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Cultura, outra frente de luta aberta no Afeganistão

Participantes do Sound Central, festival de música da Ásia central, realizado em Cabul. Foto: Giuliano Battiston/IPS

Cabul, Afeganistão, 13/5/2013 – Outro tipo de guerra se desenvolve no Afeganistão, sem derramamento de sangue e mais sutil do que as incursões armadas noturnas ou o explodir das bombas. Trata-se da luta de influências culturais que conta com o patrocínio, entre outras formas de apoio, de espetáculos artísticos. No último verão, quando o Palácio da Rainha de Bagh-e-Babur (o jardim de Babur) abrigou o ramo afegão da Documenta 13 (uma das maiores exposições de arte contemporânea do mundo), muita gente em Cabul se perguntou sobre o papel da arte e da cultura em um país atribulado pela guerra.

Concluíram que os produtos artísticos podem ajudar a justificar a ocupação militar ou refletir uma imagem do Afeganistão contrária à caótica e instável realidade. “A cultura se tornou uma ferramenta para incidir na percepção sobre o Afeganistão”, disse à IPS, em julho do ano passado, Aman Mojaddedi, um artista norte-americano de origem afegã. Mojaddedi e a curadora italiana Andrea Viliani foram responsáveis pela seção afegã da Documenta 13. O artista apontou Alemanha, Estados Unidos, França e Grã-Bretanha como países que “investem cada vez mais dinheiro na área cultural”.

Segundo o artista, esse apoio tem o “objetivo de demonstrar que a presença internacional no Afeganistão é um sucesso e que os afegãos têm uma vida normal. Sem dúvida, é uma forma de manipulação”. Porém, Zabi Siddiq, um adolescente cuja família é do Vale de Panjshir, não se sente manipulado. “Tenho interesse em novas formas de arte, pois mostram que é possível um futuro melhor, mesmo em um país como o Afeganistão”, disse à IPS. Siddiq é um dos muitos jovens afegãos que participaram do Sound Central, um festival de música moderna da Ásia central, realizado no Centro Cultural Francês de Cabul, de 30 de abril a 4 deste mês.

O festival começou há alguns anos, quando Trevis Beard, repórter fotográfico e fundador e principal organizador do Sound Central, e seus amigos “se sentiram insatisfeitos com o panorama musical e cultural” de Cabul. Em 2011, organizamos o primeiro grande encontro de música moderna em Cabul. Durou um dia e se apresentaram oito bandas de rock”, contou à IPS. Desde então a proposta cresceu junto com a quantidade de patrocinadores. O maior e mais generoso é a Agência Suíça para a Cooperação e o Desenvolvimento. Também participam muitas embaixadas e doadores internacionais públicos e alguns poucos privados.

A terceira edição do Sound Central contou com várias propostas, desde concertos de rock e heavy metal e atuações de grupos de rap, passando por uma mostra fotográfica, até um espetáculo do Parwaz, um grupo de teatro de marionetes. O público estava composto principalmente por estrangeiros, muitos deles jornalistas, fotógrafos e empregados de organizações não governamentais, e jovens afegãos usando camisetas, calças jeans e calçado esportivo colorido.

Em um espaço aberto com uma barraca de campanha violeta havia artistas grafitando. Um deles, Reza Amiri, de 20 anos, começou a fazer grafites há um ano, após participar de um painel na Universidade de Cabul, e se proclamou seguidor de Shamsia Hassani, de 24 anos, aclamada pelos meios internacionais como a primeira realizadora de grafite do Afeganistão. Amiri ama sua nova forma de expressão porque “graças a ela pode tratar temas delicados de forma direta e efetiva”, explicou, mostrando um trabalho no qual se vê o rosto de uma mulher acompanhado do texto “deixe-me respirar”. Amiri disse à IPS que “o trabalho mostra a busca das afegãs por liberdade”.

Folad Anzurgar, de 27 anos, se dedicou a um estilo mais ortodoxo. Este pintor a óleo disse à IPS que se baseia nos rostos que expressam a dor da guerra, “a beleza da paz” e “as tradições afegãs”. Coisas “como grafite e rock são para os mais jovens e não podem substituir nossa herança cultural, que tem raízes muito mais profundas”, ressaltou.

No Afeganistão, especialmente em zonas rurais onde vive 75% da população, muitos creem que os artistas atuais introduzem valores estrangeiros. De fato, muitas pessoas nunca ouviram rock. Sulyman Qardash é vocalista e líder do grupo de rock Kabul Dreams. “Temos muitos seguidores dentro e fora do país”, disse à IPS. Muitos de seus fãs são de Cabul. O grupo já tocou na Turquia, Índia, Irã e Uzbequistão, mas no Afeganistão nunca se apresentaram fora da capital.

“É inegável que com nosso festival introduzimos novos elementos culturais, mas o fazemos sem imposição”, explicou Beard à IPS. “Só oferecemos aos afegãos uma nova plataforma que podem escolher para usar”, acrescentou. No entanto, reconheceu que, em um país assediado pela guerra, esse trabalho tem muitas implicações e inevitavelmente se torna parte da batalha para “ganhar corações e mentes” de afegãos e estrangeiros. “Apesar do dinheiro que recebemos de doadores estrangeiros, estamos totalmente livres de influências políticas”, ressaltou.

Mojaddedi se referiu ao assunto da cultura moderna e tradicional de uma forma mais amena, e destacou o enriquecimento mútuo que ocorre nos intercâmbios culturais. “Todas as culturas são híbridas, e isso ocorre em qualquer lugar a todo momento”, afirmou à IPS. “As novas tendências também têm o efeito contrário aqui. Alguns artistas afegãos procuram preservar sua própria cultura específica”, pontuou.

O aperta-afrouxa da hibridização são história antiga. Como escreveu Gilles Donrronsoro, conhecido pesquisador e especialista em Afeganistão, tanto os soviéticos, há várias décadas, como o Ocidente, hoje em dia, “tentam impor um modelo social de modernização que não é aceitável para a população local, para as elites urbanizadas”, opinou. Envolverde/IPS