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De Primavera Árabe a seca africana

Deauville, França, 30/5/2011 – Especialistas temem que a ajuda que o Grupo dos Oito países mais poderosos dará à África do Norte signifique menos dinheiro para o resto do continente. Na cúpula de dois dias encerrada no dia 27, nesta cidade do Norte da França, governantes do G-8 previram ajuda financeira de US$ 40 bilhões para Egito e Tunísia, que também beneficiará outros países da região de acordo com suas reformas democráticas.

O G-8, composto por Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Itália, Japão e Rússia, também “renovou” sua associação com a África, elogiou a “propagação da democracia” e o “novo dinamismo da região”. Seus integrantes também se reuniram com governantes de sete países africanos e, pela primeira vez, foi adotada uma declaração conjunta dos convidados.

Organizações não governamentais aplaudiram a medida, mas recordaram que é preciso fazer muito mais para ajudar as pessoas mais pobres do continente e que a atenção do G-8 ao mundo árabe não deve prejudicar os compromissos contraídos no passado com a África. “Na cúpula de Gleneagles, em 2005, o G-8 prometeu US$ 25 bilhões para o continente em 2010. Estamos em 2011 e vemos que faltam 40% dessa quantia”, disse Guillaume Grosso, diretor francês da organização de luta contra a pobreza ONE.

“Nossa preocupação é o fato de o G-8 não ter cumprido sua promessa nem feito uma nova”, disse Grosso à IPS. “Não há dinheiro para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio em 2015”, acrescentou, lembrando que é bom o G-8 “abraçar pela primeira vez a democracia e a liberdade”, mas seus governantes não devem se esquecer da África subsaariana.

“A Primavera Árabe pode significar uma seca africana”, disse Grosso à IPS. “O orçamento para o desenvolvimento estrangeiro sofre uma forte pressão e os fundos diminuíram e foram congelados em vários países. É preocupante que ao centrar-se no Norte do continente tenhamos menos dinheiro ainda para a África subsaariana, o que seria um grande erro”, acrescentou o diretor da ONE.

Antes da cúpula, organizações não governamentais criticaram a Itália e outros países do G-8 por não respeitarem seus compromissos. A Grã-Bretanha é o único membro que cumpriu o seu, por isso o primeiro-ministro David Cameron pediu urgência aos seus sócios no sentido de seguirem o exemplo de seu país. “Creio que as pessoas pensam que nestas cúpulas se reúne um monte de gente que faz promessas, especialmente para os mais pobres, depois comem um suculento almoço e se esquecem do que prometeram. Não estou disposto a fazer isso”, disse Cameron. “A Grã-Bretanha não acertará suas contas à custa dos mais pobres”, acrescentou.

“O compromisso do G-8 com os valores de liberdade e democracia não será totalmente alcançado enquanto houver extrema pobreza no mundo”, afirmou a ATD Fourth World, uma das 50 organizações credenciadas para participar da cúpula de Deauville. Há 300 milhões de indigentes na África, apesar da existência de economias de rápido crescimento, e muitas pessoas vivem em uma “pobreza desumana”, segundo a organização African Monitor. O fundador dessa organização e ex-arcebispo da Cidade do Cabo, Njongonkulu Ndungane, afirmou, antes da cúpula, que seria importante o G-8 e seus convidados africanos fixarem seus compromissos. “Os africanos esperam que suas economias cresçam, e rapidamente. E também que tenham a garantia de uma simples vida digna, não necessariamente opulenta”, escreveu Ndungane.

A prioridade da Tunísia é alavancar sua economia, criar empregos para os milhares de jovens sem trabalho e oferecer ajuda humanitária aos refugiados, muitos dos quais procedem da Líbia. “Os tunisianos conseguiram, em um curto espaço de tempo e apenas graças à força de suas convicções democráticas, uma revolução pacífica que será um marco na história da humanidade”, diz a declaração da delegação da Tunísia que participou da cúpula. “Esse país lançou um profundo movimento democrático no mundo árabe que pode remodelar totalmente o futuro do Norte da África e do Oriente Médio, bem como da zona euro-mediterrânea”, acrescenta a nota.

O G-8 mostrou uma clara vontade de apoiar o movimento democrático, disse o ministro das finanças da Tunísia, Jeloul Ayed. Este país prometeu melhorar a governança, acelerar o desenvolvimento de infraestrutura e de “capital humano”, aumentar sua participação nos mercados internacionais e transformar o setor financeiro. “Sem ajuda internacional o risco será maior para a Tunísia, de aumentar o desemprego e a instabilidade social, que levarão ao aumento da pobreza e dos fluxos migratórios”, alertou a delegação tunisiana.

O primeiro-ministro da Tunísia, Beji Caid Essebsi, à frente do governo interino, declarou que as mulheres terão um papel muito mais importante em cargos de decisão depois das próximas eleições, em princípio previstas para 24 de julho, embora possam ser adiadas. Dos cargos de governo, 50% estarão nas mãos das mulheres, disse aos jornalistas.

Numerosos ativistas e parlamentares de 35 países haviam pedido, antes da cúpula do G-8, que os pacotes de ajuda ao desenvolvimento se concentrassem nas mulheres e meninas. A secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, lançou uma iniciativa na sede da Unesco, em Paris, destacando as necessidades educativas específicas das meninas.

O G-8 não anunciou o cancelamento da dívida da Tunísia, como muitos observadores especularam. O anfitrião da cúpula, o presidente francês Nicolas Sarkozy, explicou a situação dizendo que “há países muito mais pobres” que também precisam de ajuda. Na África estão os 33 dos países menos adiantados e muitos deles são ex-colônias da França. Envolverde/IPS