam as ordens, mas o sistema judicial não melhorou”, afirmou Jaber Wishah, do Centro Palestino de Direitos Humanos.

Um tribunal civil condenou, em novembro de 2004, um homem de 60 anos e seu filho, de 29, por traição e assassinato. O Ministério do Interior assegurou que foi aplicada a pena máxima aos condenados depois que o Tribunal de Apelações rejeitou o recurso apresentado por ambos e confirmou a sentença ditada pelo Tribunal de Primeira Instância. A execução aconteceu em julho. Funcionários do Hamas afirmam que os condenados confessaram passar informação às forças israelenses que serviram para localizar combatentes da resistência, incluindo o dirigente Aziz Rantisi, morto em 2004 em um ataque aéreo contra seu automóvel.

O Centro Palestino de Direitos Humanos criticou as condenações argumentando que foram executadas sem a ratificação de Abbas. O Código de Procedimento Penal palestino, de 2001, estabelece que o presidente da ANP deve ratificar todas as condenações à morte. Nos últimos casos, Abbas se negou a dar sua autorização e acabou impondo uma moratória de fato na Cisjordânia, onde ainda governa. O enfrentamento entre líderes do Hamas, em Gaza, e da ANP, dirigida pelo partido secular Fatah na Cisjordânia, após a guerra civil de 2007, dividiu o sistema legal palestino, que agora é diferente em cada território.

O Código Penal palestino, vigente na Cisjordânia, prevê a pena de morte para 17 crimes, e o da Faixa de Gaza, para 15. Normalmente, as sentenças são dadas por tribunais civis. A ANP também dita a pena capital de acordo com o Código Penal Revolucionário da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), de 1979. Este código prevê esse castigo para 42 crimes e é aplicado por tribunais especiais militares e de segurança estatal, que são os responsáveis pela maior parte das condenações à morte ditadas pela ANP. A situação legal é criticada por juízes civis da Autoridade Judicial da Cisjordânia.

Thuraya Alwazir, uma das poucas juízas da Autoridade Judicial, questionou que a atividade dos tribunais militares se estenderia à jurisdição dos civis. “Isto não nos agrada e cremos que somente os tribunais civis deveriam ter autoridade para condenar à morte. O presidente sabe de nossa preocupação e o assunto está em estudo, mas, pendente devido à atual situação política”, disse Alwazir à IPS. Ao emitir condenações à morte, o sistema judicial palestino contraria o direito internacional de várias formas, segundo a organização de direitos humanos israelense B’tselem.

As falhas vão desde a quantidade de crimes passíveis de serem punidos com a pena máxima até a forma como os tribunais especiais privam os condenados do devido processo. Estes têm poucas chances de se defender e não há um procedimento jurídico para apelar das decisões dos tribunais militares e de segurança estatal. Cinco moradores de Gaza foram executados pelas autoridades do Hamas neste ano. Entre 1995 e 2010, 89 palestinos foram condenados à morte, dos quais 18 foram executados, segundo a B’tselem. Duas das sentenças foram comutadas por prisão perpétua.

Dos condenados, oito foram assassinados sob custódia da ANP, outros três foram mortos após fugirem da prisão durante um ataque lançado por Israel contra Gaza, entre dezembro de 2008 e janeiro de 2009, 11 foram libertados ou conseguiram fugir, e dois estão desaparecidos. Os demais permanecem no pavilhão da morte. Haider Ghanem, da cidade de Rafah, em Gaza, esteve preso por vários anos, acusado de passar informação a Israel, que era utilizada para matar vários combatentes da resistência palestina.

Ghanem conseguiu fugir durante a operação Chumbo Derretido, mas foi sequestrado pelo Hamas na casa de sua irmã, na segunda noite após sua fuga. “Homens do Hamas fortemente armados entraram à força em nossa casa e levaram Haider”, contou à IPS sua irmã, Ighlas Ghanem. “Dias depois nos disseram para retirar seu corpo. Ele apanhou e recebeu vários disparos nas pernas e nos braços antes de ser executado”, acrescentou. Envolverde/IPS