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Cuba estende ponte sanitária para o Haiti

Muitas mulheres haitianas fazem pela primeira vez controle da pressão arterial. A brigada médica cubana durante uma clínica móvel no mercado Salomon de Puerto Príncipe. Foto: Patricia Grogg/IPS
Muitas mulheres haitianas fazem pela primeira vez controle da pressão arterial. A brigada médica cubana durante uma clínica móvel no mercado Salomon de Puerto Príncipe. Foto: Patricia Grogg/IPS

 

Porto Príncipe e Havana, Cuba, 28/8/2013 – É sábado e a entrada de uma delegacia, em frente ao concorrido mercado do bairro Salomon da capital haitiana, se transforma em improvisado posto médico. Em poucos minutos aumenta a fila de pessoas esperando para serem atendidas pela brigada cubana de saúde. O agente de guarda disse não ter autorização para falar com jornalistas, mas a colaboração é evidente. Mesas e cadeiras da delegacia se alinham rapidamente ao longo da fachada para facilitar o trabalho do pessoal do hospital La Renaissance, que realiza jornadas de medicina preventiva a cada semana.

“Estamos em uma clínica móvel”, explicou Damarys Ávila, diretora do La Renaissance, cujo atendimento está a cargo da missão médica de Cuba. “Fazemos exames de pressão arterial, catarata, papiloma e glaucoma”, contou à IPS. “As pessoas com algumas dessas doenças são enviadas ao hospital”, acrescentou. Na fila, as mulheres são maioria. “Nelas encontramos muitos casos de hipertensão arterial, pelo fato de ficarem com a maior carga de trabalho. A isso se acrescenta os maus hábitos alimentares, como comer muita pimenta, farinhas e sal. Muitas pessoas estão aqui medindo a pressão pela primeira vez na vida”, detalhou.

Percorrendo o La Renaissance, ou nesta singular intervenção de saúde na rua, na qual, em uma manhã, foram atendidos 167 homens e mulheres humildes, só se ouve vozes de agradecimento. “Buscamos os cubanos porque atendem bem e não cobram. Somos pobres, não podemos pagar”, resume uma moradora de Porto Príncipe antes de acomodar novamente uma grande trouxa sobre sua cabeça. A primeira brigada médica cubana chegou ao Haiti em 4 de dezembro de 1998 para aliviar as sequelas do furacão Georges.

Desde então, a cooperação é ininterrupta e decisiva para este empobrecido país, castigado em 2010 por um terremoto que matou 316 mil pessoas, segundo dados do governo, e por uma epidemia de cólera que também provocou milhares de mortes. Nestes anos, o pessoal cubano realizou mais de 18 milhões de atendimentos, mais de 300 mil cirurgias, salvou 300 mil vidas e devolveu a visão a aproximadamente 53 mil pessoas. Informes oficiais acrescentam que há 640 agentes de saúde cubanos no Haiti, dos quais 357 são mulheres.

Esta ajuda é emblemática, não só por sua envergadura (chega a todo o território haitiano) e por seu caráter humanitário, mas porque também prepara o país para o futuro, mediante o estabelecimento de um sistema de saúde pública, incluída a reconstrução da infraestrutura hospitalar. Além de Cuba, contribuem financeiramente para este esforço África do Sul, Alemanha, Austrália, Namíbia, Noruega, Venezuela e outros países com menores quantias.

O programa estabelece a remodelação e instalação de 30 hospitais comunitários de referência, mais da metade dos quais já está terminada, e adequação de 39 unidades do Ministério de Saúde Pública e da População do Haiti para serem centros de atendimento, com ou sem camas, e 30 salas de reabilitação integral. Além disso, há duas missões oftalmológicas da Operação Milagre, uma fixa em Porto Príncipe e outra itinerante pelo interior do país, um laboratório de próteses e aparelhos ortopédicos, três oficinas territoriais de eletromedicina e uma rede de vigilância epidemiológica e de controle ambiental.

A Operação Milagre, que foi iniciada em 2004, é um programa que até 2011 (data dos últimos dados) havia devolvido ou melhorado a visão a mais de dois milhões de pessoas em 34 países da América Latina, do Caribe e da África. John M. Kirk, catedrático da canadense Universidade de Dalhousie, entende que um papel crucial para dotar o Haiti de um sistema de saúde fortalecido compete aos próprios médicos haitianos formados em Cuba. Segundo seus dados, 430 dos 625 haitianos e haitianas que se formaram na cubana Escola Latino-Americana de Medicina (Elam) no começo de 2011 já trabalhavam em seu país. Nesse mesmo ano, outros 115 finalizaram seus estudos na Universidade de Santiago de Cuba.

Instalada em novembro de 1999, a Elam foi proposta na IX Cúpula Ibero-Americana realizada em Havana como um projeto de formação de recursos humanos para a saúde no bloco formado pelos 19 países latino-americanos, mais Andorra, Espanha e Portugal. Contudo, a iniciativa, embora aplaudida, não foi acolhida pelos dignatários presentes à inauguração. Cuba seguiu adiante com o programa, que hoje está ampliado para 122 países, de onde procedem “jovens fundamentalmente das camadas mais humildes da sociedade, que apresentam diversidades étnicas, educacionais e culturais”, segundo seu portal na internet.

Em um ensaio sobre o tema, Kirk afirma que Cuba ajudou, desde a década de 1970, a fundar escolas de medicina em vários países, como Iêmen (1976), Guiana (1984), Etiópia (1984), Uganda (1986), Gana (1991), Gâmbia (2000), Guiné Equatorial (2000), Haiti (2001), Guiné-Bissau (2004) e Timor Leste (2005). Um informe entregue à IPS pelo Ministério da Saúde afirma que 39.310 profissionais, dos quais 25.521 são mulheres, cumprem “missão” em 60 países. Deles, 34.794 estão no continente americano, 3.919 na África, 554 na Ásia e Oceania, e 43 na Europa.

Como parte das reformas econômicas iniciadas em 2010, esta cooperação está deixando de ser gratuita onde é possível, embora a “gratuidade absoluta” continue na República Árabe Saaraui e na Operação Milagre em Honduras, Haiti, Paraguai e Equador, entre outros. Por outro lado, tenta-se fortalecer a Comercialização de Serviços Médicos Cubanos, que oferece atendimento pago em Cuba e no exterior, como fonte de recursos para financiar o sistema de saúde pública e gratuita ao qual tem direito a população cubana. Mediante esta modalidade, o Brasil contratou quatro mil médicos cubanos para trabalharem em zonas pobres do norte do país. Envolverde/IPS