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Dia mundial do vaso sanitário não é uma piada

 

 A falta de saneamento afeta a higiene de meninos e meninas, como ocorre com esse esgoto a céu aberto em Madagascar. Foto: Lova Rabary-Rakontondravony/IPS

A falta de saneamento afeta a higiene de meninos e meninas, como ocorre com esse esgoto a céu aberto em Madagascar. Foto: Lova Rabary-Rakontondravony/IPS

 

Nações Unidas, 19/11/2013 – A Organização das Nações Unidas (ONU) tem uma longa tradição de comemorar marcos políticos, como a abolição da escravatura, e de organizar intermináveis sessões sobre temas polêmicos, como os testes nucleares. A agenda da ONU cobre uma ampla gama de tópicos políticos, sociais e econômicos, com jornadas como Dia Mundial Contra o Câncer, Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, Dia Mundial dos Refugiados, Dia Mundial da Luta Contra a Aids, Dia Mundial da População e Dia Mundial da Água.

No entanto, por alguma razão inexplicável, as Nações Unidas vinham deixando de lado um problema que atinge mais de 2,5 milhões de pessoas: a falta de saneamento adequado. Por isso, sua Assembleia Geral, de 193 membros, adotou em julho uma resolução apresentada por Cingapura para declarar 19 de novembro Dia Mundial do Vaso Sanitário.

“O nome é contagioso e engraçado”, reconhece a declaração de Cingapura, “mas serve para chamar a atenção do público e se concentrar nos desafios do saneamento e dos vasos sanitários”. A resolução, copatrocinada por 121 países-membros da ONU, exorta no sentido de gerar maior atenção para a crise mundial de saneamento, com a comemoração deste dia.

O representante permanente-adjunto de Cingapura na ONU, Mark Neo, disse à IPS que o saneamento não estava entre os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) e que sua inclusão foi acordada mais tarde, na conferência Rio+10, realizada em Johannesburgo, na África do Sul, em 2002. “O mais importante é que o saneamento não se refere apenas a vasos sanitários e infraestrutura, mas a mudanças sociais e aos comportamentos, que não se pode conseguir de um dia para outro”, destacou.

Apesar desses obstáculos, houve um importante avanço. Desde 1990, 1,8 bilhão de pessoas no planeta obtiveram melhor saneamento, e o número de pessoas que defecam ao ar livre diminuiu em 272 milhões, ressaltou Neo. “Contudo, a triste realidade é que um bilhão de pessoas ainda defecam ao ar livre, e 2,5 bilhões não têm instalações sanitárias adequadas”, afirmou. De todo modo, o último Chamado à Ação Sobre Saneamento, do vice-secretário-geral da ONU, Jan Eliasson, e a resolução do Dia Mundial do Vaso Sanitário são ferramentas úteis e oportunas para “destacar a necessidade de avançar”, acrescentou.

Chris Williams, diretor-executivo do Conselho Coletivo de Fornecimento de Água e Saneamento (WSSCC), com sede em Genebra, disse à IPS que esse assunto é fundamental para o desenvolvimento econômico, social e de saúde em todo o mundo. “Em um ambiente sem saneamento nem água potável, alcançar outras metas de desenvolvimento é um sonho impossível. Agora é hora de agir”, pontuou. Nessa campanha, o governo de Cingapura se associou à Organização Mundial do Vaso Sanitário (WTO), fundada em 2001, com sede nesse país asiático.

A WTO é uma plataforma de 534 grupos e entidades da sociedade civil e governamentais que trabalham em temas de saneamento. O fundador da entidade, Jack Sim (conhecido afetuosamente como “senhor sanitário”) estará presente hoje na sede da ONU para as comemorações. “Quando éramos crianças, nossos pais nos diziam para não falarmos” em defecar, contou Sim à IPS. “Isso é um sério problema. Não se pode melhorar aquilo de que não se fala”, explicou.

Fleur Anderson, chefe de campanhas da organização WaterAid, de Londres, disse à IPS que a comemoração de hoje não é mais uma, pois representa um forte sinal de que os governos reconhecem a importância do acesso ao saneamento para salvar vidas de meninos e meninas. “Trabalharemos com outros para aproveitar o Dia Mundial do Vaso Sanitário e chamar a atenção dos governos para a grandiosidade do problema”, detalhou.

A WaterAid também prevê lançar um informe com a WSSCC e a empresa de sabonetes Unilever para destacar o enorme impacto do saneamento na vida das mulheres, e pedir a colaboração entre governos, sociedade civil e setor privado para alcançar a meta de reduzir pela metade o número de pessoas sem saneamento adequado, incluída nos ODM.

Para Emma Pfister, gerente de meios sociais e associação na organização Water for People, não basta investir dinheiro para instalar mais vasos sanitários. “Vimos que esse enfoque não funciona e, portanto, é perda de dinheiro e cria mais desafios para os pobres do planeta”, explicou à IPS. “Nosso objetivo na Water for People é garantir que cada família, escola e clínica tenha acesso a um banheiro adequado, isto é, que possa continuar funcionando”, detalhou.

Comemorar o Dia Mundial do Vaso Sanitário é um grande passo à frente, pois faz do saneamento uma prioridade na agenda mundial, ressaltou Pfister. “E também ajuda a conscientizar e mobilizar fundos. Devemos exigir soluções mais efetivas com um impacto mais duradouro”, apontou. “Devemos mudar a forma como se investe a ajuda e fazer com que as agências da ONU, as organizações não governamentais e os governos prestem contas do que fazem ao intervirem na vida das pessoas”, acrescentou.

Neo enfatizou à IPS que não há tempo suficiente para alcançar a meta dos ODM sobre saneamento até 2015. No ritmo atual, estima que em 2015 ainda haverá 936 milhões de pessoas que deverão fazer suas necessidades ao ar livre. “Portanto, é importante que o saneamento ocupe um lugar destacado nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”, que sucederão os ODM na agenda pós-2015, afirmou. Segundo Neo, o saneamento deficiente custa aos países entre 0,5% e 0,7% de seu produto interno bruto, enquanto os ganhos mundiais com investimentos nesse setor seriam de US$ 260 bilhões ao ano.

A chefe executiva da WaterAid, Barbara Frost, recordou que com a mudança de milênio os governantes mundiais se comprometeram a reduzir pela metade a proporção de pessoas sem acesso a saneamento até 2015. Mas, no ritmo atual, cerca de 500 milhões de pessoas terão que esperar outra década para ver cumprida a promessa desse serviço básico. “Podemos e devemos fazer melhor, porque estamos falando de serviços básicos que podem transformar vidas”, ressaltou à IPS. Envolverde/IPS