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De país beneficiário a doador

Rio de Janeiro, Brasil, 18/4/2011 – Embora seus recursos ainda não sejam significativos, comparados com os que o mundo industrializado acumula, a cooperação internacional do Brasil cresceu consideravelmente nos últimos oito anos. Com isso, criou uma mudança de paradigma: passou de receptor de ajuda a doador. Os números da Agência Brasileira de Cooperação (ABC), vinculada ao Ministério das Relações Exteriores, confirmam a tendência à alta da cooperação técnica internacional, 53% da qual foi para países africanos e o restante para os vizinhos latino-americanos.

A ajuda duplicou de 2007 a 2008, triplicou em 2009 e no ano passado, quando chegou a US$ 50 milhões. “Não é muito em relação à dos países do Norte”, admitiu à IPS o diretor da ABC, Marco Farani. Contudo, é “muito importante”, porque, ao contrário dos países ricos, que habitualmente deixam em mãos de terceiros a cooperação, como consultorias internacionais ou organizações não governamentais, a ajuda brasileira é “personalizada”, ressaltou.

Farani se refere à transferência de tecnologia de políticas públicas que tiveram êxito no Brasil, por meio do envio de técnicos brasileiros em áreas de cooperação como agricultura, saúde, governança e educação. O fortalecimento da política de cooperação Sul-Sul, baseada na solidariedade, foi levada adiante nos oito anos de governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e continua com sua sucessora, Dilma Rousseff, segundo Farani.

O funcionário explicou que o mandato de Lula intensificou a “cooperação técnica como instrumento da política anterior”, no contexto de uma estratégia regional e mundial “mais afirmativa”. E acrescentou que a mudança de paradigma foi favorecida em decorrência crescimento constante da economia do Brasil, que hoje é a sétima maior do mundo.

Diante deste avanço, o Programa Mundial de Alimentos (PMA) decidiu abrir um escritório em território brasileiro. Com esta missão, está no Brasil o diretor interino desta agência especializada da Organização das Nações Unidas (ONU), Gemmo Lodesani. O escritório, que buscará converter-se em um Centro de Excelência para Alimentação Escolar, Nutrição e Segurança Alimentar, será sustentado, nos dois primeiros anos, por um fundo do Ministério da Educação e, segundo Lodesani, “será um emblema” da nova política brasileira de cooperação internacional.

A estratégia é somar e ampliar experiências para outros países tanto do PMA, que tem programas de alimentação escolar em 50 países, como do Brasil, que por via de um programa similar beneficia 47 milhões de alunos. Lodesani disse à IPS que é fundamental a “autoridade moral” que o Brasil lhe dá após o país obter resultados positivos no campo da alimentação escolar, além de estimular a agricultura familiar e a segurança alimentar. Tudo isso amparado em uma “base legal muito forte”, disse.

O Brasil “mudou drasticamente” seu perfil no contexto da cooperação internacional. Como exemplo, disse que o PMA passou a receber apoio do Brasil pela primeira vez em 2008, quando foi entregue US$ 1 milhão, para depois aumentar a contribuição para quase US$ 16 milhões em 2009, e US$ 13 milhões em 2010. Para este ano, está prevista a entrega de US$ 27 milhões. “Até há pouco, o Brasil era um país que recebia ajuda e nos últimos anos se transformou em um país doador”, destacou o diretor do PMA. Esta “política externa visível” é fundamental para um país que busca um papel protagonista no mundo, ressaltou.

Um interesse político de “prestígio” internacional que Farani reconhece, mas que não vincula a um interesse de “intervenção política”. Trata-se de uma assistência sem condições, com políticas construídas junto aos governos receptores, explicou. “Ignoramos a questão política e trabalhamos em nível técnico para ajudar a fortalecer os Estados e não os governos e assim poder ganhar autonomia”, acrescentou.

O vice-presidente do privado Centro Brasileiro de Relações Internacionais, Marcos Azambuja, entende que há outros motivos que explicam o “interesse em ajudar”. Dando assistência a outros, “ganha-se pelo sentimento de fazer o bem, que é intangível, em relação às pessoas que estão sofrendo”. Azambuja explicou que a cooperação se baseia na “consciência de que chega a países intermediários, como o próprio Brasil, com o dever de ajudar a corrigir as desigualdades extremas”.

Também acredita que cooperar “dá influência e prestígio” internacional, porque é um instrumento de sedução e de “convencimento”, e depois o beneficiário tende a “imitar o modelo do país que o ajuda”. Sobre isto, Farani nega categoricamente que a ajuda da ABC tenha interesses econômicos ou comerciais, pois não tem vínculos com o setor privado, mas com órgãos técnicos estatais. Azambuja esclarece que seu comentário se refere em particular a outro tipo de assistência, como, por exemplo, os créditos externos outorgados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Rubens Barbosa, da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), disse que os empréstimos aos países em desenvolvimento do BNDES, e agora do também estatal Banco do Brasil, somaram mais de US$ 3,5 bilhões entre 2008 e o primeiro trimestre de 2010. Também mencionou, entre outros, o aumento da contribuição brasileira à Corporação Andina de Fomento, de US$ 300 milhões, e de US$ 470 milhões para o Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul, formado por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai.

Em nota publicada em outubro no jornal O Estado de S. Paulo, Barbosa destaca que, embora a explicação oficial sobre a ajuda internacional seja a de reforçar a solidariedade, existem outras justificativas. Menciona, entre outros objetivos, “a busca de prestígio” por parte de Lula em sua luta para que o Brasil tenha um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Além disto, refere-se a interesses comerciais “de abertura de mercado para serviços de empresas brasileiras na competição com o governo e companhias, sobretudo da China”.

Entretanto, um porta-voz do BNDES explicou à IPS que esta entidade não realiza empréstimos a empresas nem a governos de outros países, e que os créditos são sempre para empresas brasileiras que exportam ou investem no exterior ou que querem estabelecer associações com empresas privadas de outros países. Envolverde/IPS