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Deportações do Quênia, alimento para o Al Shabaab na Somália

Somalianos deportados do Quênia são recebidos por autoridades de seu país. Calcula-se que cerca de 500 somalianos foram deportados e outros quatro mil estão detidos no Quênia. Foto: Abdirahman Omar Abdi/IPS
Somalianos deportados do Quênia são recebidos por autoridades de seu país. Calcula-se que cerca de 500 somalianos foram deportados e outros quatro mil estão detidos no Quênia. Foto: Abdirahman Omar Abdi/IPS

 

Nairóbi, Quênia, 28/5/2014 – Uma operação de repatriação e deportação de imigrantes somalianos, que o Quênia aplica desde abril, pode terminar alimentando as fileiras do grupo somaliano radical islâmico Al Shabaab, que precisa de combatentes e fundos, afirmaram especialistas e fontes do governo na Somália.

O ministro de Interior e Federalismo da Somália, Mohamud Moalim Yahye, disse à IPS que a repatriação precipitada e a deportação coletiva de seus concidadãos comprometeriam as recentes melhorias na segurança que os governos da região adotaram contra o Al Shabaab, que causou a morte de 67 pessoas em um atentado contra o shopping Westgate no Quênia, em setembro.

“A deportação, sem planejamento nem coordenação, de pessoas, especialmente dos jovens, provocará caos e anarquia, já que não há recursos para apoiá-los e gerar postos de trabalho para todos”, destacou Yahye à IPS, por telefone, de Mogadíscio. O governo somaliano solicitou ao Quênia que suspenda a deportação coletiva de seus cidadãos, que começou no início de abril, até que seja implantado um acordo tripartite para a repatriação dos refugiados.

O acordo, que os dois governos e a Agência de Refugiados das Nações Unidas assinaram em 2013, regula a repatriação dos refugiados somalianos ao longo dos próximos três anos, mas o pacto só se refere a uma repatriação voluntária e organizada.

A Somália, onde o desemprego entre os jovens de 14 a 29 anos é um dos mais altos do mundo, com taxa de 67%, não tem capacidade para receber e integrar um grande número de refugidos e deportados, afirmou o ministro Yahye. Em consequência, especialistas em segurança, funcionários e políticos em Mogadíscio e Nairóbi expressaram sua preocupação quanto aos deportados e repatriados poderem ser recrutados pelo Al Shabaab, grupo vinculado à rede islâmica Al Qaeda, que precisa desesperadamente de sangue novo.

“Esses jovens, se somando aos insurgentes, serão uma vantagem que poderia ajudar o grupo a fazer estragos não apenas na Somália e no Quênia, mas na maior parte da África oriental”, disse Zakariye Yusuf, analista do International Crisis Group, uma organização independente dedicada a prevenir os conflitos armados.

O Quênia abriga mais de um milhão de refugiados somalianos, metade deles imigrantes ilegais, segundo o Ministério de Relações Exteriores e Comércio Exterior queniano. Em abril, o governo do Quênia lançou a operação Usalama Watch, que colocou sob custódia mais de quatro mil pessoas – em sua grande maioria refugiados e imigrantes somalianos – e repatriou outras 500 para a Somália.

Centenas esperam pela deportação, segundo informou a embaixada da Somália no Quênia. Empregados de linhas aéreas e agências de viagens disseram que outras sete mil pessoas, metade delas jovens, fugiram de Nairóbi para Mogadíscio após começar a operação. Acredita-se que milhares cruzaram a fronteira com o Quênia e regressaram à Somália.

O Al Shabaab poderia recrutar esses jovens, por seu conhecimento do idioma swahili e da cultura da região, para desenvolver atividades terroristas no Quênia e, possivelmente, em outros países da África oriental, pontuou Yusuf. “Eles terão maior facilidade para se esconder, infiltrar-se na sociedade e instalar casas seguras para coordenar suas operações do que outros que não viveram no Quênia”, acrescentou o analista.

O Al Shabaab tem necessidades financeiras desde que perdeu sua influência em Mogadíscio e na cidade portuária de Kismayo. Na verdade, sofre escassez de combatentes nos últimos três anos porque centenas de seus homens morreram, fugiram do país ou passaram para as fileiras do governo, que lhes prometeu anistia, proteção e um futuro melhor.

“Esses jovens antes tinham uma pequena empresa ou trabalhavam como vendedores em lojas de Nairóbi, mas suas vidas foram interrompidas pela repressão e deportação”, afirmou Abdiwahab Sheikh Abdisamad, especialista no Chifre da África da Universidade do Quênia. “Agora estão de volta ao seu país, desesperados por fazer o que puderem para ganhar a vida. É esse tipo de recrutas que o Al Shabaab busca”, ressaltou.

Segundo esse especialista, o grupo tem os dias contados. “A repatriação ou deportação de pessoas, especialmente homens jovens, para a Somália equivale simplesmente a dar um salva-vidas ao Al Shabaab, que tem um histórico de recrutamento forçado de pessoas, em um momento crucial”, acrescentou. Para Abdisamad, os que retornam se uniriam à guerrilha para ganhar um salário a fim de manterem suas famílias, ou por vingança, por se sentirem humilhados e maltratados no Quênia.

As deportações geram uma situação que permitiria ao Al Shabaab recrutar combatentes jovens e a baixo custo, ressaltou Abdisamad. “Quando o tema do terrorismo é mal manejado, tem muitas repercussões. Isso é algo que os guerrilheiros queriam e esperavam há anos. Assim, não melhorou em nada em termos de segurança desde que foi lançada a operação”, afirmou.

Um comandante do Al Shabaab, Fuad Mohamed Khalaf, disse este mês que o grupo levaria a guerra ao vizinho Quênia, e ameaçou enviar terroristas suicidas adolescentes a Nairóbi. Khalaf exortou os muçulmanos quenianos a lutarem contra seu governo como represália por seus “irmãos muçulmanos” mortos no Quênia e na Somália.

Abdisamad afirmou que a operação Usalama Watch, prejudicada por falta de uma estratégia clara de luta contra o terrorismo, pelos abusos e pela intimidação das forças de segurança quenianas, é contraproducente e é o caminho perfeito para o recrutamento pelo Al Shabaab. Envolverde/IPS