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Derrota parcial da ofensiva sobre a CIDH

Vista das delegações na sessão do dia 22 da Organização dos Estados Americanos. Foto: Juan Manuel Herrera/OEA

 

Washington, Estados Unidos, 25/3/2013 – A Organização dos Estados Americanos (OEA) aprovou de forma unânime uma série de reformas no Sistema Interamericano de Direitos Humanos, mas deu marcha à ré nas propostas que mais preocupavam a sociedade civil. Porém, defensores dos direitos humanos se sentiram frustrados pela votação, realizada na última hora do dia 22, em Washington, pois não colocou um ponto final no processo reformista.

Ao contrário, na resolução os 35 Estados ordenam à OEA que “continue o diálogo a respeito dos aspectos centrais do fortalecimento” do sistema, que inclui a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e o Tribunal Interamericano de Direitos Humanos. “Com este documento, os Estados apoiam elementos essenciais de um sistema robusto que continuará sendo importante no futuro”, declarou à IPS a diretora-executiva do International Justice Resource Center, Lisa Reinsberg.

“Contudo, esperávamos que a sessão pusesse fim ao debate sobre as reformas. Por outro lado, a CIDH agora deverá investir mais tempo e recursos em responder às sugestões, desviando sua atenção de problemas importantes de direitos humanos”, ressaltou Reinsberg. O polêmico processo de reformas, que já dura quase dois anos, pode ter efeitos devastadores para um sistema de justiça apreciado pela comunidade de direitos humanos da América Latina e do Caribe, mas que incomoda governos da região.

Desde sua criação, a CIDH demonstrou ser uma das partes mais efetivas da moribunda estrutura da OEA. A CIDH é um órgão autônomo com faculdades políticas – realizar visitas específicas e emitir recomendações e informes – e quase judiciais: receber denúncias de particulares ou organizações, determinar se são admissíveis, solicitar aos Estados medidas cautelares e enviar casos ao Tribunal. Os dois organismos têm a função principal de fiscalizar o respeito à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, adotada em 1969.

Embora a reforma seja caracterizada formalmente como um “processo de fortalecimento”, é impulsionada pelos governos de Equador, Venezuela, Bolívia e Nicarágua, que expressaram seu descontentamento com este sistema. Inclusive, a Venezuela denunciou a Convenção Americana no ano passado. No entanto, outras preocupações sobre o fortalecimento do sistema, em especial sua crônica falta de recursos, serão abordadas apenas em parte. Na verdade, a questão do financiamento é crucial para as partes enfrentadas.

“Este processo não conseguiu um verdadeiro fortalecimento nem tampouco mais recursos”, disse a magistrada hondurenha Tirza Flores na manhã do dia 22, diante da sede da OEA, em nome de mais de 150 organizações e de milhares de pessoas que enviaram petições à CIDH. “Cobramos dos Estados o cumprimento de sua obrigação de financiar a Comissão, em lugar de sufocá-la limitando ou condicionando as contribuições externas que obtém”, ressaltou.

Flores também pediu o fim do “processo político” de revisar os procedimentos do sistema. Isto foi difucultado por uma proposta de último minuto apresentada por Equador, Venezuela, Nicarágua e Bolívia de “continuar o diálogo”, pois a seu ver o processo “não conseguiu atingir seu objetivo”. Nessa proposta, estes quatro países pediram que o debate se mantenha com base em meia dúzia de assuntos, como a faculdade da CIDH de adotar medidas cautelares de proteção, o informe anual que publica sobre a política de direitos humanos de países individualizados e o funcionamento de relatorias especializadas.

Estes desacordos levaram várias delegações a expressarem sua preocupação de que a votação do dia 22 levasse à ruptura, sobretudo porque Equador e Bolívia quase se negam a votar a resolução final e advertiram várias vezes que seguirão os passos da Venezuela. Este cisma iminente foi o tema de fundo que pautou as negociações sobre o texto que deveria constar na resolução final.

A discussão girou em torno de três desacordos principais: o alcance da expressão “financiamento total” da CIDH; se as contribuições “externas” que o sistema recebe devem ser apontadas de forma específica; e como definir as tentativas de “fortalecer” e “financiar” adequadamente as relatorias especiais.

Os Estados Unidos são o principal contribuinte voluntário da CIDH, entregando US$ 13 milhões adicionais ao seu orçamento anual de US$ 10 milhões, e também é o país-sede de seus escritórios. Por outro lado, há décadas se nega – como o Canadá, outro importante financiador – a ratificar a Convenção Americana, base de todo o sistema continental de direitos humanos.

Para piorar as coisas, cerca de um terço do orçamento do sistema procede da União Europeia (UE), um ator completamente alheio à OEA. “O controle e as decisões políticas não estão em nossas mãos, mas nas de outros”, disse o chanceler do Equador, Ricardo Patiño. O impacto desta forma de financiamento, segundo o ministro, determina que o sistema de justiça continental reflita a ideologia e as prioridades de seus contribuintes principais, em lugar das dos países-membros.

Por exemplo, Patiño citou que a Relatoria Especial sobre Liberdade de Expressão (cara aos olhos de Washington e da UE) recebe muito mais recursos do que outras sobre mulheres, infância ou povos indígenas. O chanceler também propôs a criação de uma nova relatoria, sobre torturas e assassinatos extrajudiciais, fazendo referência ao programa de “drones”, aviões não tripulados que os Estados Unidos utilizam para matar pessoas e atacar alvos em qualquer lugar do mundo.

No entanto, nos últimos três anos o Equador entregou apenas US$ 1.400 ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos, enquanto Bolívia e Venezuela não colocaram um centavo entre 2010 e 2012. Porém, parece evidente que “uma maioria clara de governos da região apoia a resposta da CIDH ao processo de reformas”, disse à IPS a diretora-executiva do Centro para a Justiça e o Direito Internacional, Viviana Krsticevic, com sede em Washington.

Os procedimentos exigem que os Estados façam sugestões de mudanças na CIDH. Em resposta ao debate, a Comissão realizou um amplo programa de consultas, fóruns e contribuições que terminaram no dia 19 com sua própria reforma. “Mas os governos não comprometeram os US$ 10 milhões adicionais que são necessários para a CIDH funcionar de maneira efetiva”, destacou Krsticedvic.

No dia 22, quase todas as delegações exortaram os países a se unirem e tomarem em suas mãos o financiamento completo do sistema, que teria custo de apenas dois centavos de dólar por cidadão, conforme destacou um delegado. Como a resolução reafirma o compromisso de “financiamento total”, este parece ser um ponto ao qual se chegou a um acordo, pelos menos formalmente. Envolverde/IPS